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O Pai José ~ por José Roberto Prado

Por uma série de razões culturais e religiosas, muito já foi escrito e reverberado acerca de Maria, mãe de Jesus de Nazaré. Por outro lado, é digno de nota e até mesmo constrangedor observar o silêncio histórico acerca daquele que desempenhou o papel de “pai”: José. Sejamos coerentes; busquemos justiça: a história de Jesus não foi escrita somente pelas mãos do Espírito Santo e de Maria.

Houve um homem presente, um pai humano, que abraçou, acolheu, ensinou. Sua presença é discreta no relato dos Evangelhos, é verdade, mas nem por isso deixou de ter impacto na vida do filho. José compreendeu tão bem e foi tão pleno em desenvolver o papel que recebera de Deus que, deixando as luzes brilharem sobre o personagem principal – o Filho – engrandeceu e honrou a autor da vida e da História.

José adotou. Abençoou. Protegeu. Amou.

Por isso quero falar de José, o pai José.

Em primeiro lugar, verdadeiros pais são, também, maridos de verdade.

Honram, protegem, amam, respeitam…

Poderia passar despercebido, mas as Escrituras registram. Mateus diz que José “não querendo expô-la (Maria) à desonra pública, pretendia anular o casamento”. Ele pensou primeiro na reputação dela, ao invés do que os outros iriam falar dele!

É na vida compartilhada do casal, onde o bem estar da esposa tem prioridade, que os futuros pais aprendem (ou não) a amar. Semeado na noite e regado durante o dia, este amor ágape floresce no trato cotidiano da esposa e frutifica na saúde emocional e espiritual dos filhos. Antes de sermos pais abençoadores, precisamos aprender a ser maridos acolhedores.

É por isso que, no plano sábio e perfeito de Deus, filhos vêm depois do casamento.

José amou Maria com amor ágape. O amor que procede de Deus e que “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Co 13.7). Demonstrou esse tipo de amor quando aceitou a noiva grávida que Deus lhe havia dado.

José foi cuidadosamente escolhido por Deus para acolher Maria.

José, filho de Eli (Lc 3.23), descendente de Davi, de Nazaré, o carpinteiro, pai adotivo de Jesus, é descrito como um homem justo (Mt 1.19).

Na linguagem bíblica, “justo” é alguém que anda retamente diante de Deus, que procura honrar o Senhor em todas as áreas da vida. Noé foi o primeiro a ser chamado justo. Ele era “justo e íntegro em seus caminhos; ele andava com Deus” (Gn 6.9).

Em outras palavras: quem seguisse suas pegadas encontraria Deus. Assim era José. Ele era íntegro, “justo” em seu coração, em sua intimidade. Nela, cultivava a Lei de Deus, o caráter, o amor e a graça do amoroso Pai.

Esta influência abençoadora e formadora de José na vida de Jesus pode ser vista no fato de que este, no início do seu ministério, quando retorna à cidade onde crescera – Nazaré, na Galiléia – é chamado de “o carpinteiro” (Mc 6.3), mesma profissão de seu pai, José (Mt 13.55).

Os estudiosos entendem que, em algum momento da vida de Jesus, entre a juventude e o início de seu ministério, aos trinta anos, seu pai José faleceu. Isto explica sua ausência nos relatos dos Evangelhos que focam essencialmente a vida adulta de Jesus.

Contudo, José conviveu tempo suficiente para moldar o caráter do filho e deixar-lhe de herança uma profissão e, mais importante ainda, um nome honrado.

José foi cuidadosamente escolhido por Deus para adotar Jesus.

Nós, homens modernos, céticos, tecnológicos, racionais, precisamos aprender com José a criar nossos filhos nos sábios, belos e muitas vezes inescrutáveis caminhos de Deus. Precisamos aprender a ser sensíveis à voz de Deus, discernindo os seus propósitos. Precisamos estar abertos e conscientes dos inexplicáveis e surpreendentes caminhos da graça de Deus na vida dos nossos filhos. Cabe a nós, como pais, orar para que estes sobrenaturais e maravilhosos caminhos de Deus possam ser encontrados pelos nossos filhos. Que a graça os alcance, encontrando seus corações, assim como nós fomos encontrados.

