Angola fecha mesquitas e é acusada de interditar islamismo

isla em angolaAngola foi acusada de interditar o islã, depois de fechar a maioria das mesquitas do país, em meio a relatos sobre violência e intimidação contra mulheres que usam o véu. A Comunidade Islâmica de Angola (ICA) alega que oito mesquitas foram destruídas nos últimos dois anos e que qualquer pessoa que pratique o islã corre o risco de ser considerada culpada de desobedecer ao código penal angolano.

[David Smith, GUARDIAN, Folha SP, 29 nov 2013. Tradução Clara Allain] Ativistas dos direitos humanos condenam a repressão ampla. “Pelo que ouvi, Angola é o primeiro país do mundo a ter decidido interditar o islã”, disse Elias Isaac, diretor nacional da Iniciativa Sociedade Aberta da África Meridional (Osisa). “Isto é loucura. O governo não tolera qualquer diferença.”

As autoridades de Angola, país de maioria católica situado no sul da África, insistem que os relatos publicados na mídia mundial sobre uma suposta interdição do islã são exagerados e que não estão sendo visados locais de culto religioso.

O Reino Unido acaba de nomear Angola um de seus cinco “parceiros de prosperidade de alto nível” na África, e os dois países mantêm um relacionamento comercial crescente.

O presidente angolano, José Eduardo dos Santos, está no poder há 34 anos, sendo o segundo entre os chefes de Estado africanos no poder há mais tempo. Ele é acusado há anos de corrupção e violações dos direitos humanos.

As organizações religiosas em Angola precisam pedir reconhecimento legal, e o país hoje autoriza 83 delas, todas as quais cristãs. No mês passado o Ministério da Justiça rejeitou os pedidos de 194 organizações, incluindo uma da comunidade islâmica.

Pela lei angolana, para conseguir reconhecimento legal um grupo religioso precisa ter mais de 100 mil membros e estar presente em pelo menos 12 das 18 províncias. O status legal lhe dá o direito de construir escolas e locais de culto. Existem apenas estimados 90 mil muçulmanos entre os 18 milhões de habitantes de Angola.

David Já, presidente da Comunidade Islâmica de Angola, disse na quinta-feira: “Podemos afirmar que o islã foi interditado em Angola. É preciso ter 100 mil fiéis para ser reconhecido como religião. De outro modo, não se pode orar oficialmente.”

De acordo com a ICA, existem 78 mesquitas no país, e todas foram fechadas exceto as da capital, Luanda, porque são oficialmente não licenciadas. “As mesquitas de Luanda estavam previstas para ser fechadas ontem, mas, diante do furor internacional provocado pelos relatos de que Angola teria interditado o islã, o governo decidiu não fechá-las”, disse Já.

“Assim, no momento as mesquitas de Luanda estão abertas, e as pessoas estão indo a elas para fazer suas orações.”

Já disse que o governo começou a fechar mesquitas em 2010, incluindo uma na província de Huambo que foi queimada, “um dia depois de as autoridades nos avisarem que não deveríamos ter construído a mesquita naquele local e que ela deveria ser erguida em outro lugar. O governo se justificou dizendo que era uma invasão da cultura angolana e uma ameaça aos valores cristãos.”

De acordo com Já, outra mesquita foi destruída este mês em Luanda e 120 exemplares do Alcorão foram queimados. Ele disse ainda que os muçulmanos receberam ordens de desmontar as mesquitas eles mesmos.

“Mandam uma ordem legal de destruirmos o prédio e nos dão prazo de 73 horas para fazê-lo. Se não o fazemos, o próprio governo faz.”

As mulheres que usam o véu islâmico tradicional também estariam sendo visadas. “Do jeito como andam as coisas, a maioria das muçulmanas tem medo de usar o véu. Uma mulher foi agredida num hospital em Luanda por estar de véu, e, em outra ocasião, uma jovem muçulmana foi espancada e a mandaram deixar o país porque estava usando véu.”

“Mais recentemente, meninas foram proibidas de usar o véu em escolas católicas. Quando fomos lá tirar satisfações com as freiras, elas simplesmente disseram que não podiam permitir o véu. Embora não haja uma lei explícita, escrita, que proíba o uso do véu em Angola, o governo proibiu a prática da fé e as mulheres têm medo de anunciar sua fé, nesse sentido.”

As queixas do ICA foram confirmadas por Rafael Marques de Morais, ativista político e jornalista investigativo destacado no país. “Eu já vi a ordem que diz que os próprios muçulmanos devem destruir as mesquitas e levar os escombros embora, senão serão cobrados pelo custo da demolição.”

Ele sugeriu que o governo estaria procurando um modo conveniente de desviar a atenção da crescente hostilidade pública em relação a trabalhadores chineses e portugueses em Angola.

“O governo precisa desviar a atenção. Quer encontrar um bode expiatório para as pressões econômicas, dizendo que o islã não tem relação com os valores e a cultura angolanos.”

“O governo acha que uma lei abrangente contra o islã vai lhe angariar a simpatia tanto dos angolanos quanto dos setores da comunidade internacional que equacionam o islã com terrorismo.”

Indagado sobre a possibilidade de protestos dos muçulmanos, Marques respondeu: “Se os muçulmanos tentarem manifestar alguma ira, serão deportados no dia seguinte”.

Mas o governo angolano nega que faça qualquer tentativa de interditar o islã. “Não existe guerra em Angola contra o islã ou qualquer outra religião”, disse Manuel Fernando, diretor de assuntos religiosos do Ministério da Cultura. “Não existe posição oficial que busque a destruição ou o fechamento de locais de culto, sejam eles quais forem.”

Uma declaração da embaixada angolana nos EUA diz o mesmo: “A República de Angola é um país que não interfere na religião. Temos muitas religiões lá. É liberdade de religião. Temos católicos, protestantes, batistas, muçulmanos e evangélicos.”

Cidades do interior gaúcho recebem onda de migração senegalesa

africa na mãoAtraídos pela oferta de trabalho em Caxias do Sul, polo econômico da serra gaúcha, senegaleses formaram uma onda de migração que desafia autoridades do Sul e gera preocupações humanitárias. Moradores da região conhecida pela produção de uva e pela forte influência italiana convivem com centenas de imigrantes africanos que tentam a vida no Brasil. O frio da região é um agravante. No inverno, os senegaleses chegaram sem roupas próprias e lotaram um albergue para moradores de rua. A mesma situação ocorreu com os senegaleses em Passo Fundo, no norte gaúcho.

[Felipe Bachtold, Folha SP, 14 dez 2013] Os imigrantes são quase todos homens, jovens, muçulmanos e sem autorização para permanecer no Brasil.

Em Caxias, um centro de apoio ligado à Igreja Católica se tornou ponto de peregrinação. No início do mês, cerca de 15 senegaleses disputavam a atenção da freira Maria Gonçalves, 38, principal ponte da comunidade africana com o restante da cidade.

A maioria deles só fala o dialeto wolof e procura ajuda para obter emprego e documentos. “A cidade foi pega de surpresa”, diz a freira. Ao menos 620 senegaleses estão cadastrados no local. Em Passo Fundo, há cerca de 400.

Sem visto, os imigrantes pedem à Polícia Federal concessão de refúgio. Enquanto o pedido tramita, podem obter carteira de trabalho brasileira e um emprego formal.

Com o movimento de imigrantes, o centro da igreja passou a receber empregadores de indústrias, frigoríficos e da construção civil em busca da mão de obra. Organizados e unidos, os senegaleses alugam e dividem casas e ajudam a bancar gastos de conterrâneos ainda sem trabalho.

A relativa boa adaptação ao interior do RS estimula parentes e amigos na África a tomar o mesmo rumo. Como a comunidade é numerosa, os novos imigrantes optam pelo Estado pela proteção garantida pelos “veteranos”.

Líder dos senegaleses em Caxias, Billy Ndiaye, 26, diz que o desemprego é a causa do êxodo. “Quase todo mundo saiu por causa de trabalho. Nossas famílias são grandes e não se sustentam”, diz.

Há dois meses no RS, Mbaye Thiam, 36, afirma que o Brasil ganhou “boa imagem” como país de rápido desenvolvimento e de eliminação da pobreza. “É o país da Copa e da Olimpíada”, disse.

O custo de vida, porém, assusta os imigrantes, que ganham cerca de R$ 1.000 mensais por aqui. Além dos gastos cotidianos, eles têm de recuperar as despesas com a viagem ao Brasil. A entrada no país é pelo Acre, em rota aberta por imigrantes do Haiti.

CONVIVÊNCIA

O fluxo de senegaleses para o Rio Grande do Sul começou há cerca de cinco anos.

João Tedesco, da Universidade de Passo Fundo, diz que um grupo de imigrantes que estava em SP foi para a cidade pela rapidez no atendimento da delegacia local da PF.

