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Os domingos precisam de feriados ~ Nilton Bonder

© Holger DörnhoffToda sexta-feira à noite começa o Shabat para a tradição judaica. Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino no sétimo dia da Criação. Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo.

A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue.

Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta.

Hoje, o tempo de “pausa” é preenchido por diversão e alienação. Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações para não nos ocuparmos. A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições.

Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. Fim de dia com gosto de vazio. Um divertido que não é nem bom nem ruim. Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo…

Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A internet e a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim.

Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde com o presente.

As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado…

Nossos namorados querem “ficar”, trocando o “ser” pelo “estar”.

Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI – um dia seremos nossos?

Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante.

Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos…

Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção. O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair literalmente, ficar desatento. É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida.

A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é: o que vamos fazer hoje? Já marcada pela ansiedade. E sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando não sabemos o que fazer numa tarde de domingo.

Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo, fere-se mortalmente. É este o grande “radical livre” que envelhece nossa alegria – o sonho de fazer do tempo uma mercadoria.

Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio será viver as pausas. Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar.

Afinal, por que o Criador descansou?

Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído.

O desejo de espiritualidade na sociedade contemporânea ~ Z. Bauman

leafPor reconhecimento geral, o sociólogo Zygmunt Bauman é um dos mais renomados intérpretes da condição humana da época atual. Nascido de pais judeus em 1925 em Poznan, na Polônia (embora resida há muitos anos na Inglaterra), Bauman cunhou a feliz imagem da “modernidade líquida” para indicar uma situação de incerteza difusa, em que parece desaparecer qualquer ponto estável de referência.

[Giulio Brotti, L’Osservatore Romano, 20 out 2013// IHU, 21 out, tradução Moisés Sbardelotto]. Eis a entrevista.

Depois de muitos anos, não parece ter se cumprido a profecia positivista pela qual a dimensão religiosa iria declinar fatalmente, com o progresso da modernidade: na América Latina, por exemplo, o pentecostalismo e o protestantismo evangélico têm um grande sucesso. Mas, quanto ao hemisfério Norte do planeta e à Europa em particular, que traços estão assumindo a fé e a espiritualidade nesta primeira parte do século XXI? A quais mudanças elas poderiam ir ao encontro no futuro próximo?

O meu colega Ulrich Beck, há alguns anos, publicou um livro intitulado Der eigene Gott (em edição italiana, Il Dio personale. La nascita della religiosità secolare [O Deus pessoal. O nascimento da religiosidade secular], Ed. Laterza). O argumento desse livro é o retorno da espiritualidade, ou talvez fosse mais correto dizer: do desejo de espiritualidade na sociedade contemporânea. Falando de um desejo, de um anseio, entende-se que ele se orienta a uma certa representação da espiritualidade, concebida como algo que poderia conferir um sentido pleno às nossas vidas, preenchendo-as.

Evidentemente, constata-se que os prazeres materiais (“da carne”, se diria tempos atrás) não bastam: é preciso um contato com algo que transcenda as nossas ocupações e preocupações cotidianas. No entanto, Beck defende – com razão, acredito eu – que esse retorno à cena da espiritualidade não corresponde necessariamente a uma adesão às instituições e aos códigos religiosos tradicionais. Ao contrário, a tendência que prevalece hoje não encontra como interlocutores naturais as Igrejas e, talvez, ao contrário do que você sugeria, nem mesmo as inúmeras seitas que confluem no vasto leito do pentecostalismo. Os gostos da nova espiritualidade não propendem pelos dogmas, pelas regras disciplinares compartilhadas: justamente para sublinhar essa novidade, Beck cunhou a fórmula do “Deus pessoal”.

Também poderíamos falar de uma religião à la carte: sobretudo os jovens operam uma seleção entre diversas fontes, às vezes decididamente exóticas, em outros casos escavando no interior da tradição católica ou, em menor medida, da anglicana e protestante. Prevalece, contudo, a atitude de hibridizar elementos diferentes, segundo as necessidades particulares e a sensibilidades dos indivíduos: nessa base, é muito difícil que se constituam grupos organizados, comunidades de fé, propriamente ditas.

Trata-se, em essência, de uma religião “psicológica”, destinada a tranquilizar e a consolar o sujeito humano?