Existe um “eis-me aqui” silencioso na atitude de José. 

Temos poucas palavras dele registradas, mas suas ações falam alto, muito alto.

José tornou-se protagonista desta história. Adotou o menino. Encarou a tarefa. Não se ausentou. Não se escondeu. Posso ouvir José orando: “Se este que foi gerado é teu, Senhor, farei de tudo para estar à altura desta responsabilidade. Empenhar-me-ei para que a tua glória seja vista em sua vida. Conta comigo, Senhor”.

José fez do seu filho sua missão.

É preciso que se diga também que “justo” não significa, como pode erroneamente parecer, insensível ou turrão.

Na vida de Deus, assim como na vida de gente de Deus, a justiça não ofusca ou impede o amor e a misericórdia. Em José tampouco. A Bíblia afirma que Deus é fiel e justo, e que perdoa nossos pecados (1Jo 1.9).

Nós, pais brasileiros, que temos dificuldade de conciliar justiça e graça, disciplina e perdão, limites e liberdade, correção e comunhão, precisamos aprender de Deus. Precisamos aprender de José.

Como José, verdadeiros pais adotam.

Acolhem, cuidam e entregam. Sabem que os filhos não são seus. Na linguagem do Salmista, filhos “são herança do Senhor”, isto é, “herança que pertence ao Senhor”! São presentes que desfrutamos com prazo pré-estabelecido. Dádivas que, de tão sagradas, não podemos tomar posse. Dons em forma de gente, que um dia crescem… e se vão!

Nosso papel como pais adotivos é, neste curto espaço de tempo que os temos sob o nosso teto, ensinar-lhes a caminhar com o Pai de amor.

Deus é Pai, o verdadeiro Pai.

Com José, nós pais, aprendemos que nossa vocação suprema é devolvermos nossos filhos a Deus.

Somos mordomos. Aios.

Pais adotivos.

Como José.

Como Deus.

Profeta: Filósofo, Político, Poeta ~ por Davi Bogomoletz

O profeta é conhecido, em primeiro lugar, como aquele que vê o futuro. A palavra que o designa em hebraico, navi, pode ser compreendida como designando “aquele que traz”, ou seja, aquele que traz de longe alguma coisa que não está no aqui e agora. Enquanto místico, ou seja, aquele que se relaciona com “a outra realidade”, o profeta tinha de fato a visão do futuro, pois Aryêh Kaplan já mostrou como a inspiração profética se produzia graças a sofisticados exercícios de meditação, que levavam os que a praticavam a sair do nível comum de percepção para alcançar o que eu aqui chamaria, para efeitos meramente descritivos, de “ultra-percepção”. (Nos livros “Meditação Judaica” e “Meditação e a Bíblia”, Kaplan explica de que modo os profetas utilizavam a meditação.) E pelo menos em um lugar, o profeta é designado na Bíblia como “vidente”. Mas, por tudo o que podemos ver, se lermos os seus textos, não era essa a sua função mais importante. E eu havia prometido a vocês falar hoje do profeta como político, filósofo, poeta, conjunto de atividades, ou atribuições, muito mais importantes na história da profecia bíblica. Eu deveria, então, falar um pouco de cada uma dessas dimensões. Mas não é o que vou fazer.

Eu me dei conta de que para conhecer o profeta enquanto poeta basta abrir a Bíblia. E vou dar um exemplo. Abri o livro do profeta Sofonias – Tzefanyâh – um profeta considerado “menor”, porque o seu texto é muito curto. É um dos “doze”, os profetas de textos muito pequenos, contidos todos num único livro. Ele é considerado um profeta admoestador, de duros discursos contra os opressores e os exploradores. Nele encontramos a idéia de que os homens de bem de Israel serão salvos, enquanto os maus perecerão, e o mesmo ocorrerá às outras nações: as que se salvarem reconhecerão a Lei de Ad’. No capítulo 3 temos alguns versículos que funcionarão como exemplo tanto de linguagem poética quando de discurso político. Infelizmente, o ritmo muito marcado dos versos em hebraico não pode ser fielmente transmitido na tradução, o que diminui em muito o seu impacto. Aqui tentei uma tradução um tanto livre, justamente na intenção de preservar o ritmo do texto original. Continue lendo

Natal: Deus se faz Poeta! ~ por José Roberto Prado

Poetas são artesãos da palavra. Como nas outras artes, o artista parte do desejo de expressar-se e de sua imaginação. Com o que tem às mãos – o comum, o simples – maneja com habilidade (do Latim “ars”) até transformar em algo sublime, admirável, belo.

