Deserto ou jardim? ~ por José Roberto Prado

Deus prometeu a Josué: ‘toda terra que pisar os teus pés será tua’ (Js 1.3). Por esta promessa Israel recebia pela fé a posse da terra. Era um presente, mas havia inimigos a serem vencidos. Deus convida seus filhos à maturidade e esta, sempre, envolve batalhas ferozes. Havia gigantes em Canaã. Somos convocados a derrotar os gigantes da nossa própria terra. Que terra é essa?

Igreja é povo de Deus. Distingue-se pela posse de algo que só Deus pode conceder. É uma dádiva, mas deve também ser buscada. O preço por não lutar é ter que conviver com inimigos e, muitas vezes, ser derrotados por eles, pois resistem em sair. Esgueirado-se por entre as sombras, quando menos esperamos apropriam-se daquilo que é nosso: nossa vida, nossa liberdade, nossa alegria, nossa paz.

Na nova aliança, o coração – centro da vontade, pensamentos e emoções – é a ‘terra’ a ser conquistada. Não mais um pedaço de chão, fertilidade, estabilidade financeira ou saúde física. Deus presenteia-nos com um novo coração, uma nova identidade, a possibilidade de posse de nosso próprio ser, de desfrutarmos a paz de “estar NEle” e “Ele em nós”! Nosso coração torna-se, assim, ambiente de adoração, de habitação da glória do Deus Excelso. Somos feitos “santuário do Deus vivo” (1Co3.16).

Apenas dizer que somos DEle não nos dá a posse da terra. Como Josué, somos convocados a caminhar em direção aos nossos inimigos, reconhecer que existem áreas de nosso coração nas quais nos negamos transitar. Áreas secretas que permanecem selvagens e áridas por anos a fio. Lá nossos inimigos imperam, passeiam, banqueteiam-se às nossas custas, humilham-nos, acabam com nossa paz!

Estes inimigos precisam urgentemente ser confrontados e vencidos! A tradição cristã propõe três caminhos que nos ajudam a identificar, encontrar e vencer nossos inimigos: O primeiro deles é a Palavra. É por ela que eles são identificados e expostos. Na Palavra aprendemos que nossos inimigos têm vários e diferentes nomes: orgulho, ira, preguiça, gula, avareza, lascívia, inveja, etc.

Uma vida devocional corajosa, à luz da Palavra, é o primeiro passo para nossa transformação. O grande portal deste “novo antigo caminho” são os Salmos. Neles nos enxergamos, identificamo-nos, surpreendemo-nos. São tão humanos! São orações de fé, gritos de angústia, expressões de ira e júbilo daqueles que já percorreram o caminho e venceram seus gigantes. Ali estão Davi, Moisés, Asafe e muitos outros anônimos. Comece a jornada sem pressa, cada dia, todo dia, o dia todo meditando, iluminando as terras escuras de seu coração com a Palavra. É o primeiro passo. Cristo é a Palavra. Ele é o Caminho!

O segundo caminho é a oração. A conversa sincera e corajosa que busca na comunhão do Deus Amoroso e Santo a força e o discernimento necessários para confrontar nosso coração. Jeremias, que conhecia os truques do coração, chamou-o de “enganoso e corrupto”. Ao profeta, Deus revela-se como “o Senhor que sonda o coração” (Jr 19.9ss). A oração é o espaço do encontro, do confronto, da confissão, do perdão. Mas é também o ambiente da gratidão, do louvor e da adoração. “Em Cristo”, pelo poder da cruz, somos aceitos, acolhidos, amados, perdoados. Bendito seja! O Espírito enviado e Santo nos ajuda a orar, e mesmo quando não temos palavras, Ele intercede por nós (Rm 8.26). O Espírito Santo é o caminho!

O terceiro caminho é a comunidade. O evangelho do Reino nos convida a uma nova proposta de vida, de sociedade, de relacionamentos. No Reino encontramos gente que tem a posse de seu coração e que por isso mesmo pode compartilhá-lo com o próximo. Gente que ama o próximo como a si mesmo porque percebe em si mesmo os mesmos pecados e incongruências que vê nos seus semelhantes. Se não reconhecemos e tratamos de nosso pecado, não seremos capazes de amar. Se não conhecemos a graça restauradora do Deus que nos ama, não seremos capazes de amar, de perdoar. Jesus disse: “Aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama” (Lc7.47). A comunidade nos desafia a amar.

A convivência na comunidade do Reino é a única forma de sermos verdadeiramente transformados. Sem ela somos máscara, moldura, parede caiada, propriedades particulares com belas e altas cercas, mas que abrigam animais ferozes, mimados, obesos. A comunidade do Reino precisa ser – ao custo de não se concretizar – o espaço da exortação, da admoestação, da correção em amor. Nela, gente também em processo de cura se dispõe a ser amada e a amar, a nos salvar de nós mesmos. Na comunidade do Reino somos confrontados. É nela que nossa conversão é comprovada.

A comunidade do Reino é construída a partir de uma nova humanidade. Ser mais humano é ser mais parecido com Cristo. A comunidade do Reino nasce na cruz. Na medida em que aplicamos a cruz aos terrenos áridos de nosso coração, o Espírito Santo derrama o seu bálsamo sobre ele tornando-o terra fértil, jardim regado, com fontes permanentes, capazes de abrigar todo tipo de gente. Um coração transformado é uma comunidade em si mesmo. É como o coração do Abba. O Pai é o caminho.

Jesus disse que o Reino de Deus estaria dentro de nós (Lc17.21). Precisamos ser arados. Precisamos ser curados. Precisamos reconhecer nossas enfermidades, os inimigos que temos em nossa alma, que impedem o fluir de Deus. A pior enfermidade é não estar ciente ou não querer aceitar esta verdade.

Quero abrir-me a uma atuação mais profunda do Espírito Santo. Quero reaprender a Palavra, orar mais sinceramente. Quero a coragem de mudar, encarar meu pecado e aplicar a cruz ao meu coração. Sou uma mistura de barro e glória. Quero servir.

Venha teu reino! Venha tua comunidade! Venha tua igreja! Venha tua nova humanidade! Em mim…

Chega de deserto. Vou enfrentá-lo!

Quero um jardim. Vou cultivá-lo!

Nasce uma igreja…

Uma nova igreja!

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