É uma reação à instabilidade que caracteriza a vida na modernidade “líquida”: em uma época de incessantes e repentinas mudanças, busca-se uma faixa de terra para se poder plantar os pés firmemente. Um dos aspectos mais inquietantes do nosso tempo é que não se conseguem prever as consequências a médio prazo das decisões pessoais: são numerosos demais os fatores que interferem nos nossos projetos. Pensemos no que aconteceu há poucos dias nos Estados Unidos, onde, por causa do déficit do orçamento, centenas de milhares de funcionários públicos foram deixados em casa sem salário. E essa situação também pode ter pesadas recaídas na economia mundial inteira, em perspectiva. Busca-se, portanto, um ponto de ancoragem existencial, e essa exigência desemboca, em certos casos, em um neofundamentalismo religioso, mas também pode se expressar de forma diferente: ainda nestes dias, tomamos conhecimento pela imprensa que, na França, o Front National de Marine Le Pen é virtualmente o primeiro partido, segundo as pesquisas que lhe credenciam o favor de 24% dos eleitores, na perspectiva das eleições europeias.

A busca frenética por certezas também pode assumir um aspecto político?

Certamente, e pode até se traduzir na situação sui generis da política italiana, em que os partidos estão desesperadamente em busca de alguém para atacar e para desacreditar, não conseguindo se definir de modo positivo, mediante um programa próprio. O problema de uma incerteza difusa, no entanto, certamente não se deixa reduzir a uma questão interna à Itália: a perda de confiança é global, não se refere apenas a determinados partidos ou líderes, mas sim ao sistema da democracia representativa. O mundo inteiro entrou em uma fase de interregno, para usar uma expressão de Antonio Gramsci: a humanidade tenciona buscar desesperadamente dentro ou fora de si pontos de apoio para se manter de pé, ou freios para parar o fluxo indistinto que, caso contrário, ameaçaria derrubá-la.

Em nível coletivo, essa necessidade também se encontra no movimento dos Indignados, na Espanha, no Occupy Wall Street, em Nova York, ou nas reuniões na Praça Tahrir, no Cairo. Avança-se às apalpadelas, no escuro, em busca de modos para poder agir eficazmente: as instituições que tradicionalmente se faziam intérpretes das necessidades e das preocupações dos indivíduos, traduzindo-os em propostas políticas, não parecem mais à altura do desafio. Quanto tempo durará essa passagem e aonde chegaremos? Eu não acredito nos milagres em sentido tradicional, mas acredito nos milagres da realidade, por assim dizer: na abertura de novas estradas onde o percurso parecia bloqueado, na capacidade inventiva dos seres humanos. Nós, porém, por definição, não somos capazes de prever desde agora como essa capacidade poderá se expressar no futuro.

Atualmente, não parece justamente ter se atrofiado a capacidade de pensar sobre o futuro? A expectativa dos tempos messiânicos no judaísmo, a das coisas últimas no cristianismo sempre foram um elemento essencial dessas tradições religiosas. Agora, porém, tendemos a avançar à vista, como se o nosso horizonte temporal se reduzisse ao próximo fim de semana. A espiritualidade pode abrir mão da dimensão do futuro? Ela poderá sobreviver em uma condição de presente dilatado?

Não é fácil responder à pergunta que você me faz. Eu me limitaria a salientar que, nos nossos dias, a indústria do consumo propõe substitutos para a espiritualidade tradicional, fruíveis on the spot, no momento presente. Muitos produtores não se limitam a pôr no mercado bens materiais, mas os cercam com uma aura religiosa. As agências de viagens e as companhias aéreas, por exemplo, publicizam os destinos turísticos com a promessa de experiências imortais, de metas paradisíacas: os seus slogans muitas vezes são variações sobre o tema da imortalidade agora, a ser obtida imediatamente, e não depois que estivermos mortos. Visitando uma certa localidade, hospedando-se em um certo resort, assistindo a um show de rock, pode-se logo experimentar o que você pode imediatamente experimentar o que as pessoas religiosas esperam poder conseguir em outra vida. O modelo é o do café solúvel, que pode ser saboreado em poucos segundos, depois que o pó se dissolveu na água quente. As agências de marketing capitalizam o desejo de uma fuga da incerteza e da desconfiança difusas na modernidade líquida: as mercadorias atraem os possíveis compradores, prometendo-lhes uma redenção da insensatez normal da cotidianidade.