De todas as matérias primas, a palavra é, por excelência, a mais rica e misteriosa condutora de pensamentos e sentimentos.

A capacidade humana de verbalizar, junto com a consciência, é o que nos distingue dos animais e nos torna imagem e semelhança do Criador. Foi Ele, na eternidade, que primeiro expressou-se por palavras.

A poesia é divina.

Divina, compartilhada, mas não espontânea. Não basta juntar aleatoriamente palavras numa frase. É preciso trabalhar arduamente até que as palavras sejam capazes de expressar com lógica e beleza os mais profundos sentimentos. Todo artista imprime a si mesmo em sua obra. A arte é a forma mais elevada de comunicar quem somos. Continue lendo

O Deus que nos levanta ~ por José Roberto Prado

A reação natural de um pai ao ver seu pequeno filho caído é estender a mão para levantá-lo.

A omissão, neste caso, seria sinal de desequilíbrio mental, alienação ou desamor.

Jesus argumenta: Se vocês que são maus sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai celestial? (Mt 7.11).

Por que então, tantos de nós rejeitamos a mão estendida de Deus?

Por que insistimos em ficar caídos, rastejando pela vida, comendo o pão amassado pelo Diabo, sofrendo nas mãos de nossa própria consciência, ao invés de voltar-nos à Deus?

Uma das razões, talvez a mais grave, seja o fato de que não queremos reconhecer que estamos caídos.

Não queremos dar o braço a torcer.

Não nos agrada a idéia de estarmos errados.

Em outras palavras… Nosso orgulho nos afasta de Deus e, ao contrário do que possa parecer, nos impede de andar de cabeça erguida. Continue lendo

Fica Firme, Zorô! ~ por José Roberto Prado

Todos queremos fazer diferença. Deixar nossa marca, ainda que pequena, na história e na vida de outras pessoas. Fomos criados com este “senso de realização”, faz parte da ‘Imago Dei’ que carregamos.

Fomos pragramados para nos completarmos quando nos relacionamos construtivamente. Um amigo já disse: “Pessoas precisam de Deus; Pessoas precisam de pessoas”. Como isso é verdade!

Nós que nascemos “do alto” (Jo.3:3) encontramos realização quando, movidos pelo amor do Pai e das otras pessoas, imprimimos a marca Dele (abençoamos) – não a nossa – na vida dos que nos rodeiam.

A indiferença, o egoísmo e a desequilibrada busca de auto-satisfação, tão comum no nosso mundo consumista-individualista, não representam a normalidade para a qual fomos criados. É enfermidade, e das bravas. Na nova vida que recebemos de Deus com o novo nascimento, normal é vivermos em mutualidade e nos realizarmos uns com os outros. Continue lendo

Uvas e pães & Pérolas e pedras ~ Por José Roberto Prado

A espiritualidade cristã me convida a ser uva, não pérola; pão, não pedra.

Pérolas e pedras, por mais belas, por mais preciosas que sejam, são estéreis. Estéril, na biologia, é a vida incapaz de reproduzir vida. Na natureza, é o lago que, por não receber água nova e não escoar água velha, torna-se morto. Faz mal. Fede.

Quem crer em mim, do seu interior fluirão rios de água viva…

Uvas e pães, se não esmagados e partidos, também são estéreis.

O que é uma uva ou um pão que não é deglutido? Um pouco melhor do que um quadro de ‘natureza morta’, um vaso com flores de plástico numa mesa de jantar… Estéril.