Também foi atraído pela possibilidade de trabalho em frigoríficos que exportam carne para o Oriente Médio e que precisam fazer rituais islâmicos no processo de corte.

Pelas ruas, os imigrantes despertam curiosidade. Senegaleses ouvidos pela Folha disseram não ter sentido discriminação e afirmam que a população é solidária.

Mas o gerente do Ministério do Trabalho em Caxias, Vanius Corte, aponta certa “tensão” na convivência. “Há quem se pergunte: ‘Como entram aqui sem documento’? ou ‘E se for um bandido?’.”

Em Caxias e Passo Fundo, a PF recebeu 340 pedidos de refúgio neste ano –status comumente concedido a quem foge de guerra ou ditadura, o que não ocorre no Senegal.

Em relatório, a Câmara da cidade expressa preocupação com o risco de os pedidos serem negados, gerando “problemas sociais graves”.

Para analista, não dá para esperar saída perfeita para a Síria

syria_jihadists_al_nusraEm três anos da brutal guerra civil na Síria, a única coisa com que as potências estrangeiras concordam é que não há solução puramente militar para a tragédia que já matou cerca de 120 mil pessoas, gerou três milhões de refugiados e deixou o país quebrado, se é que tenha conserto, pelos próximos 25 ou 50 anos.

[Phillip J. Crowley, BBC Brasil, 11 dez 2013] Sem ninguém no horizonte para impor uma solução para a Síria, qual seria a melhor opção diplomática possível? Como implementá-la? Em quanto tempo?

Conflito geracional

O jogo de guerra da Síria tem mais de 20 atores, de potências estrangeiras como os Estados Unidos, a Europa, a Rússia, a ONU e alguns vizinhos chaves, até grupos nacionais sírios. Entre esses, o próprio regime de Bashar al-Assad, o Exército Livre da Síria, o grupo xiita libanês Hezbollah, além de vários grupos de extremistas islâmicos e da sociedade civil síria.

O equilíbrio de forças funciona assim: grupos pró-regime prevalecem sobre os que querem uma Síria totalmente distinta. E não há solução à vista.

A revolta na Síria representa um conflito geracional. A guerra pode durar mais uma década, com partes da Síria estabilizando, cedo ou tarde, dependendo dos cálculos políticos e militares de vários grupos.

Embora os grupos que atuam no conflito sírio acreditem que o país sobreviva com o território intacto, enclaves para grupos étnicos como os alauitas, os curdos e a oposição sunita devem ser necessários.

Assad

Havia pouca confiança que a segunda rodada de negociações em Genebra, em janeiro, iria levar a uma resolução. A Síria parece estar menos madura para uma solução do que há um ano. Assad acredita estar ganhando, principalmente após o acordo para destruição de armas químicas, que evitou uma intervenção americana.

A diplomacia deveria se empenhar em encontrar um denominador comum entre os atores estrangeiros que atuam na crise síria – os Estados Unidos, a Turquia, a Rússia, a Arábia Saudita e o Irã. Cada um tem visões diferentes sobre um cenário ideal para a Síria. Ninguém quer a vizinhança desestabilizada ou grupos extremistas ganhando força e ditando as regras em parte do território sírio.

As perspectivas de uma maior cooperação foram fortalecidas pelo acordo nuclear temporário com o Irã. As atuais negociações entre o Irã e os poderes globais criaram um ambiente propício para discutir a Síria. Mais progresso no front nuclear poderia abrir portas na Síria também. O oposto também é verdadeiro.

Um grande obstáculo, no entanto, é o futuro de Assad.

Criatividade diplomática

Os Estados Unidos, a Arábia Saudita e a Turquia insistem em tirar Assad do poder como parte de qualquer solução. Por outro lado, a Rússia acredita que Assad pode manter a Síria intacta e derrotar os extremistas. O Irã vê Assad como um ativo regional importante e protetor das minorias xiita e alauíta da Síria, que poderiam ser perseguidas sob um eventual governo sunita.

É possível harmonizar tantas diferenças? Sim, mas isso requer ajustes na política síria, criatividade diplomática, vontade política e um maior compromisso da administração Obama para com a questão síria.

Primeiro, os Estados Unidos precisam ver a Síria sob a perspectiva da segurança internacional e do contraterrorismo. A governança representativa e inclusiva da Síria é objetivo de longo prazo, para a próxima década. O foco inicial deve ser conter o conflito, entregar ajuda humanitária e prevenir extremistas islâmicos de ganhar mais território.

Segundo, cooperar com Assad não é um começo. É preciso convencer seus aliados (alauitas e cristãos) e o Irã de que presidente sírio deve sair de cena, com garantias para o período de transição. É nesse ponto que pode ser necessário estabelecer enclaves étnicos na Síria, como um solução temporária. Se extremistas islâmicos tentarem tomar um assentamento, os Estados Unidos poderiam considerar uma operação área, munidos de uma resolução do Conselho de Segurança a fim de reduzir às ameaças à sociedade síria.

Oriente Médio e EUA

Finalmente, um grupo de contato político pode ser estabelecido para dar seguimento às negociações de paz de Genebra. Os países que desempenharão algum papel no futuro da Síria poderiam participar, incluindo o Irã. Essa proposta seria para assegurar que todas as fronteiras da Síria estaria seguras. Também iria interromper o apoio estrangeiro a extremistas. Estabeleceria ainda corredores humanitários para assegurar ajuda. Daria ainda apoio para o retorno de refugiados, assim como ajudaria o estabelecimento de governos locais.

O Oriente Médio tem responsabilidade primária na resolução da crise síria, mas nada de mais substantivo vai ocorrer sem o compromisso americano.

Assim, rivais históricos podem ajudar encontrar a “melhor saída possível” para a Síria. O primeiro passo é reconhecer que a situação na Síria pode ficar ainda mais horrenda do que é hoje. Não é possível esperar uma solução perfeita.

*Phillip J. Crowley foi secretário de Estado assistente no governo Obama e é atualmente professor do George Washington University Institute of Public Diplomacy and Global Communication.

Atlas retrata dois séculos de imigração em São Paulo

O Estado de São Paulo nunca deixou de receber contingentes de trabalhadores vindos de fora do país, mesmo nas décadas do século 20 em que tanto a população quanto a academia pareciam enxergar apenas a migração interna para o Estado, principalmente a originada no Nordeste, mostra o Atlas Temático do Observatório das Migrações em São Paulo, que está sendo lançado neste mês pelo Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, em parceria com a Fapesp. Essa imigração internacional voltou a ter visibilidade a partir dos anos 90 do século passado, reavivando tensões e preconceitos.

[Carlos Orsi, Jornal da Unicamp, 9 dez 13] “O capital internacional precisa desses imigrantes, sejam eles qualificados ou não, mas a população não está preparada para enfrentar esses novos fluxos migratórios, particularmente porque são migrantes voltados para o mercado de trabalho”, disse a coordenadora do Atlas, Rosana Baeninger, socióloga e pesquisadora do Nepo, ao Jornal da Unicamp.

Além do Atlas, que em mapas e gráficos cobre a entrada de estrangeiros – incluindo escravos – no território que hoje corresponde ao Estado de São Paulo de 1794 a 2010, também estão sendo lançados os oito volumes finais, de um total de 12, da coleção “Por Dentro do Estado de São Paulo”, também produzida pelo Nepo e pelo Observatório das Migrações. A coleção cobre, em detalhe, as dinâmicas sociais e econômicas dos processos migratórios. Alguns volumes da “Por Dentro do Estado de São Paulo” tratam de regiões específicas, como Campinas e Limeira, e outros debruçam-se sobre processos mais amplos, como as imigrações internacionais ocorridas após a Segunda Guerra Mundial e as migrações indígenas.

Na produção do Atlas, foram consideradas imigrantes as pessoas nascidas fora do Brasil que se encontram no Estado – assim, por exemplo, as segundas e terceiras gerações de imigrantes, nascidas no Brasil, não são captadas pelos censos demográficos, pois se utiliza o quesito referente ao país de nascimento.

Fluxo invisível

“Um ponto importante que um projeto dessa envergadura, com olhar para mais de 100 anos, ajuda a ver é que, embora a partir de 1927 tenha acabado o subsídio à imigração no Estado de São Paulo, nós continuamos recebendo os imigrantes internacionais”, disse a pesquisadora. “Ocorre que, como a migração interna passou a ser mais volumosa que a migração internacional, nós deixamos de estudar a migração internacional”.

