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Cidades do interior gaúcho recebem onda de migração senegalesa

africa na mãoAtraídos pela oferta de trabalho em Caxias do Sul, polo econômico da serra gaúcha, senegaleses formaram uma onda de migração que desafia autoridades do Sul e gera preocupações humanitárias. Moradores da região conhecida pela produção de uva e pela forte influência italiana convivem com centenas de imigrantes africanos que tentam a vida no Brasil. O frio da região é um agravante. No inverno, os senegaleses chegaram sem roupas próprias e lotaram um albergue para moradores de rua. A mesma situação ocorreu com os senegaleses em Passo Fundo, no norte gaúcho.

[Felipe Bachtold, Folha SP, 14 dez 2013] Os imigrantes são quase todos homens, jovens, muçulmanos e sem autorização para permanecer no Brasil.

Em Caxias, um centro de apoio ligado à Igreja Católica se tornou ponto de peregrinação. No início do mês, cerca de 15 senegaleses disputavam a atenção da freira Maria Gonçalves, 38, principal ponte da comunidade africana com o restante da cidade.

A maioria deles só fala o dialeto wolof e procura ajuda para obter emprego e documentos. “A cidade foi pega de surpresa”, diz a freira. Ao menos 620 senegaleses estão cadastrados no local. Em Passo Fundo, há cerca de 400.

Sem visto, os imigrantes pedem à Polícia Federal concessão de refúgio. Enquanto o pedido tramita, podem obter carteira de trabalho brasileira e um emprego formal.

Com o movimento de imigrantes, o centro da igreja passou a receber empregadores de indústrias, frigoríficos e da construção civil em busca da mão de obra. Organizados e unidos, os senegaleses alugam e dividem casas e ajudam a bancar gastos de conterrâneos ainda sem trabalho.

A relativa boa adaptação ao interior do RS estimula parentes e amigos na África a tomar o mesmo rumo. Como a comunidade é numerosa, os novos imigrantes optam pelo Estado pela proteção garantida pelos “veteranos”.

Líder dos senegaleses em Caxias, Billy Ndiaye, 26, diz que o desemprego é a causa do êxodo. “Quase todo mundo saiu por causa de trabalho. Nossas famílias são grandes e não se sustentam”, diz.

Há dois meses no RS, Mbaye Thiam, 36, afirma que o Brasil ganhou “boa imagem” como país de rápido desenvolvimento e de eliminação da pobreza. “É o país da Copa e da Olimpíada”, disse.

O custo de vida, porém, assusta os imigrantes, que ganham cerca de R$ 1.000 mensais por aqui. Além dos gastos cotidianos, eles têm de recuperar as despesas com a viagem ao Brasil. A entrada no país é pelo Acre, em rota aberta por imigrantes do Haiti.

CONVIVÊNCIA

O fluxo de senegaleses para o Rio Grande do Sul começou há cerca de cinco anos.

João Tedesco, da Universidade de Passo Fundo, diz que um grupo de imigrantes que estava em SP foi para a cidade pela rapidez no atendimento da delegacia local da PF.

Também foi atraído pela possibilidade de trabalho em frigoríficos que exportam carne para o Oriente Médio e que precisam fazer rituais islâmicos no processo de corte.

Pelas ruas, os imigrantes despertam curiosidade. Senegaleses ouvidos pela Folha disseram não ter sentido discriminação e afirmam que a população é solidária.

Mas o gerente do Ministério do Trabalho em Caxias, Vanius Corte, aponta certa “tensão” na convivência. “Há quem se pergunte: ‘Como entram aqui sem documento’? ou ‘E se for um bandido?’.”

Em Caxias e Passo Fundo, a PF recebeu 340 pedidos de refúgio neste ano –status comumente concedido a quem foge de guerra ou ditadura, o que não ocorre no Senegal.

Em relatório, a Câmara da cidade expressa preocupação com o risco de os pedidos serem negados, gerando “problemas sociais graves”.