Como o senhor avalia a “novidade” do pontificado do Papa Bergoglio? Há oito meses, os seus gestos e palavras parecem ter induzido uma sensação de feliz desorientação em muitos observadores e comentaristas, crentes e não crentes. Pensemos, por exemplo, na insistência do papa sobre a necessidade de que a Igreja seja pobre, e na responsabilidade do Ocidente para com as populações do Sul do planeta.

Ah, eu estou encantado com o que Francisco [Bauman pronuncia o nome em italiano, sorrindo] está fazendo: acredito que o seu pontificado constitui uma oportunidade, não só para a Igreja Católica, mas para a humanidade inteira. O fato de o líder de uma grande confissão religiosa chamar a atenção do Norte do mundo sobre o destino dos mais miseráveis já é de enorme importância. Mas eu também fui ler o que ele afirmava em um texto seu de 1991, Corrupción y pecado (publicado na Itália pela Editrice Missionaria Italiana com o título Guarire dalla corruzione, Bolonha, 2013, 64 páginas). Nessas páginas, retornando à parábola evangélica do publicano pecador e do fariseu irrepreensível na implementação das obras da lei, ele sublinha como o relato depõe em favor do primeiro, do coletor de impostos.

Nesse livrinho, há algumas passagens muito bonitas sobre a maior gravidade da corrupção com relação ao pecado: “Poderíamos dizer – afirma Bergoglio, por exemplo – que o pecado é perdoado; a corrupção não pode ser perdoada. Simplesmente pelo fato de que, na raiz de qualquer atitude corrupta, há um cansaço da transcendência. Diante do Deus que não se cansa de perdoar, o corrupto se ergue como autossuficiente na expressão da sua salvação: cansa-se de pedir perdão”.

A rejeição do legalismo e a capacidade de Jorge Mario Bergoglio de tocar os corações das pessoas lembram a atitude semelhante de João XXIII. O atual papa é intrépido, eu diria, no seu modo de proceder: eu penso nos gestos que ele fez em Lampedusa, nos discursos dedicados aos “fora da casta” do mundo globalizado. Para voltar ao tema do qual havíamos começado, poderíamos afirmar que Bergoglio sabe falar à espiritualidade típica do nosso tempo: os seguidores do “Deus pessoal”, com efeito, não estão muito interessados nas prescrições morais emitidas pelos representantes das instituições religiosas, mas desejam reencontrar um sentido na fragmentariedade das suas existências individuais. Ainda estão à espera de um “evangelho”, na acepção original do termo – de uma boa notícia.

Os gestos e as palavras do Papa Francisco não poderiam contribuir para “recolocar em ação” justamente a religiosidade individualista do nosso tempo? Não poderiam oferecer-lhe uma perspectiva, impedindo que ela permaneça em uma espécie de limbo, sem relações com a realidade concreta?

É uma hipótese sugestiva a que você prospecta. Pessoalmente, permaneço à espera – com muita esperança e ansiedade, eu diria – dos futuros desenvolvimentos deste pontificado. Também fiquei impressionado com a ênfase que Bergoglio põe na prática do diálogo: um diálogo efetivo, que não deve ser conduzido escolhendo como interlocutores aqueles que, mais ou menos, pensam como você, mas se torna interessante quando você se confronta com pontos de vista realmente diferentes do seu. Nesse caso, realmente pode acontecer que os dialogantes sejam induzidos a modificar as próprias ideias com relação às posições iniciais. Nós temos uma urgente necessidade desse tipo de debate, porque somos chamados a gerir problemas de porte imenso, para os quais não dispomos de soluções já prontas: pensemos nas questões relativas ao fosso entre os ricos e uma considerável parte da população mundial, que ainda vive na miséria; ou na necessidade de frear a exploração indiscriminada dos recursos do planeta, de encontrar uma alternativa para um modelo de desenvolvimento – a expressão já soa irônica – que é claramente insustentável.