A imigração internacional para São Paulo só volta a ser “visível” na virada do século 20 para o 21, com a chegada dos bolivianos, chineses, coreanos e, depois, haitianos, e o risco de uma xenofobia renovada em parte da população. “Os fluxos de imigrantes para São Paulo nunca pararam, mas eram menos visíveis, porque os estrangeiros estavam chegando junto de levas de migrantes internos que também sofreram com o preconceito: os baianos, os paraibanos”, explicou Rosana. “Esse foi também um objetivo do projeto, mostrar como a migração contribuiu para a formação social paulista. A metrópole de São Paulo, hoje, ela se reinventa, se reconstrói, com a presença imigrante”.

As organizadoras do Atlas – além de Rosana, participaram as pesquisadoras do Nepo Roberta Guimarães Peres e Natália Belmonte Demétrio – explicaram ainda que a imigração, nos séculos 20 e 21, nem sempre está relacionada a uma crise no país de origem.

“O imigrante estrangeiro que vem ao Brasil não está necessariamente fugindo de uma crise econômica. Isso muda muito depois dos anos 2000, particularmente, porque o Brasil vai entrar na rota do capital internacional. E as indústrias têm um forte componente nessa mobilidade internacional, os grandes centros financeiros, também”, disse Rosana. “Os bolivianos, por exemplo, começam a entrar no Brasil da década perdida, quando nós aqui estávamos em crise. As explicações para as migrações não estão nos destinos migratórios, ou na origem. Estão muito vinculadas à dinâmica da circulação do capital, à necessidade de mão de obra para essa circulação de capital”.

Brancos e qualificados 

O uso do imigrante europeu para “branquear” a raça brasileira pode não ser mais uma política governamental explícita, mas as organizadoras do Atlas relutam em afirmar que o problema racial vinculado à imigração ficou de vez no passado. “O próprio governo brasileiro hoje quer fazer políticas explícitas para atrair portugueses e espanhóis qualificados. Então, quem são os portugueses e espanhóis qualificados? Continuam sendo os brancos. Os europeus”, lembrou Rosana. “Na questão do haitiano, nós vamos precisar dar um visto humanitário. Então, assim, acho que essa questão ainda é muito presente, inclusive na visualização dos fluxos migratórios”.

Dados oficiais podem sugerir que o Brasil passa por um “boom” de atração de mão de obra estrangeira qualificada, mas Rosana lembra que o trabalhador pouco qualificado e sem documentação tem tido importante participação em diferentes nichos econômicos no país. Contudo, passam pelo Ministério do Trabalho e se regularizam empresários, engenheiros, executivos. “Essas grandes empresas se articulam à mobilidade do capital e da força de trabalho,  sendo que diferentes contingentes imigrantes passam a compor uma mão de obra não qualificada, de baixo custo neste novo cenário brasileiro”, disse a pesquisadora.

As questões étnica e social interferem na percepção do imigrante, e na xenofobia. “O boliviano que vem tem outra etnia, tem suas raízes indígenas. E nós ainda estamos muito presos na questão de que, para a nação, o imigrante é o europeu. Hoje nós temos muitos coreanos, chineses aqui, mas o japonês, quando chegou, enfrentou um preconceito muito grande, porque ele era uma outra raça”.

Diferentemente da imigração do século 19, para as lavouras, a imigração atual é urbana, mostra o Atlas. “É nas cidades que as pessoas vão se defrontando, hoje, com a migração muito mais visível: ela é latino-americana, é chinesa, é coreana– então o estranhamento é muito mais frequente hoje, porque somos de segunda, de terceira geração dos imigrantes do século 19. O mito da miscigenação ficou lá atrás”.

O combate ao preconceito, disse Rosana, requer políticas públicas para melhorar a qualidade de vida dos imigrantes pouco qualificados, que chegam como mão de obra barata. “Tem de haver políticas públicas pensadas para as imigrações internacionais, para que essas pessoas não fiquem em condições de vida tão precárias que façam com que a população pense que a migração está trazendo problemas, quando é o contrário: ela está trazendo um excedente populacional que vai gerar riqueza naquele lugar. Riqueza para o capital, claro”.

Ela acredita que é preciso reconhecer que o Brasil entrou de vez na rota das migrações internacionais. “Não podemos querer só o migrante qualificado, o português, o espanhol, o médico, o engenheiro que vem para cá e vai ter todas as condições de permanecer no Brasil. Temos de ter políticas migratórias que contemplem a diversidade de situações que o país está vivenciando, garantindo a governança das migrações internacionais e os direitos humanos”.

Guaranis

Um dos livros da coleção “Por Dentro do Estado de São Paulo” trata das migrações de índios guaranis no Estado de São Paulo. O volume, intitulado “Povos Indígenas; mobilidade espacial”, organizado por Rosana Baeninger e pela ex-presidente da Funai Marta Maria do Amaral Azevedo, descreve como, desde meados do século 19, índios guarani vêm migrando da Argentina e do Paraguai para o litoral paulista, em busca de uma “Terra Sem Males”.

Além disso, o trabalho constata um aumento da população guarani no Brasil, saltando de 20 mil no período 1981-1985 e chegando a 51 mil em 2007-2008, de acordo com estimativas. “Para eles, toda essa área, Paraguai, centro-sul do Brasil, é um território só”, explicou Rosana. “O que mostra para nós, na questão dos povos indígenas, que não podemos delimitar os processos migratórios no território com o nosso olhar. Tem que ser com o olhar dos sujeitos, dos sujeitos migrantes. Eles nem se consideram migrantes”.

A primeira fase do Observatório das Migrações em São Paulo, que se fecha com a publicação dos oito volumes finais da coleção e do Atlas, envolveu 16 estudos temáticos, que além dos 16 pesquisadores responsáveis contaram com a participação de 36 estudantes de graduação e pós. Além da Unicamp, estiveram envolvidas também Unesp, UFSCar, Unifesp e Faculdade Anhembi-Morumbi. O Observatório agora deve entrar numa segunda fase, mais voltada para as migrações contemporâneas no Estado. A primeira fase deu origem a 192 trabalhos apresentados em congressos nacionais, 102 em congressos internacionais, a 15 defesas de mestrado e a nove doutorados, envolvendo um total de 87 autores, e se estendeu de 2009 a 2013.

País tem 9,6 mi de jovens de 15 a 29 anos que não estudam nem trabalham

geração nem-nem BrasilA chamada ‘geração nem-nem’ é formada principalmente por mulheres, muitas com filhos, segundo estudo do IBGE

Uma população de 9,6 milhões de jovens de 15 a 29 anos que não estuda nem trabalha, formada principalmente por mulheres, muitas delas com filhos, é motivo de preocupação quando se estudam as condições de vida dos brasileiros, mostra estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado nesta sexta-feira, 29. A Síntese de Indicadores Sociais 2013, com dados de 2012, mostra que um em cada cinco brasileiros (19,6%) nesta faixa etária não trabalhava nem frequentava escola. Na faixa de 18 a 24 anos, o índice é ainda mais preocupante, de quase um quarto (23,4%). “Não significa que são encostados ou que são um bando, mas é um fator preocupante, porque não é possível que pessoas desta idade não estudem nem trabalhem”, diz a técnica do IBGE Ana Saboia.

[Luciana Nunes Leal, Estadão, 29 nov 2013] Segundo Ana, os dados não permitem apontar as razões para número tão significativo da chamada “geração nem-nem” (nem estuda nem trabalha), mas, com relação às mulheres, a necessidade de cuidar dos filhos é um fator que contribui para não terem atividades produtivas. A proporção de jovens que não vão à escola e não têm emprego se mantém estável, com pequena redução: nos últimos dez anos: em 2002, eram 20,2% da população nesta faixa etária.

Os indicadores mostram que 70,3% dos jovens que não trabalham e não estudam são mulheres. Dessas jovens que não têm atividade produtiva, 58,4% tinham pelo menos um filho. A maior parte dos jovens “nem-nem” (38,6%) tem ensino médio completo, ou seja, deveria ter seguido para um curso superior ou ingressado no mercado de trabalho.

No outro extremo, um porcentual também alto, de 32,4%, sequer completou o ensino fundamental. O Nordeste é a região com maior proporção de jovens que não estudam nem trabalham, em todas as faixas etárias estudadas. Na faixa de 18 a 24 anos, Alagoas tem nada menos que 35,2% da população que não estuda nem trabalha. Na região metropolitana do Recife, o índice também é preocupante: 31,8% dos jovens de 18 a 24 anos não têm atividade produtiva.

Igreja faz exorcismos para livrar México de ‘diabo do narcotráfico’

santa_muerteSe nas ruas o México trava uma batalha diária contra a violência, no plano espiritual, o inimigo a ser combatido é outro: segundo padres católicos, o país está sob ataque do ‘Satanás’.

O Diabo, afirmam os religiosos, seria o responsável pela recente onda de violência que assola o país, impulsionada pelo tráfico de drogas.