Na espiritualidade cristã, como na natureza, há uma dinâmica misteriosa: morte gera vida, noite antecede o dia, inverno antecede primavera. Cruz antecede ressurreição. Sofrimento antecede glória. Continue lendo

Por uma teologia de consolo em catástrofes ~ Margaretha N. Adiwardana

Global accident - collision of an asteroid wit...

No livro de Lamentações de Jeremias

A ocorrência de catástrofes com grande amplidão de destruição exige a presença dos cristãos em socorro às vítimas. As vítimas ficam em choque ao perder, em questão de minutos, tudo que construíram nas suas vidas – casas, bens, às vezes alguém amado da família, e com a possibilidade de ficarem feridas ou adoecerem por condições insalubres, sem moradia, comida e nem água. O seu chão foi tirado. A terra, que deveria ser a base onde os pés se firmam, tremeu. A casa engolida por deslizamento de terra. A água limpa que traz vida e sacia a sede, trouxe a morte e destruiu os seus meios de sustento. Tudo que provê vida se torna incerto e traiçoeiro.

As pessoas ficam desesperadas e desesperançadas quanto ao futuro quando a base da sua vida foi eliminada. Perguntam-se o que foi que aconteceu. Como o Criador da natureza deixou isso acontecer? Quem é esse Deus? Muitos pensam que a mão de Deus pesa sobre eles. Em alguns casos, preferiram morrer junto com os seus amados e vendo o sonho da sua vida desaparecer diante dos seus olhos. Sentem-se culpados de não terem morrido juntos e por não conseguirem salvar os seus familiares.

Ao prestar ajuda para sobreviver física e materialmente, é necessário também ajudar a retomar a vida com esperança, sem medo do futuro, nem amarguras contra o Criador, não perdendo a fé, mas se aprofundando na dependência de Deus. Mas como os socorristas podem acalmar o medo e apresentar respostas? Eles mesmos ficam abalados diante de tão grande sofrimento. Ajudam calados e chorando juntos. Falam de coisas irrelevantes para quem está com sofrimento atroz. Acabam apresentando a Palavra de Deus que aos ouvidos das vítimas soa como incompreensão, exigência, colocando mais fardo na condição delas. Alguns se mantém alheios. Outros julgam como punição pessoal e merecida de Deus.

O contexto do sofrimento necessita de compreensão bíblica, tentando entender do ponto de vista de Deus como diretriz da ação para ministrar de forma relevante. Um modelo seria o livro de Lamentações de Jeremias, que chorou ao ver a desolação de Jerusalém destruída, mas que não perdeu a esperança por se apegar na misericórdia infindável de Deus. Harrison comenta que “Soberania, justiça, moralidade, julgamento de Deus e a esperança da benção no futuro distante são temas que surgem com grandeza solene das cadências de Lamentações.” Há muitas paralelas da situação mencionada por Jeremias. O sofrimento diante da destruição foi pessoal e coletivo, físico, material, emocional e espiritual (3:4-6).

Lamentações 3

I. Necessidade de conhecer a ̩poca Рcontextos

1. Contexto de sofrimento: O livro inteiro menciona um contexto de grande sofrimento, destruição da cidade inteira e dos seus muros, crianças morrendo de fome, mães desesperadas, moças desoladas, jovens mortos e levados ao cativeiro, sem mais sacerdotes, nem profetas ou príncipes. Lamentações se faziam em situações de luto e aqui era luto nacional.

2. Contexto de grandes pecados como causa fundamental do sofrimento em geral. No caso em Lamentações, o pecado foi nacional e coletivo. Em catástrofes, há causas diretas e indiretas. As diretas seriam guerras e violências provocadas humanamente. As indiretas seriam a ganância e exploração que provoca extrema pobreza e o aquecimento global, a corrupção de uso de material de qualidade inferior nas construções que não aguentam em terremoto e chuvas pesadas. Há outras que parecem falha da natureza como as placas tectônicas que se movem. Fundamentalmente, entende-se que o pecado humano ao romper com o Seu Criador trouxe a consequência da entrada do mal no mundo. O que foi criado bom, agora desanda. Jeremias mencionou grandes pecados (1:8, 14, 18, 22, 3:42; 4:6; 5:7), falsos profetas (2:14; 4:13), inversão de valores de Deus – escárnio aos justos, de injustiça social – exploração dos que não podiam se defender, perversão de justiça e direitos humanos – criação de  Deus, iniquidade abundante e atos abomináveis contra o que é sagrado.