Todos esses problemas não param nas fronteiras nacionais: não dizem respeito aos italianos, em vez dos poloneses ou dos chineses, mas a humanidade no seu conjunto. E, de novo, parecem exigir não soluções temporárias, mas sim uma mudança radical do nosso modo de viver. A segunda parte do século passado, no campo econômico, foi dominada por dois pressupostos aparentemente indiscutíveis, que influenciaram profundamente os comportamentos individuais e coletivos dos seres humanos. O primeira foi que o Produto Interno Bruto de um país era a panaceia para todos os problemas sociais: aumentando o PIB, estes seriam automaticamente resolvidos; se, ao invés, o seu crescimento se bloqueasse ou – Deus me livre! – diminuísse, os equilíbrios sociais entrariam em crise. Em suma, o lema era: para enfrentar um problema coletivo, incrementar o PIB (e, portanto, também o consumo, porque o PIB ainda é medido sobre a quantidade de dinheiro que passa de mão em mão).

Qual era o segundo assunto?

Que a busca da felicidade andava de mãos dadas com o aumento do consumo: os lugares naturais de satisfação pessoal eram as lojas, em vez das relações sociais ou das atividades com as quais cada um podia ser útil aos seus semelhantes, cooperando com eles. Essas duas convicções produziram, de fato, uma grande quantidade de miséria material e espiritual, além de atacar gravemente os recursos naturais do planeta inteiro: de um lado, temos vivido acima dos nossos meios; de outro, descobrimos dolorosamente que a felicidade não pode ser comprada. Portanto, a todos nós hoje se pede que mudemos radicalmente a ordem das nossas vidas. Para expressar essa mesma ideia, o Papa Bergoglio provavelmente usaria um antigo termo da tradição cristã: conversão.

Santos entre taças de vinho

felipe-pondeLuiz Felipe Pondé, de 52 anos, é um raro exemplo de filósofo brasileiro que consegue conversar com o mundo para além dos muros da academia. Seja na sua coluna semanal na Folha de S.Paulo, seja em livros como o recém-lançado O Catolicismo Hoje (Benvirá), ele sabe se comunicar com o grande público sem baratear suas ideias. Mais rara ainda é sua disposição para criticar certezas e lugares-comuns bem estabelecidos entre seus pares. Pondé é um crítico da dominância burra que a esquerda assumiu sobre a cultura brasileira. Professor da Faap e da PUC, em São Paulo, Pondé, em seus ensaios, conseguiu definir ironicamente o espírito dos tempos descrevendo um cenário comum na classe média intelectualizada: o jantar inteligente, no qual os comensais, entre uma e outra taça de vinho chileno, se cumprimentam mutuamente por sua “consciência social”. Diz Pondé: “Sou filósofo casado com psicanalista. Somos convidados para muitos jantares assim. Há até jantares inteligentes para falar mal de jantares inteligentes”. Estudioso de teologia, Pondé considera o ateísmo filosoficamente raso, mas não é seguidor de nenhuma religião em particular. Eis um pensador capaz de surpreender quem valoriza o rigor na troca de ideias. [Entrevista publicada pela Veja, em 13.7.2011]

Em seus ensaios, o senhor delineou um cenário exemplar do mundo atual: o jantar inteligente. O que vem a ser isso?

É uma reunião na qual há uma adesão geral a pacotes de ideias e comportamentos. Pode ser visto como a versão contemporânea das festas luteranas na Dinamarca do século XIX, que o filósofo Soren Kierkegaard criticava por sua hipocrisia. Esse vício migrou de um cenário no qual o cristianismo era a base da hipocrisia para uma falsa espiritualidade de esquerda. Como a esquerda não tem a tensão do pecado, ela é pior do que o cristianismo. Continue lendo

Quando só sobra o corpo no mar da vida ~ J. B. Libanio

O ser humano não tem um corpo, é seu corpo. A troca do verbo ter pelo ser leva-nos a refletir.

Lá no longínquo passado, os romanos forjaram a expressão: “mens sana in corpore sano” (mente sadia num corpo sadio). Percebiam a unidade profunda entre ambos. E valorizavam o culto ao corpo nos exercícios físicos, na ginástica, nas guerras, nas lutas, no enfrentamento com as feras. As estátuas, que a arte dos romanos nos deixou, refletem beleza, vigor, robustez física.