[Vladimir Hernandez, BBC Brasil, 27 nov 2013] O assunto é encarado de forma tão séria pela Igreja Católica que o número de padres especializados em exorcismo – prática que expulsaria espíritos malignos – também vem crescendo no México.

Segundo os últimos dados disponíveis, pelo menos 70 mil pessoas morreram vítimas da violência no país, incluindo criminosos, membros das forças de segurança e civis inocentes.

Mas, para os padres, não se trata apenas de números. A selvageria dessas ações também vem chamando atenção.

Nos últimos anos, vêm se tornando cada vez mais frequentes, em várias partes do México, casos de crianças que acham corpos desmembrados nas ruas quando vão à escola. Ou motoristas que, enquanto dirigem, passam por pontes com corpos pendurados.

“Nós acreditamos que, por atrás de todos esses episódios, há um agente das trevas cujo nome é Satanás. Nosso Deus quer que tenhamos aqui um ministério do exorcismo e liberação, para lutar contra essa força obscura”, diz o padre exorcista Carlos Triana, da Cidade do México.

“Assim como acreditamos que Satanás estava por trás de Adolf Hitler, possuindo e dirigindo ele, também acreditamos que ele (Satanás) está por trás dos cartéis das drogas.”

Os padres exorcistas do México dizem que, nos últimos tempos, cresceu a procura por seus serviços.

A demanda é tão alta que alguns deles já estão recusando atendimentos, uma vez que precisam exorcizar demônios praticamente todos os dias.

“Isso não acontecia antes”, diz o padre exorcista Francisco Bautista, outro exorcista na Cidade do México.

A maioria dos casos, explica ele, requer uma forma mais branda de exorcismo, chamada “orações de liberação”, eficaz quando a pessoa ainda controla parte de sua mente ou do seu corpo.

Nos casos mais raros, quando o Demônio possui alguém completamente, diz ele, o bispo da diocese tem de intervir.

‘Santa Muerte’

Na avaliação de Bautista, a crescente demanda pelo exorcismo é parcialmente explicada pela grande quantidade de mexicanos participando do culto da Santa Muerte.

Estima-se que o culto, cujos frequentadores veneram um esqueleto vestido de noiva carregando uma foice, tenha cerca de 8 milhões de seguidores – incluindo aí imigrantes mexicanos na América Central, nos Estados Unidos e no Canadá.

“Esse culto foi adotado por traficantes de drogas que pediram ajuda à Santa Muerte para evitar ir à prisão e ganhar dinheiro”, diz Bautista. “Em troca, eles oferecem sacrifícios humanos. E por isso a violência vem aumentando”, explica.

Outra razão para o crescimento dos exorcismos, argumenta Bautista, é a descriminalização dos abortos na Cidade do México, em 2007. Tanto o culto quanto o aborto deixaram o México vulnerável aos espíritos malignos, insiste ele.

“As duas coisas estão relacionadas. Há uma infestação de demônios no México porque nós abrimos as portas para esse tipo de crença”, explica.

Se causa surpresa o número de mexicanos que acredita na Santa Muerte, também provoca espanto quantos deles, como os padres Triana e Bautista, creem que o Diabo e os demônios estão “operando” no país.

O exorcismo é uma prática antiga e aparece em diferentes religiões, mas muitos fieis duvidam da existência de demônios.

A linha de frente dos exorcistas no México é a região norte do país, onde, nos últimos sete anos, os militares vêm combatendo os cartéis de drogas.

Tal como os soldados, os sacerdotes têm travado ali um conflito espiritual. Um desses padres é Ernesto Caro, que vive em Monterrey, uma cidade marcada por tiroteios e sequestros freqüentes.

Ele exorcizou vários membros dos cartéis de drogas – e de um caso em particular ele não se esquece. Era um assassino de uma gangue, que confessou crimes terríveis. Caro disse que o homem cortava as vítimas em pedaços e gostava de ouvi-las chorar enquanto decepava seus membros. Além disso, também queimava pessoas vivas.

Segundo o padre, o homem havia dedicado sua vida ao serviço da Santa Muerte.

“O culto é o primeiro passo para o satanismo e, em seguida, para este grupo de pessoas [os traficantes]. É por isso que ele foi escolhido para esse trabalho.”

“A Santa Muerte está sendo usada por todos os nossos traficantes de drogas e aqueles vinculados a esses assassinatos brutais. Descobrimos que a maioria deles, se não todos, são devotos da Santa Muerte”, acrescenta.

O culto também é frequentado por criminosos, policiais, políticos e artistas.

“A maioria dos fiéis vem dos setores mais pobres da sociedade mexicana”, diz o jornalista José Gil Olmos, que já publicou dois livros sobre o assunto.

Culto

As primeiras referências à Santa Muerte surgiram no século 18, explica Olmos, e não em tempos astecas, como muitos acreditam.

“Na era moderna, o número de seguidores explodiu, especialmente após o início dos anos 1990, quando o México mergulhou em uma grande crise econômica.”

Naquele período, muitos mexicanos de classe média encontraram-se na miséria. Desesperados, procuraram conforto na Santa Muerte, acrescenta Olmos.

“Mas há oito anos, a Santa Muerte ganhou acolhida entre membros do cartel de drogas. Por quê? Porque essas pessoas dizem que Jesus ou a Virgem Maria não podem lhes dar o que eles pedem, ou seja, proteção contra os soldados e policiais, seus inimigos.”

A reportagem da BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, visitou o maior culto da Santa Muerte, uma cerimônia anual que acontece no bairro de Tepito, na Cidade do México, um local fortemente marcado por crime e tráfico de drogas.

Ali se localiza um dos maiores santuários da Santa Muerte no México. O altar é mantido arrumado por Enriqueta Romero, de 60 anos, cuja vida mudou drasticamente há 12 anos, quando chocou seus vizinhos colocando uma figura da Santa Muerte em sua janela.

Ao longo dos anos, mais e mais pessoas começaram a se aproximar para pedir ajuda ou agradecer à divindade. E agora, milhares se reúnem ali para a cerimônia mais importante da veneração, que ocorre anualmente no dia 31 de outubro, véspera do Dia de Finados, no México.

“A Santa Muerte nos ama e nos cura. As pessoas vêm aqui para pedir-lhe ajuda, desde a um filho na prisão ou com Aids, ou algo para comer”, diz Romero.

Durante a visita da reportagem, algumas pessoas chegavam ao santuário ajoelhadas. Uma delas era um homem que carregava um bebê de 20 dias em seus braços. Ele diz ter vindo para apresentar sua filha recém-nascida à imagem da Santa Muerte.

Mas todas essas pessoas estão possuídas, como a Igreja diz?

“Não, eu também acredito em Deus, na Virgem Maria, e em todos os santos, mas sou mais devoto da Santa Muerte. Ela é a única que me ajuda mais”, diz José Roberto Jaimes, um homem de 20 anos que veio de joelhos para agradecer à divindade depois de passar três anos na prisão.

Afastamento

Romero diz acreditar que a própria igreja seja responsável pela ascensão do culto, dado o número de escândalos de pedofilia que vieram à tona nos últimos anos.

“Acabaram com a nossa fé quando soubemos o que os padres vinham fazendo. Qual direito eles têm de nos criticar? Que acreditamos na Santa Muerte? Isso não é ruim. O ruim é o que eles fizeram”, diz Romero.

Questionado sobre o que acha de criminosos também seguirem a seita, Romero afirmou que “estamos em um país livre e todos podem fazer o que quiser. Todos teremos de responder a Deus em algum momento”, diz ele.

Foi o ex-presidente do país, Felipe Calderón, que lançou a ofensiva contra os cartéis de drogas no México em 2006, com o envio de tropas militares às regiões mais atingidas pela criminalidade.

Ao longo dos anos, os militares descobriram numerosos santuários, templos e até mesmo igrejas da Santa Morte, além de inúmeras evidências de sacrifício humano.

“Ele (Calderón) começou uma guerra contra esses bandidos. Também começou uma guerra contra o culto à Santa Muerte e pediu à Igreja para ajudá-lo”, diz o padre Caro.

“Mas a Igreja não está dizendo que o México ficará melhor e a salvo se nós fizermos exorcismo porque o Diabo está por trás de tudo isso”, completa o padre Triana.

“Nós temos de ser discretos (com essas práticas), do contrário nós podemos ser ridicularizados, até mesmo por nossos seguidores”, conclui Triana.

Com reforço de fronteiras na Europa, imigrantes optam por ‘rotas da morte’

mediterranean_migration_routesCom o reforço da segurança nas fronteiras em toda a Europa e nos Estados Unidos, imigrantes ilegais são cada vez mais obrigados a optar por rotas perigosas para chegar aos seus destinos, aumentando o número de vítimas fatais nessas jornadas.