3. Contexto de perigo sério, perigo de vida (vs.53-55) – de morte física e de morte espiritual.

II. Jeremias reconheceu Deus como Senhor soberano sobre todos os contextos, conheceu o caráter d’Ele e, portanto, reconheceu os atos d’Ele e seus desígnios.

1. Reconhecimento da soberania de Deus v.3:38 – mal e bem (“desgraças e bênçãos” NVI) procede do Altíssimo. Tsunami, dezembro de 2004 provocou muitas discussões se foi punição de Deus. Os muçulmanos atribuíram castigo de Allah por algo que o povo fez, os hindus e budistas fizeram sacrifícios para aplacar a ira dos deuses ou dos espíritos.

2. Reconhecimento do amor, compaixão, misericórdias infindáveis e fidelidade do Senhor (vs.22-23 – hesed, grande amor, “carinho”, compaixões no plural para intensidade, com raiz na palavra rehem = ventre materno, a bondade amorosa se renova a cada manhã). É a razão de não sermos consumidos, de estarmos ainda vivos.

3. Reconhecimento da justiça de Deus que não tolera pecado (v.34-36 – exploração, maldade, injustiça, perversão do direito – situação brasileira e de muitos países).

4. Reconhecimento que Deus tem o plano de levar o homem ao arrependimento, permitindo sofrimento, trazendo-o à salvação. V.31-33 “não aflige, nem entristece de bom grado os filhos do homem”. Hoje continuamos a ouvir casos de conversões pós-tsunamis, de indagação dos povos pós-guerras e sua afirmação de que só Deus pode interferir e mudar, só Jesus pode acabar com as maldades que o próprio povo está cometendo contra os patrícios. Harrison afirma que “o autor de Jó e o de Lamentações reconhecem que uma reação positiva ao sofrimento é um pré-requisito à maturidade espiritual. Esta percepção é a base para a expectativa de que após a tribulação virá restauração e bênção, por causa da bondade de Deus, para um povo que realmente estiver arrependido.”

III. A nossa reação de entendimento e convicção da justiça e misericórdia de Deus, que quer levar todos à salvação, leva à ação.

-V.21 trazer à memória – “fará voltar ao coração”, ao centro de afetividade, “o que pode me dar esperança” – a misericórdia infindável de Deus para com os homens;

– Não questionar, mas entender os atos de Deus (vs.37-39), castigo de pecado para levar ao arrependimento (vs.31-33). Stephens-Hodge ao comentar sobre crianças de peito que desfaleciam em busca de pão, “Sofrimento tal como esse é sempre um profundo mistério: mas nem mesmo uma criança pode ser considerada isoladamente”. W. F. Adeney “É uma monstruosidade acusar a providência de Deus por causa das conseqüências das ações que Ele tem proibido”. Na soberania de Deus, nada pode acontecer sem a permissão d’Ele. Quando Ele permite sofrimento, na Sua misericórdia fará emergir o bem do mal (Rm. 8:28).

– Sentir junto ao ver (v.1) – pessoal e corporativo como Neemias na confissão de pecado do povo. “Sofrimento pessoal (de Jeremias) e representante típico do povo” (Gaster).

РLamentar com sinceridade, colocando-nos juntos no sofrimento e no pecado da humanidade, vs.40-42, na identifica̤̣o com a pecaminosidade humana.

– Rogar, clamar com choro incessantemente até a misericórdia de Deus se manifestar, os pecadores se arrependendo, vs. 49-51. Harrison diz que podemos acreditar em uma divindade tão imutável e digna de confiança, e orar em completa submissão à Sua vontade soberana, que Ele olhe novamente com favor para seu povo.

– Advertir e proclamar para levar ao arrependimento, v.29 – “ponha a boca no pó”, a forma oriental de reconhecimento da indignidade, se prostrar em submissão total.