A humanidade cultivou, ao longo dos séculos, ora mais, ora menos, a visibilidade e aparência corporal. O cristianismo, porém, lançou, por influência de certa filosofia grega que prezava, sobretudo, a alma e que chegou a ver o corpo como cárcere, suspeitas ascéticas sobre ele. Cobriu-o cada vez com mais roupas, de modo que a estética deslocou, em grande parte, para o todo da pessoa. Mesmo que alguém não tivesse o corpo bem formado, conseguia embelezá-lo com vestes luxuosas e assim despertar admiração. Continue lendo

Pregadores mirins travam guerra contra os pecadores do mundo

[Folha SP, 15 set 11] Que brincar que nada! O que Tipton, Matheus e Terry gostam mesmo é de pregar.

Os três meninos, que têm entre 4 e 12 anos, são os protagonistas de um documentário sobre mini-profetas.

Em “Bastidores: Pregadores Mirins”, é contado como cada um deles usa sua fé para converter os pecadores do mundo.

Tipton, que ainda não sabe ler nem escrever, já é considerado “o pregador mais jovem do mundo”, enquanto Terry é considerado o “pastor mais jovem do mundo”.

Algumas pessoas acham que esse último tem o dom de curar doentes.

Já Matheus, que mora no Rio de Janeiro, viaja pelo Brasil convertendo ladrões, narcotraficantes e criminosos em novos adeptos.

O documentário explora até que ponto essas crianças são resultado de pais de fanáticos e congregações que esperam ver milagres a qualquer custo.

Ouvindo Lady Gaga numa perspectiva teológica

[Pavablog, 31 mai 11 – Publicado originalmente por Tom Beaudoin no National Catholic Weekly e Nicole Pramik na Relevant. Traduzido e adaptado por Agência Pavanews.]

No meio de todas as coisas importantes acontecendo na igreja e no mundo, existe espaço para mais uma palavra sobre Lady Gaga? Se as teorias atuais sobre a cultura popular estão corretas, existem mais razões do que nunca. Afinal, a cultura da mídia popular – por bem ou por mal – contribui para muitas pessoas (inclusive os religiosos) criarem uma “leitura da vida” sonora, visual e tátil.

Algum tempo atrás, pesquisei quem estava pensando teologicamente sobre Lady Gaga. Fico feliz em compartilhar, com a permissão dos autores, algumas dessa respostas profundas. Para os leitores mais jovens, ou aqueles líderes que trabalham com essa geração, talvez estas reflexões aqueçam o debate.

* Opinião de Nicole Pramik, que escreve sobre cultura e espiritualidade

Não se pode negar que Lady Gaga é a “garota-propaganda” da singularidade. Ela não suporta o conformismo e seu apelo mostra isso. Ela acredita que cada pessoa é uma criação única, independentemente da origem social, herança racial ou mesmo deficiência física. Ela vê nossas diferenças como motivo de comemoração e incentiva a liberdade para vivermos ecoando nosso foco no indivíduo e não no grupo. Gaga delira em ser ela mesma e mostra ao resto do mundo como não devem ter medo de ser um pouco diferente. Infelizmente, ela tenta justificar suas opções de vida questionáveis ​​com este argumento. Gaga revela um lado mais sombrio da nossa cultura, impulsionado por uma visão de mundo que revela uma concorrência ambiciosa e uma vida sexual centrada no “faço o que me faz sentir bem” . Além disso, a letra de Born This Way reafirma uma mentalidade de pessoas espirituais, mas hiper-tolerantes… Continue lendo

A busca espiritual da geração Y

[Patricia Fachin, IHU Online, 16 mai 11] Os Ys têm mais liberdade para conhecer diferentes sistemas religiosos, por isso, a tendência desta geração, segundo Solange Rodrigues, é o trânsito em diversas alternativas religiosas num curto espaço de tempo.