[Daniela Fernandes, BBC Brasil, 25 nov 2013] Segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), já chega a 900 o número de mortos só na travessia do mar Mediterrâneo, rota usada por imigrantes ilegais africanos que tentam chegar às ilhas de Lampedusa, Sicília e Malta, no sul da Europa.

O número é quase o dobro do registrado em 2012 e o triplo de dez anos atrás.

“O número de mortes vem crescendo porque as fronteiras europeias são cada vez mais vigiadas”, disse à BBC Brasil Jumbe Omari Jumbe, porta-voz da OIM.

“Há cada vez menos opções para entrar na Europa. Isso leva as pessoas a utilizar alternativas cada vez mais desesperadas e perigosas”.

Outra rota amplamente utilizada por imigrantes clandestinos é a da fronteira entre México e Estados Unidos, onde morreram 463 pessoas no ano passado, o maior número desde 2005. Neste ano, apenas em um ponto da fronteira, na região do rio Grande, 70 pessoas perderam a vida.

A travessia via Golfo de Áden, entre a África e o Iêmen e a Arábia Saudita, também é apontada pela OIM como uma rota migratória bastante perigosa. Não há números oficiais, mas as estimativas apontam para entre 100 e 200 mortes anuais nesta rota.

Sírios

O número de imigrantes africanos que tentam entrar na Europa tem se mantido estável de 2007 a 2012, em torno de 20 mil a 30 mil por ano – exceto 2011, quando o conflito da Líbia elevou o número para 63 mil.

A maioria desses imigrantes vem da África subsaariana, de países como Eritreia, Somália, Etiópia, mas também do Sudão, Mali e Gana, além de refugiados de países árabes em conflito.

Neste ano de 2013, o número dos que tentaram a travessia já tinha chegado a 30 mil no início de novembro, graças, em parte, ao número de sírios fugindo do conflito em seu país e que se juntaram aos imigrantes africanos. Estima-se em 8 mil o número de imigrantes sírios que tentaram a travessia do Mediterrâneo neste ano.

Os perigos dessas jornadas vieram à tona mais uma vez com duas tragédias em outubro. Na primeira, um barco com 500 imigrantes africanos naufragou próximo à Lampedusa, causando 360 mortes.

Na segunda, poucos dias depois, outra embarcação também a caminho de Lampedusa, com cerca de 230 passageiros, afundou ao sul de Malta, provocando 87 mortes.

Os dados causam preocupação, pois, apesar de o número de imigrantes em trânsito ser relativamente estável, o total de mortes está aumentando.

“O número de mortes vem crescendo porque as fronteiras europeias são cada vez mais vigiadas”, disse Jumbe Omari Jumbe, porta-voz da OIM. “Há cada vez menos opções para entrar na Europa. Isso leva as pessoas a utilizar alternativas cada vez mais desesperadas e perigosas”.

“As fronteiras terrestres foram reforçadas e o Mediterrâneo se tornou praticamente a única alternativa para entrar na Europa”, diz Jumbe, porta-voz da OIM. “No passado, havia várias outras opções, incluindo a Grécia, a Bulgaria e também por avião”.

O exemplo mais recente do reforço das fronteiras terrestres na Europa para impedir a entrada de imigrantes é a decisão da Bulgária de iniciar a construção de um muro de 30 quilômetros (e 3 metros de altura) em sua fronteira com a Turquia.

Esse será o terceiro muro na Europa a obstruir o acesso de imigrantes, após o dos enclaves espanhóis de Celta e Melila, no Marrocos, em 1998, e o construído pela Grécia, de 12,5 quilômetros, também na fronteira com a Turquia, finalizado no ano passado.

O porta-voz da OIM afirma ainda que o número de mortes de imigrantes que atravessam o Mediterrâneo para entrar na Europa vem crescendo desde a criação da Agência Europeia para a Gestão da Cooperação Operacional às Fronteiras Externas (Frontex), que acabou reforçando o controle nas fronteiras europeias.

Segundo dados do OIM, no ano da criação do Frontex, em 2004, foram registradas 296 mortes na rota do Mediterrâneo entre a África e as ilhas de Lampedusa, Sicília e Malta.

Em 2008, esse número havia saltado para 682, mas caiu para 431 em 2009, mesmo assim isso representa um aumento de 45% em relação a 2004.

Números globais

A OIM calcula que 20 mil pessoas morreram desde 1988 na travessia do Mediterrâneo entre a África e o sul da Europa em geral, o que representa uma média de 800 pessoas por ano.

A OIM ressalta que as estatísticas de mortes na rota entre a África e Lampedusa, Sícilia ou Malta, via mar Mediterrâneo, são consideradas, desde 2005, as mais realistas na comparação com rotas migratórias de outras regiões do mundo, onde os dados podem ser subestimados.

Por esse motivo, não há números globais de mortes em rotas migratórias.

A Austrália, que recebeu nos últimos anos milhares de refugiados do Afeganistão e Iraque, também possui números considerados mais precisos: 1.484 imigrantes morreram afogados tentando entrar no país nos últimos 13 anos (incluindo os corpos não encontrados), o que dá uma média de 114 pessoas por ano.

O total de mortes na rota México-Estados Unidos vêm crescendo pela mesma razão observada na Europa: reforço cada vez maior da segurança nas fronteiras, o que leva as pessoas a utilizarem caminhos cada vez mais “isolados, traiçoeiros e perigosos”, diz a ONG de direitos humanos Wola.

Para especialistas e ONGS, o controle maior das fronteiras dos países ricos também têm feito com que imigrantes caiam nas mãos de redes de tráfico humano.

Mortes de imigrantes na rota do Mediterrâneo entre a Africa e Lampedusa, Sicilia e Malta

2004 – 296 mortes
2008 – 682 mortes
2009 – 431 mortes
2012 – 500 mortes
2013 – 900 mortes

Fonte: OIM

Las farmacéuticas bloquean las medicinas que curan, porque no son rentables…

richard robertsLa Vanguardia entrevista a Richard J. Roberts, 18 de junio de 2011

El ganador del Premio Nobel de Medicina Richard J. Roberts denuncia la forma en la que operan las grandes farmacéuticas dentro del sistema capitalista, anteponiendo los beneficios económicos a la salud y deteniendo el avance científico en la cura de enfermedades porque curar no es tan rentable como la cronicidad.

Hace unos días se publicó una nota sobre datos revelados que muestran que las grandes compañías farmacéuticas en Estados Unidos gastan cientos de millones de dólares al año pagando a doctores para que éstos promuevan sus medicamentos. Para complementar reproducimos esta entrevista con el Premio Nobel de Medicina Richard J. Roberts quien señala que los fármacos que curan no son rentables y por eso no son desarrollados por las farmacéuticas que en cambio sí desarrollan medicamentos cronificadores que sean consumidos de forma serializada. Esto, señala Roberts, también hace que algunos fármacos que podrían curar del todo una enfermedad no sean investigados. Y se pregunta hasta qué punto es válido y ético que la industria de la salud se rija por los mismos valores y principios que el mercado capitalista, los cuales llegan a parecerse mucho a los de la mafia.

La entrevista originalmente fue publicada por el diario español La Vanguardia:

¿La investigación se puede planificar?

– Si yo fuera ministro de Sanidad o el responsable de Ciencia y Tecnología, buscaría a gente entusiasta con proyectos interesantes; les daría el dinero justo para que no pudieran hacer nada más que investigar y les dejaría trabajar diez años para sorprendernos.

– Parece una buena política.

– Se suele creer que, para llegar muy lejos, tienes que apoyar la investigación básica; pero si quieres resultados más inmediatos y rentables, debes apostar por la aplicada…

– ¿Y no es así?

– A menudo, los descubrimientos más rentables se han hecho a partir de preguntas muy básicas. Así nació la gigantesca y billonaria industria biotech estadounidense para la que trabajo.

– ¿Cómo nació?

– La biotecnología surgió cuando gente apasionada se empezó a preguntar si podría clonar genes y empezó a estudiarlos y a intentar purificarlos.

– Toda una aventura.

– Sí, pero nadie esperaba hacerse rico con esas preguntas. Era difícil obtener fondos para investigar las respuestas hasta que Nixon lanzó la guerra contra el cáncer en 1971.

– ¿Fue científicamente productiva?

– Permitió, con una enorme cantidad de fondos públicos, mucha investigación, como la mía, que no servía directamente contra el cáncer, pero fue útil para entender los mecanismos que permiten la vida.

– ¿Qué descubrió usted?

– Phillip Allen Sharp y yo fuimos premiados por el descubrimiento de los intrones en el ADN eucariótico y el mecanismo de gen splicing (empalme de genes).

– ¿Para qué sirvió?

– Ese descubrimiento permitió entender cómo funciona el ADN y, sin embargo, sólo tiene una relación indirecta con el cáncer.