IV. Ter certeza do final de todas as situações

– Deus ouve o clamor do Seu povo – v.56.
– Deus vem e se faz presente – v.57.
– Deus consola e assegura – v.57b “Não temas”.
РDeus defende dos inimigos Рv.58 Рpuni̤̣o dos inimigos.
– Deus salva – v.58b “remir a minha vida”.

Walvoord e Zuck mencionam princípios da natureza da aflição de Israel:

(1) Aflição deve ser aguentada com esperança na salvação de Deus, ou seja, a restauração final (3:25-30).

(2) Aflição é somente temporária e é amenizada pela compaixão e amor de Deus (vs.31-21).

(3) Deus não se regozija na aflição (v.33).

(4) Se a aflição vem por causa de injustiça, Deus a vê e não aprova (vs.44-46).

(5) Aflição ultimamente veio por causa dos pecados de Judá (3:39).

(6) Aflição deve cumprir o objetivo de trazer o povo de volta para Deus (v.40).

Devemos pregar o arrependimento igual como fazemos em qualquer situação também de bem-estar. Mas também devemos assegurar da misericórdia de Deus. A diferença está na ministração efetiva integral em contexto de grande sofrimento. Primeiramente nós mesmos precisamos ter o coração de compaixão, de identificação com o sofrimento dos povos e com a pecaminosidade do ser humano, chorar compungido rogando a Deus pela misericórdia, e a agir com compaixão como socorristas.

“O âmago do poema, tanto literal como espiritualmente, é a passagem central do capítulo central. Cinco vezes ocorre a palavra ‘esperança’. A aflição cumpre seu trabalho de humilhar (v.20). O sofredor compreende o seu significado e grita: tenho ‘ESPERANÇA’ (v.21). A nova esperança está apenas em Deus, como mostra o contexto. Isso é de novo enfatizado quando o poema termina.

“Tu, Senhor, reinas eternamente’ (5:19). A oração final do poema será ainda cumprida, ‘Renova os nossos dias como dantes’ (5:21)”. (Baxter).

E quanto à pergunta de todo o tempo de “Por que o justo sofre?”, quanto aos inocentes sofrendo grandemente em catástrofes? “Ultimamente há profundidade nas ações de Deus que o homem finito não pode entender. A revelação de Deus em palavra e em ação mostra consistentemente sua justiça e amor em aliança; porém há sempre um resíduo de experiência humana que exige que curvemos a uma sabedoria alta demais para nossa compreensão. Encontramos o exemplo supremo na cruz e no grito de Jesus em Marcos 15:34. Por isso cada teoria fácil da Expiação tem falhado há muito tempo, pois há profundidades no Gólgota que passa a compreensão humana. Somente quando na glória veremos o livre arbítrio e a predestinação reconciliados que também compreenderemos como a soberana vontade de Deus é compatível com sua justiça e amor de aliança com o seu povo”. (H. L. Ellison).

“A minha porção é o Senhor, diz a minha alma, portanto, esperarei nele”.
(Lamentações 3:24).

Bibliografia

Baxter, J. Sidlow, Examinai as escrituras, Jó e Lamentações, Vida Nova, 1993.

Harrison, R. K., Jeremias e Lamentações, introdução e comentário, Vida Nova, 1996.

———–, Introduction to the Old Testament, Tyndale, London, 1970.

L. E. H Hodge in “O Novo Comentário da Bíblia”, p.785, Vida Nova, SP, 1985.

Ellison, H.L. in “The Expositors Bible Commentary, Old Testament”, Vol. 6, p.699, Zondervan, Michigan, 2002.

Keil, C. F., Introduction to the Old Testament, Hendrikson, Mass., 1991.

Walton, J. H., Matthews V.H., Chavalas M.W., The Bible Background Commentary, Old Testament, IVP, Downers Grove, 2000.

Walvoord, John F. e Zuck, Roy B., edit., “The Bible Knowledge Commentary”, p. 1210, Victor, Colorado, 2005.

Margaretha N. Adiwardana: Presidente/Fundadora da AME, membro da Missions Commission da WEA – World Evangelical Aliance; missionária associada da IEM – Indian Evangelical Mission, professora de missiologia, coordenadora da Rede SOS Global

[Publicado em Vida Nova – Teologia Brasileira, 5/8/2010].

A cidade edificada sobre o monte ~ por Ed René Kivitz

Este mundo vai de mal a pior, e aqueles que acreditam que o mundo vai melhorar precisam ler a Bíblia outra vez. Ou fazer teologia novamente. Quem acredita que “o dia de justiça, o dia de verdade, o dia em que haverá na terra paz, em que será vencida a morte pela vida, e a escravidão enfim acabará” refere-se às possibilidades de estruturação social está iludido.

A teologia da missão integral da Igreja deu passos significativos para que o assistencialismo evoluísse para a solidariedade emancipadora. Na verdade, a bandeira da responsabilidade social da Igreja levantada pelo movimento chamado evangelical foi além do velho paradigma “dar o peixe e ensinar a pescar” e profetizou a necessidade da transformação das estruturas sociais, isto é, lutar pela igualdade de condições entre os pescadores: instrução a respeito de pescaria, acesso aos apetrechos de pesca e às margens dos rios. A visão sistêmica que compreende a interação entre o indivíduo e a sociedade não dá margem para outra postura que não a implicação social da evangelização. Ponto para os herdeiros de Lausanne.*

Os discursos a respeito da Igreja como agência de transformação histórica e os apelos para que as cidades sejam conquistadas para Cristo foram, entretanto, inseridos nas agendas dos políticos cristãos, distorcendo o próprio propósito do Senhor Jesus para sua Igreja e seu Reino. Boa parte da chamada Igreja Evangélica brasileira (cada dia gosto menos desta expressão) padece de um crasso erro hermenêutico, a saber, a transposição simples das promessas do Velho Testamento para o contexto social e histórico atual.

Quero dizer que a promessa de Deus ao povo de Israel (“Se o meu povo que se chama pelo meu nome se humilhar, e orar, e buscar a minha face, e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei do céu e sararei a sua terra”) jamais pode ser aplicada ao Brasil e significar que a terra a ser sarada é a nação brasileira. Deus tinha um povo, e o seu povo tinha uma terra, um projeto de Estado, uma ética social e uma agenda litúrgica em unidade coerente. Isto é, o povo de Israel, habitando na terra da promessa, organizado num Estado regido pela Lei divina em suas múltiplas dimensões e sujeito ao único e verdadeiro Deus, seria luz para todas as nações.

Hoje, Deus ainda tem um povo: a Igreja (e se você ainda acredita que o povo de Deus é a nação de Israel, leia Gálatas novamente). Mas este povo, a Igreja, não tem uma terra delimitada como espaço geográfico, tipo território nacional. Mais do que isso, quando o povo de Deus fala em “organização social”, não está falando de um estado de direito, uma ordem social temporal, mas sim do Reino eterno de Deus. E o Reino de Deus não é um reino a ser instaurado na história, mas sim sinalizado na história.

A Igreja não vive sob a promessa de que a sociedade pode ser sarada. A Igreja vive sob o imperativo de oferecer-se ao mundo como humanidade e sociedade redimida, que se estrutura, de maneira alternativa, e através de suas relações internas anuncia profeticamente o Reino que virá. Como aprendi com os evangelicais, a Igreja é responsável por manifestar aqui e agora a maior densidade possível do Reino que será estabelecido ali e além. Mas esta manifestação histórica do Reino de Deus, entretanto, não se dá pela cristianização da sociedade ou, como pretendem alguns, pela tomada do poder temporal pela Igreja Evangélica.

A igreja, leia-se comunidade cristã local, é uma cidade edificada sobre o monte, uma luz na escuridão, que, inserida na sociedade corrompida e vivendo em meio a uma geração perversa, que se opõe a Deus e é inimiga da cruz, funciona como um sinal do Reino que virá. Não se iluda, esperando que o Brasil inteiro um dia fique iluminado. Ele, assim como todo o mundo, continuará em trevas. Mas em meio a estas trevas, viva em comunidade, uma comunidade que “vive o que prega para que possa pregar o que vive”.

Isso significa que os cristãos devem se recolher de sua inserção social? Eu não disse isso. Aliás, o Senhor Jesus disse que a luz acesa não pode ser colocada embaixo da cama.

Fonte: Revista Eclésia – Ano V – Nº55

*Congresso Mundial de Evangelização, realizado na Suíça em 1974, cujas conclusões teológicas, publicadas no Brasil pela ABU Editora, sintetizam a teologia da missão integral, ou movimento evangelical.

Era uma vez um junípero… ~ por José Roberto Prado

Em sua carta, Tiago afirma que o profeta Elias era um ser humano como nós (5:17).

Para alguns, esta afirmação é difícil de ser compreendida.

Como se identificar com alguém que confrontou um rei, ressuscitou um jovem, orou para que não chovesse e não choveu, orou pra chover e choveu, orou pra que viesse fogo do céu e veio… E de quebra, foi arrebatado num carro de fogo?

Mas existe uma outra face de Elias.

O Elias que se sente sozinho, foge para o deserto, senta-se debaixo de um Junípero (ou zimbro em outras traduções, uma árvore nativa do deserto) e pede pra “ser promovido”.

Eu consigo me identificar com Elias. Continue lendo

Deserto ou jardim? ~ por José Roberto Prado

Deus prometeu a Josué: ‘toda terra que pisar os teus pés será tua’ (Js 1.3). Por esta promessa Israel recebia pela fé a posse da terra. Era um presente, mas havia inimigos a serem vencidos. Deus convida seus filhos à maturidade e esta, sempre, envolve batalhas ferozes. Havia gigantes em Canaã. Somos convocados a derrotar os gigantes da nossa própria terra. Que terra é essa?

Igreja é povo de Deus. Distingue-se pela posse de algo que só Deus pode conceder. É uma dádiva, mas deve também ser buscada. O preço por não lutar é ter que conviver com inimigos e, muitas vezes, ser derrotados por eles, pois resistem em sair. Esgueirado-se por entre as sombras, quando menos esperamos apropriam-se daquilo que é nosso: nossa vida, nossa liberdade, nossa alegria, nossa paz.

Na nova aliança, o coração – centro da vontade, pensamentos e emoções – é a ‘terra’ a ser conquistada. Não mais um pedaço de chão, fertilidade, estabilidade financeira ou saúde física. Deus presenteia-nos com um novo coração, uma nova identidade, a possibilidade de posse de nosso próprio ser, de desfrutarmos a paz de “estar NEle” e “Ele em nós”! Nosso coração torna-se, assim, ambiente de adoração, de habitação da glória do Deus Excelso. Somos feitos “santuário do Deus vivo” (1Co3.16). Continue lendo

Na montanha, o Senhor proverá! ~ por José Roberto Prado

A  expressão acima é reflexo da resposta que o patriarca Abraão dá ao seu seu filho Isaque quando este lhe pergunta a caminho do Monte Moriá: As brasas e a lenha estão aqui, mas onde está o cordeiro para o holocausto? (Gn 22.7)

Isaque, um jovem adolescente na época, acompanhava seu velho pai numa jornada de três dias rumo ao monte Moriá para uma ocasião especial. Não sabia ele que Deus, contrariando todas as promessas feitas a Abraão em relação a sua própria vida, havia ordenado ao seu pai que oferessesse, ele mesmo, Isaque, em sacrifício…

De tão dramática, esta narrativa gerou um provérbio professado em momentos de crise: “Na montanha, o Senhor proverá!

É uma corajosa declaração de fé no Deus que prova, mas que também nos dá o escape. Continue lendo

Jacó e o Deus que nos quer lutando ~ por José Roberto Prado

Em nossa caminhada de fé, seguindo as pegadas de Cristo, mais freqüentemente do que gostaríamos de admitir, as circunstâncias levantam-se contra as promessas que recebemos de Deus em sua Palavra.

Como um alpinista que segue em direção ao cume, quanto mais avançamos pra perto de Deus, mais íngreme se torna a parede à nossa frente, mais escorregadio nosso chão, mais frio e rarefeito o ar; difícil até mesmo pra respirar.

Diante desta incontestável realidade, olhamos para cima, perplexos, e paramos:

Não faz sentido! Continue lendo