A internet é a principal ferramenta utilizada pela geração Y e a “proximidade com a tecnologia é uma das marcas geracionais dos jovens de hoje”, aponta Solange Rodrigues, em entrevista à IHU On-Line, por e-mail. Segundo ela, através da rede, a juventude estabelece “identidades pessoais e sociais”, de tal modo que todos sentem necessidade de acessar sítios de relacionamentos como Orkut ou estar conectados ao MSN para serem reconhecidos como sujeitos.

No que tange à opção religiosa, os jovens se definem como “buscadores do sagrado” e, nesta perspectiva, o acesso à rede acaba sendo um meio para juventude exercitar a fé e o autoconhecimento. “No seu relacionamento com a dimensão do sagrado, na busca de sentido para a vida, as tecnologias de informação comunicação entram como mais um elemento acionado pelos jovens, que recorrem à internet para pesquisar e para se comunicar, para formar comunidades também em torno de identidades religiosas”, destaca, em entrevista concedida por e-mail. Solange é mestre em Sociologia, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atualmente é pesquisadora do Iser Assessoria. Confira a entrevista. Continue lendo

Espiritualidade pós-moderna ~ Frei Betto

[Adital, 25 abr 11] O que caracteriza os tempos pós-modernos em que vivemos, segundo Lyotard, é a falta de resposta para a questão do sentido da existência. Por enquanto, estamos na zona nebulosa da terceira margem do rio.

A modernidade agoniza, solapada por esse buraco aberto no centro do coração pela cultura da abundância. Nunca a felicidade foi tão insistentemente ofertada. Está ao alcance da mão, ali na prateleira, na loja da esquina, publicitada em todo tipo de mercadoria.

No entanto, a alma se dilacera, seja pela frustração de não dispor de meios para alcançá-la; seja por angariar os produtos do fascinante mundo do consumismo e descobrir que, ainda assim, o espírito não se sacia…

A publicidade repete incessantemente que todos temos a obrigação de ser feliz, de vencer, de nos destacarmos do comum dos mortais. Sobre esses recai o sentimento de culpa por seu fracasso. Resta-lhes, porém, uma esperança, apregoam os que deslocam a mensagem evangélica da Terra para o Céu: o caráter miraculoso da fé. Jesus é a solução de todos os problemas. Inútil procurá-la nos sindicatos, nos partidos, na mobilização da sociedade.

Vivemos num universo fragmentado por múltiplas vozes, frente a um horizonte desprovido de absolutos, com a nossa própria imagem mil vezes distorcida no jogo de espelhos. Engolida pelo vácuo pós-moderno, a religião tende a reduzir-se à esfera do privado; olvida sua função social; ampara-se no mágico; desencanta-se na autoajuda imediata.

Nesse mundo secularizado, a religião perde espaço público, devido à racionalidade tecnocientífica, ao pluralismo de cosmovisões, à racionalidade econômica. Sobretudo, deixa de ser a única provedora de sentido. Seu lugar é ocupado pelo oráculo poderoso da mídia; os dogmas inquestionáveis do mercado; o amplo leque de propostas esotéricas. Continue lendo

Teologia e espiritualidade na voragem da modernidade ~ Rui L Rodrigues

A preocupação que norteou a escrita dos ensaios reunidos em Realização do homem, realização de Deus foi, sobretudo, a busca por uma nova perspectiva na qual teologia e espiritualidade pudessem ser enfocadas adequadamente, sem o peso de tantos pressupostos que, ao longo do tempo, acabaram por colocar esses termos em campos quase opostos.

Teologia é necessariamente reflexão humana e tarefa inacabada. Trata-se de um trabalho que a razão humana desenvolve sobre os dados da Revelação consignados nas Escrituras e na experiência. Não faz sentido pensar a teologia senão dessa forma; a alternativa, sumamente perigosa, é tê-la como produto acabado, numa confusão de papéis que faz a teologia assumir o lugar da própria Revelação. A Teologia procura compreender as dinâmicas pelas quais esses diferentes testemunhos sobre a Verdade (entendida sempre como realidade pessoal e relacional) foram produzidos e consignados; procura refletir sobre esses testemunhos, agrupando suas percepções em torno de eixos interpretativos.

É, assim, esforço humano; e, portanto, esforço histórica e culturalmente condicionado. A Teologia é sempre relativa! Por força disso, só faz sentido num contexto de diálogo, onde as perspectivas de determinada teologia possam ser discutidas à luz de outras construções teológicas. Já não podemos mais acreditar em teologias “absolutas”, que absolutizam sua própria compreensão, seu viés específico de análise. Consequentemente, teologia é tarefa inacabada. Não pode haver um sistema teológico definitivo, pela simples razão de que os contextos históricos – que produzem as teologias, na medida em que esse esforço racional sempre é histórico e historicamente condicionado – mudam; transformam-se. Uma Teologia definitiva, absoluta portanto, só faria sentido na trans-história, não na história! Continue lendo

Ética e espiritualidade diante dos desafios contemporâneos

[Texto de Armando Hart Dávalos*, IHU, 24 jan 2011]

Pátria é humanidade, sentenciou o mais excelso dos cubanos, José Martí, com o qual proclamava a irrenunciável vocação universal da nossa pátria. Esse conceito faz parte da raiz e percorre a alma da história e das esperanças de Cuba.

Em Cuba, apreciamos os valores espirituais da cultura universal e nos esforçamos para estender pontes de amizade e de entendimento comum, apesar das distâncias geográficas, porque sabemos que o mais importante é a identidade de sentimentos e a comunhão de empenhos em favor da redenção humana.

Enumeremos os desafios que a civilização ocidental enfrenta hoje, um mundo ao qual não somos alheios, posto que, com a globalização da vida social e econômica dos últimos anos, os problemas também se globalizaram. Façamo-lo a partir de perspectiva cultural, pois estou convencido de que é nesse campo em que se debate e se decide o drama da contemporaneidade.

Aí está o desafio que a civilização e a cultura ocidental têm diante de si. Só podem salvar-se do caos e da morte exaltando suas mais formosas tradições humanistas e assumindo-as em todas as suas consequências, isto é, não para servir ao apetite insaciável de uma parte dos indivíduos, mas sim para defender os direitos e os interesses de todos. Isso pode ser compreendido e alcançado se estudarmos e analisarmos o profundo significado de uma expressão martiana: ser culto é a única forma de ser livre. Continue lendo

Tu sempre estás comigo ~ Thomas Merton

Senhor meu Deus,
não tenho idéia de aonde estou indo.
Não vejo o caminho diante de mim.
Não posso saber com certeza onde terminará.
Na verdade, nem sequer, em verdade, me conheço.
E o fato de eu pensar que estou seguindo tua vontade,
não significa que o esteja.
Mas acredito
que o desejo de te agradar te agrada, de fato.
E espero ter esse desejo em tudo que estiver fazendo.
Espero jamais vir a fazer alguma coisa
distante desse desejo.
E sei que, se agir assim,
tu hás de me levar pelo caminho certo,
embora eu possa nada saber sobre o mesmo.
Portanto, hei de confiar sempre em ti,
ainda que eu possa parecer estar perdido
e sob a sombra da morte.
Não hei de temer,
pois tu sempre estás comigo,
e nunca hás de deixar
que eu enfrente meus perigos sozinho.

Ateísmo Militante ~ Frei Betto

No decorrer da campanha presidencial afirmei, em artigo sobre Dilma Rousseff, que ela nada tem de “marxista ateia” e que “nossos torturadores, sim, praticavam o ateísmo militante ao profanar com violência os templos vivos de Deus: as vítimas levadas ao pau-de-arara, ao choque elétrico, ao afogamento e à morte”.

O texto provocou reações indignadas de leitores, a começar por Sr. Gerardo Xavier Santiago e Daniel Sottomaior, dirigentes da ATEA (Associação Nacional de Ateus e Agnósticos).

Desfruto da amizade de ateus e agnósticos e pessoas que professam as mais diversas crenças. Meus amigos ateus leram o texto e nenhum deles se sentiu desrespeitado ou comparado a torturadores.

O que entendo por “ateísmo militante”? É o que se arvora no direito de apregoar que Jesus é um embuste ou Maomé um farsante. Qualquer um tem o direito de descrer em Deus e manifestar essa forma negativa de fé. Não o de desrespeitar a crença de cristãos, muçulmanos, judeus, indígenas ou ateus. Continue lendo