– ¿Qué modelo de investigación le parece más eficaz, el estadounidense o el europeo?

– Es obvio que el estadounidense, en el que toma parte activa el capital privado, es mucho más eficiente. Tómese por ejemplo el espectacular avance de la industria informática, donde es el dinero privado el que financia la investigación básica y aplicada, pero respecto a la industria de la salud… Tengo mis reservas.

– Le escucho.

– La investigación en la salud humana no puede depender tan sólo de su rentabilidad económica. Lo que es bueno para los dividendos de las empresas no siempre es bueno para las personas.

– Explíquese.

– La industria farmacéutica quiere servir a los mercados de capital…

– Como cualquier otra industria.

– Es que no es cualquier otra industria: estamos hablando de nuestra salud y nuestras vidas y las de nuestros hijos y millones de seres humanos.

– Pero si son rentables, investigarán mejor.

– Si sólo piensas en los beneficios, dejas de preocuparte por servir a los seres humanos.

– Por ejemplo…

– He comprobado como en algunos casos los investigadores dependientes de fondos privados hubieran descubierto medicinas muy eficaces que hubieran acabado por completo con una enfermedad …

– ¿Y por qué dejan de investigar?

– Porque las farmacéuticas a menudo no están tan interesadas en curarle a usted como en sacarle dinero, así que esa investigación, de repente, es desviada hacia el descubrimiento de medicinas que no curan del todo, sino que hacen crónica la enfermedad y le hacen experimentar una mejoría que desaparece cuando deja de tomar el medicamento.

– Es una grave acusación.

– Pues es habitual que las farmacéuticas estén interesadas en líneas de investigación no para curar sino sólo para convertir en crónicas dolencias con medicamentos cronificadores mucho más rentables que los que curan del todo y de una vez para siempre. Y no tiene más que seguir el análisis financiero de la industria farmacológica y comprobará lo que le digo.

– Hay dividendos que matan.

– Por eso le decía que la salud no puede ser un mercado más ni puede entenderse tan sólo como un medio para ganar dinero. Y por eso creo que el modelo europeo mixto de capital público y privado es menos fácil que propicie ese tipo de abusos.

– ¿Un ejemplo de esos abusos?

– Se han dejado de investigar antibióticos porque son demasiado efectivos y curaban del todo. Como no se han desarrollado nuevos antibióticos, los microorganismos infecciosos se han vuelto resistentes y hoy la tuberculosis, que en mi niñez había sido derrotada, está resurgiendo y ha matado este año pasado a un millón de personas .

– ¿No me habla usted del Tercer Mundo?

– Ése es otro triste capítulo: apenas se investigan las enfermedades tercermundistas, porque los medicamentos que las combatirían no serían rentables. Pero yo le estoy hablando de nuestro Primer Mundo: la medicina que cura del todo no es rentable y por eso no investigan en ella.

– ¿Los políticos no intervienen?

– No se haga ilusiones: en nuestro sistema, los políticos son meros empleados de los grandes capitales, que invierten lo necesario para que salgan elegidos sus chicos, y si no salen, compran a los que son elegidos.

– De todo habrá

– Al capital sólo le interesa multiplicarse. Casi todos los políticos –y sé de lo que hablo- dependen descaradamente de esas multinacionales farmacéuticas que financian sus campañas. Lo demás son palabras…

Republicado no site Outra Política em 23 jun 2011

É preciso entender as redes e as ruas. ~ Laymert

anonymousConfira trechos da entrevista com Laymert Garcia dos Santos, professor de Sociologia da Unicamp. Para ele, o conflito de classes, em escala global, começa a acontecer no meio digital.

[Glauco Faria e Igor Carvalho, Revista Fórum, 20 out 2013]

“O caso Snowden é o último elo de uma cadeia que vem vindo de várias outras que já entenderam o enorme potencial das redes, de politizar as questões simplesmente pela circulação dos fluxos de informação. Por quê? Porque se o Estado e o mercado podem saber tudo sobre a população, explorando isso do ponto de vista do controle, por outro lado os movimentos também podem.” A ponderação é de Laymert Garcia dos Santos, doutor em Ciências da Informação pela Universidade de Paris VII e professor titular do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, e remete à importância de se debater o funcionamento das redes e sua relação com as ruas, algo que veio à tona com as manifestações de junho no Brasil.

Para Laymert, o advento do Wikileaks fez com que se prestasse mais atenção sobre quais informações as elites gostariam que não fossem reveladas. “O conflito de classes, em escala global, começa a acontecer nas redes, porque existe uma política de controle e hierarquização da informação nas redes, e, do outro lado, há gente trabalhando para a desobstrução dos canais”, afirma. “E isso é democracia, porque se você começa a fazer todo o fluxo de informação passar, as pessoas ficam sabendo o que os de cima não querem que elas saibam.” Confira abaixo trechos da entrevista, que está na edição 127 de Fórum.

Dentro dessa sua ideia de entender o digital como o futuro e remetendo um pouco às manifestações. Nós tínhamos esse setor do Gil, com o Juca Ferreira, no governo Lula, que tinha esse entendimento muito claro do papel da tecnologia aliada à cultura. Mas as manifestações também não mostraram para certos setores que estão analógicos demais? Ou seja, nossos partidos de esquerda, muitos sindicatos e movimentos sociais não tratam desse tema ainda.

Laymert – Concordo plenamente com a análise que você faz, tem uma questão que para mim é complicada, a incapacidade que governos do PT tiveram em lidar com a questão da mídia. De certo modo, ela permaneceu intocada, até quando houve momentos em que alguma coisa de mais forte poderia ter sido feito, quando a Globo fez uma aposta errada no mercado financeiro e entrou em uma situação de crise. Ali havia um flanco aberto, mas o governo Lula foi lá e bancou, sem colocar condições.

Isso continua até hoje. Em parte, isso se deve ao fato de a esquerda brasileira nunca ter feito a crítica de fundo da mídia. E nem da tecnologia. A posição de esquerda de partidos, sindicatos etc. é de que os meios são neutros e tudo depende de quem se apropria dessa técnica e, portanto, quando chegar o momento de a esquerda estar no poder, se faz uma inversão de signos. Isso é o máximo que a esquerda pensou sobre essa questão, e há muitos anos venho pensando e batalhando por um outro entendimento, porque não é possível você considerar a tecnologia como algo meramente instrumental, quando ela modifica completamente todos os tipos de relação. A tecnologia, sobretudo depois da virada cibernética, mudou a vida, o trabalho e a linguagem. Ou seja, mudaram as relações. Nessas condições, se você não fizer uma crítica de fundo, vai acabar fazendo aquilo que critica em seu adversário, vai fazer isso achando que colocou um conteúdo de esquerda, mas as práticas serão as mesmas. Assim, vai ser tão manipulatório e antidemocrático quanto antes e, de certo modo, desconhecendo o próprio potencial que a tecnologia traz.

Por exemplo, voltando um pouco, há uma questão que me espantou, que mostra como se pode ao mesmo tempo estar no jogo não sabendo que se está no jogo. Nas grandes manifestações, em junho, todo mundo se volta para o Estado para ver qual será a reação deste Estado. A Dilma vai para a televisão e faz uma proposta de uma Assembleia Constituinte específica para a reforma política. Ela deu uma resposta política que era absolutamente crucial, porque respondeu a uma demanda de poder dos movimentos nas ruas, com algo que ampliava a participação em poder, já não seria o Congresso o ator principal dessa operação. E foi interessantíssimo, bastante elucidativo, porque, ao fazer essa proposta, os conservadores e a classe política inteira se mobilizaram para boicotá-la, primeiro para transformá-la em um plebiscito para que nada acontecesse. Esses setores estão no seu papel, quem não está em seu papel são os manifestantes, que pediam mais poder e, quando você tem a autoridade máxima do Estado acenando e dizendo: “Vamos nessa?”, o outro lado não responde. Não houve manifestações para isso e nem um entendimento sobre o que significava esse gesto. Ouvi gente dizendo: “Ah, mas era um cálculo político”. Não importa. As ruas emitiram um sinal, e a Dilma emitiu um outro sinal em resposta num sentido de ampliação da democracia como nunca havia acontecido. Os setores da direita imediatamente souberam ler o que estava em jogo, e os manifestantes não souberam. Por quê? Despolitização? Não souberam avaliar? O que aconteceu? Isso me fez pensar que as reivindicações do movimento são restritas, de certa maneira têm um certo fôlego, que não é muito grande, e sendo atendidas algumas reivindicações, você consegue esvaziar. De qualquer maneira, se perdeu uma oportunidade naquele momento, havia uma abertura para uma potência, que não se concretizou.

Para mim, essa perda de oportunidade diz muito sobre a leitura de campos de forças e do entendimento sobre o que é este jogo de forças. Em relação às novas tecnologias, para o PT, para os sindicatos e movimentos sociais, ainda não caiu a ficha da sua importância e que isso pode ser trabalhado de uma outra lógica, colocando em xeque políticas de controle global. O caso Snowden é o último elo de uma cadeia que vem vindo de várias outras que já entenderam o enorme potencial das redes, de politizar as questões simplesmente pela circulação dos fluxos de informação. Por quê? Porque se o Estado e o mercado podem saber tudo sobre a população, explorando isso do ponto de vista do controle, por outro lado os movimentos também podem, e isso o Wikileaks começou a fazer, a prestar atenção sobre quais informações os super-ricos querem suprimir. O conflito de classes, em escala global, começa a acontecer nas redes, porque existe uma política de controle e hierarquização da informação nas redes, e, do outro lado, há gente trabalhando para a desobstrução dos canais. E isso é democracia, porque se você começa a fazer todo o fluxo de informação passar, as pessoas ficam sabendo o que os de cima não querem que elas saibam. É o que está acontecendo com o Snowden de novo. Isso a própria tecnologia permite como a lógica de funcionamento em rede auxilia na distribuição da informação. O que as pessoas não entendem de jeito nenhum é que a informação é a diferença que faz a diferença, e também é o valor do capitalismo contemporâneo.

Quando a informação se tornou valor, e isso começou na década de 1970, a questão se colocou: “Como ganhar dinheiro com a informação?”. Porque a informação não tinha preço. Foi reelaborada e inventada uma coisa que se chama direito de propriedade intelectual, que não é só uma extensão do direito autoral e do direito de invenção da propriedade industrial, é muito mais do que isso. É o que alguns especialistas chamam de “a última enclosure”, o último cercado que começou na Inglaterra com o começo do capitalismo, quando se cercou a terra. Agora vamos criar um que vai cercar essa unidade mínima que é a diferença que faz a diferença, para garantir a exploração desse valor como unidade mínima, e, ao mesmo tempo, com um alcance global. A lógica das redes, de seu funcionamento e aperfeiçoamento, é colaborativa, e, sendo colaborativa, ela escapa, é da sua própria lógica que as informações circulem. Se não circulam é porque começam a colocar gargalos para cercar e fazer a captura dentro do sistema que permite que isso vire uma propriedade. A esquerda ainda não entendeu o alcance que isso tem como luta política. Se pegarmos, por exemplo, esse sistema anglo-americano de espionagem, porque são americanos, mas os ingleses estão acoplados, como eles chamam as primeiras operações por meio desses sistemas? Vão dar os nomes das primeiras batalhas imperialistas, tanto dos EUA quanto da Inglaterra. Por quê? Porque começou, em outro plano, um outro tipo de imperialismo, e se você não estiver preparado para lutar neste outro plano, como vai perceber o que está em jogo? Existe uma guerra, hoje, no mundo digital, mas  é real também porque a dimensão virtual da realidade é tão real quanto a física. Mas a ficha ainda não caiu que esse conflito está lá, e é claro que isso precisa ser entendido, se tornar uma questão política de ponta. Ainda não vi as pessoas se mobilizando para defender o marco regulatório da internet; inclusive, se a gente fizer isso, ou vier a fazer num futuro próximo, vamos ser modelo para outros países que estão com o mesmo problema. Mas precisamos fazer.

Não se faz democracia sem informação, e a maneira de fazer democracia atualmente é expondo, para os ricos, aquilo que eles fazem para o resto da população. Se eles podem fazer tudo e levantar tudo sobre a população, e estão o tempo inteiro se protegendo e protegendo essa informação, sobretudo para destruir aquilo que não deve ser conhecido, os caras que aparecem, de certa maneira, e levantam esse movimento, mostram como essa lógica de captura funciona, estão trabalhando para uma desobstrução de canais, algo absolutamente fundamental. Só pela desobstrução de canais e por uma luta entendendo o que é a propriedade intelectual e o que é fechar a informação para uma apropriação é que você vai poder lutar no futuro, porque não se pode mais voltar para trás. Quando se observa a geração de agora, de 20 anos, eles não conseguem nem lembrar, aliás, nem conseguem saber o que é o mundo sem internet. Nós também não. Algum de nós consegue viver sem internet? Claro que não.

Esse campo, esse fluxo das redes, já se constituiu num campo de batalha para as grandes potências, para o grande capital também, mas muita gente, inclusive da esquerda, ainda não captou isso. A gente pode dizer hoje que as redes e as novas tecnologias são essa nova expressão da luta de classes, só que ninguém enxergou ainda?

Laymert – Não é que há um determinismo tecnológico, não é essa a questão, se essas máquinas existem é porque as forças produtivas se desenvolveram a ponto de criar essas máquinas. Mas elas colocam a luta política em outro patamar, e esse outro patamar não pode mais deixar de ser levado em conta porque a luta vai se passar lá. Não só lá, mas não é possível entender as ruas hoje, no Brasil e em outros países, sem entender o binômio redes e ruas, com suas especificidades. O modo como o movimento se dá nas redes não é exatamente o mesmo que se dá nas ruas, a relação rede-rua é que tem de ser pensada junto, na sua articulação, e isso é política. Chamo isso de tecnopolítica porque não é mais possível pensar a política sem a tecnologia junto. Estamos vendo agora na política internacional, em que se discute aquilo que se passa nas redes.

Mas ela ainda é excludente…

Laymert – Claro que é excludente, e se você quiser expandir a democracia política no país, tem de ter banda larga pra todo mundo e com preço acessível, mas tem de ser uma política de Estado. Já devia haver uma diretriz nesse sentido, porque o acesso às comunicações no Brasil é muito caro, não só a banda larga como a telefonia celular é extremamente cara para uma qualidade ruim, a relação qualidade-preço é absurda, e isso revela que existe muito caminho para ser trilhado aqui. É preciso garantir o acesso para a população, mas também trabalhar a educação digital dessas pessoas, e acho que foi isso que o Gil sacou, que podia fazer uma relação entre riqueza cultural e um povo sem acesso. O mais importante é abrir canais novos, e o potencial que a pessoa tem na periferia encontra uma maneira de realizar aquilo, não se torna só um consumidor de uma cultura que vem de cima para baixo. É uma diferença enorme. E até a dependência em relação à mídia velha vai sendo cada vez menor.

Em relação à educação, existe também a questão do trabalho imaterial, que começa a ganhar importância; não sei se é possível isolar, mas como isso modifica a luta dos trabalhadores, dos sindicatos e como entra a questão educacional nesse sentido?

Laymert – A virada cibernética começou nos anos 1950 nos laboratórios, e nos anos 1970, as máquinas inteligentes começaram a entrar, com os computadores pessoais, em todos os setores, na vida social, na produção, em tudo. Houve uma alteração que é crescente, e cada vez mais profunda, da vida e do trabalho das pessoas, afetou o modo como se trabalhava, instaurando o que muitos chamam, inclusive, de crise da sociedade de trabalho. Porque as máquinas começaram a substituir não só a força física, como era no século XIX, com as máquinas a vapor substituindo quem fazia a força motora, mas passou a fazer todo tipo de trabalho que não é o de invenção, que a máquina não é capaz de criar ela própria. Fora esse trabalho, a substituição do trabalhador pela máquina é cada vez maior, tanto que vemos, desde que isso começou, um paradoxo enorme no qual todos os governos do mundo dizem que precisam aumentar o nível de emprego, e fomentam políticas que substituem os humanos pelas máquinas. Você diz o tempo todo que vai lutar pelo aumento do emprego e, ao mesmo tempo, implanta uma política que elimina o trabalhador e põe uma máquina no lugar dele.

Claro que não é culpa das máquinas, e sim das relações sociais, pois se elas ocupam o lugar dos humanos, eles poderiam ser liberados e preparados para fazer o trabalho que elas não podem fazer. Mas esse desenvolvimento é usado contra o trabalhador, fazendo com que antes ele fizesse uma greve por melhores condições de trabalho e depois da era cibernética, que ele pedisse pelo amor de Deus pra trabalhar. Essa mudança é o que os especialistas chamam de crise da sociedade do trabalho. Hoje a precarização é tal que você luta para manter o seu trabalho. Ao mesmo tempo, essa nova situação cria condições para que outro tipo de trabalho possa acontecer, de caráter colaborativo, escapando dessa lógica.

É necessário que os sindicatos, os trabalhadores discutam isso, quais são as positividades que podem ajudar para não transformar isso em um ludismo, uma briga contra a máquina. Por outro lado, tem de haver uma educação que já integre essa frente de transformação digital porque o mundo se transformou em algo no qual a dimensão digital é incontornável, e é preciso que a população seja educada pra isso. Qual o problema principal depois que você consegue o acesso? É que é necessário ter uma educação para que, dentro daquele fluxo gigantesco de informações, você possa ter parâmetros para discriminar a informação que vai ser boa para você. Não é só o acesso físico, se não tiver critério para se politizar dentro disso, por exemplo, você vai usar a máquina como uma televisão. Usa 1% dela, e no que ela tem de pior.

A íntegra da entrevista na edição 127 de Fórum. Nas lojas da Livraria Cultura.

Especuladores devem ser julgados pela fome! ~ por Jean Ziegler

O sociólogo suíço Jean Ziegler, ex-relator especial para o Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU), denunciou que a fome é um dos principais problemas da humanidade, em um debate nesta segunda-feira (13/5) em São Paulo.

[Publicado no MST, por José Coutinho Júnior, em 13 mai 2013] “O direito à alimentação é o direito fundamental mais brutalmente violado. A fome é o que mais mata no planeta. A cada ano, 70 milhões de pessoas morrem. Destas, 18 milhões morrem de fome. A cada 5 segundos, uma criança no mundo morre de fome”, disse Ziegler.

Na década de 1950, 60 milhões de pessoas passavam fome. Atualmente, mais de um bilhão. “O planeta nas condições atuais poderia alimentar 12 bilhões de pessoas, de acordo com estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Não há escassez de alimentos. O problema da fome é o acesso à alimentação. Portanto, quando uma criança morre de fome ela é assassinada”.

Ziegler afirma que é a primeira vez que a humanidade tem condições efetivas de atender às necessidades básicas de todos. Depois do fim da Guerra Fria, mais especificamente em 1991, a produção capitalista aumentou muito, chegando a dobrar em 2002. Ao mesmo tempo, essa produção seguiu um processo de monopolização das riquezas. Hoje, 52,8% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial está nas mãos de empresas multinacionais.

A concentração da riqueza nas mãos de algumas empresas faz com que os capitalistas  tenham uma grande força política. “O poder político dessas empresas foge ao controle social. 85% dos alimentos de base negociados no mundo são controlados por 10 empresas. Elas decidem cada dia quem vai morrer de fome e quem vai comer”, diz Ziegler.

O sociólogo relatou que essas empresas seguem blindadas pela tese neoliberal de que o mercado não deve ser regulado pelo Estado.

“Na Guatemala, 63% da terra está concentrada em 1,6% dos produtores. A primeira reivindicação que fiz, após a missão, foi a realização da Reforma Agrária no país. Fui rechaçado, pois uma intervenção no mercado não é possível. Não havia sequer um cadastro de terras lá: quando os latifundiários querem aumentar suas terras, mandam pistoleiros atacar a população maia que vive ao redor”.

Especulação

A especulação financeira dos alimentos nas bolsas de valores é um dos principais fatores para o crescimento dos preços da cesta básica nos últimos dois anos, dificultando o acesso aos alimentos e causando a fome. De acordo com o Banco Mundial, 1,2 bilhão de pessoas encontram-se em extrema pobreza hoje, vivendo com menos de um dólar por dia.

“Quando o preço do alimento explode, essas pessoas não podem comprar. Apesar da especulação ser algo legal, permitido pela lei, isso é um crime. Os especuladores deveriam ser julgados num tribunal internacional por crime contra a humanidade”, denuncia Ziegler.

A política de agrocombustíveis, que, além de utilizar terras que poderiam produzir comida, transforma alimentos em combustível, é mais um agravante. “É inadmissível usar terras para fazer combustível em vez de alimentos em um mundo onde a cada cinco segundo uma pessoa morre de fome”.

Política da fome

Ziegler afirma que não se pode naturalizar a fome, que é uma produção humana, criada pela sociedade desigual no capitalismo. Prova disso são as diversas políticas agrícolas praticadas tanto por empresas e subsidiadas por instituições nacionais e internacionais.

O dumping agrícola consiste em subsidiar alimentos importados em detrimento dos alimentos produzidos internamente. De acordo com Ziegler, os mercados africanos podem comprar alimentos vindos da Europa a 1/3 do preço dos produtos africanos. Os camponeses africanos, dessa forma, não conseguem produzir para se sustentar.

Ziegler denunciou o “roubo de terras”, que é o aluguel ou compra de terras em um país por fundos privados e bancos internacionais, que ocorreu com mais de 202 mil hectares de áreas férteis na África, com crédito do Banco Mundial e de instituições financeiras da África.

Os camponeses, por conta desse processo, são expulsos das terras para favelas. Esse processo tem se intensificado uma vez que os preços dos alimentos aumentam com a especulação imobiliária.

O Banco Mundial justifica o roubo de terras com o argumento de que a produtividade do camponês africano é baixa até mesmo em um ano normal, com poucos problemas (o que raramente acontece).

Um hectare gera no máximo 600 kg por ano, enquanto que na Inglaterra ou Canadá, um hectare gera uma tonelada. Para o Banco Mundial, é mais razoável dar essa terra a uma multinacional capaz de investir capital e tecnologia e tirar o camponês de lá.

“Essa não é a solução. É preciso dar os meios de produção ao camponês africano. A irrigação é pouca, não há adubo animal ou mineral nem crédito agrícola, e a dívida externa dos países impedem que eles invistam na agricultura”, defende Ziegler.

Soluções

Segundo Ziegler, a única forma de mudar as políticas que perpetuam a fome é por meio da mobilização e pressão popular.

“Temos que pressionar deputados e políticos para mudar a lei, impedindo que a especulação de alimentos continue. Devemos exigir dos ministros de finanças na assembleia do Fundo Monetário Internacional que votem pelo fim das dívidas externas. Temos que nos mobilizar para impedir o uso de agrocombustíveis e acabar com o dumping agrícola”.

Ziegler afirma que a luta contra a fome é urgente, pois quem se encontra nessas condições não pode esperar. “Essa mobilização coletiva pode pressionar democraticamente e massivamente, por medidas que acabem com a fome. A consciência solidária deve movimentar a sociedade civil. A única coisa que nos separa das vítimas da fome é que elas tiveram o azar de nascer onde se passa fome”.

O ex-relator especial para o Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU) veio ao Brasil lançar o livro “Destruição em Massa – Geopolítica da Fome” (Editora Cortez) e participar da 6ª edição do Seminário Anual de Serviço Social, que aconteceu no Teatro da Universidade Católica (TUCA).

A espantosa distribuição da riqueza mundial [gráfico]

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O planeta possui 7 bilhões de pessoas. Dados espantosos sobre a distribuição da riqueza:

1 – Qualquer pessoa que possua bens em valor total superior a R$ 8.600,00 (uma moto usada) possui mais riqueza do que 3 bilhões e 500 milhões de pessoas no mundo inteiro. Está na metade superior da posse de riquezas.

2- Quem possui bens em valor superior a 162 mil reais (uma casa simples em São Gonçalo, RJ) possui mais riqueza do que 6 bilhões e 300 milhões de pessoas. Pertence aos dez porcento mais ricos do mundo.

3- Quem tem bens em valor superior a um milhão e seiscentos mil reais (uma boa casa em Camboinhas, Niterói, RJ), possui mais riqueza do que 6 bilhões e 930 milhões de pessoas. Faz parte da fatia correspondente a um porcento da população mundial, mais rica do que os 99% restantes.

Conclusão: num planeta extremamente injusto, até as classe média e média alta são consideradas ricas. Apenas trinta e dois milhões de pessoas podem ser consideradas, de fato, ricas, sendo que 161 delas controlam cerca de 140 corporações que, por sua vez, dominam praticamente todo o sistema econômico e político do mundo. Esse é o sistema que defendemos com unhas e dentes?

[Publicado originalmente aqui, por Marcio Valley, em 21 out 2013]

Os domingos precisam de feriados ~ Nilton Bonder

© Holger DörnhoffToda sexta-feira à noite começa o Shabat para a tradição judaica. Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino no sétimo dia da Criação. Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo.

A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue.

Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta.

Hoje, o tempo de “pausa” é preenchido por diversão e alienação. Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações para não nos ocuparmos. A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições.

Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. Fim de dia com gosto de vazio. Um divertido que não é nem bom nem ruim. Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo…

Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A internet e a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim.

Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde com o presente.

As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado…

Nossos namorados querem “ficar”, trocando o “ser” pelo “estar”.

Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI – um dia seremos nossos?

Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante.

Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos…

Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção. O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair literalmente, ficar desatento. É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida.

A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é: o que vamos fazer hoje? Já marcada pela ansiedade. E sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando não sabemos o que fazer numa tarde de domingo.

Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo, fere-se mortalmente. É este o grande “radical livre” que envelhece nossa alegria – o sonho de fazer do tempo uma mercadoria.

Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio será viver as pausas. Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar.

Afinal, por que o Criador descansou?

Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído.