Em meio à violência, refugiados africanos tentam nova vida no Brasil

african refugeeCongoleses, senegaleses e guineenses fogem de guerras e conflitos nos seus países. Até encontrarem o apoio de organizações filantrópicas, passam fome, frio e ficam expostos a abusos nas ruas de São Paulo.

Maria (*) fecha os olhos e canta para lembrar de seu país. Ela está na recepção de uma instituição católica em São Paulo, aguardando cobertor e cesta básica, mas sente-se ao lado do marido e dos filhos em Bukavu, sua cidade-natal.

[Karina Gomes, DW, 10 jan 2013] A guerra a fez fugir da República Democrática do Congo para o Brasil. Sozinha e sem notícias da família, ela aguarda ser reconhecida como refugiada no país, assim como outros 5 mil solicitantes de 70 nacionalidades.

Ela não sabe onde está o marido nem os dois filhos, um de 2 e outro de 8 anos. “Eu fui para o trabalho e o meu marido ficou em nossa casa, no Congo. Começou a guerra e eu fugi por uma estrada. Meu marido e meus filhos fugiram em outra direção. Eu não sei se estão vivos. Não tenho qualquer informação.”

Amigos de Maria a ajudaram a tirar o visto brasileiro e pagaram a passagem de avião. Ao chegar ao país, no início de 2013, a congolesa perambulou pelas ruas de São Paulo durante oito dias. “Fazia muito frio e eu não tinha mais nada. Eu pedia aqui e ali para me arranjarem qualquer coisa para comer”, relembra.

Um africano que a viu tremendo de frio na rua lhe ofereceu ajuda e a levou até o Centro de Acolhida para Refugiados, na Praça da Sé, no centro da capital paulista. O local é gerenciado pela Cáritas Arquidiocesana de São Paulo. O escritório parceiro do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) encaminha os pedidos de refúgio ao Comitê Nacional de Refugiados, providencia documentação na Polícia Federal do Brasil e direciona os estrangeiros a abrigos.

“A maioria dos africanos vêm sem norte, por isso nós damos um primeiro apoio. São poucos os abrigos disponibilizados por organizações não governamentais. Temos a possibilidade apenas de encaminhá-los para a rede pública de albergues, que não é adequada para estrangeiros. Eles ficam numa condição muito vulnerável”, afirma Maria do Céu, que há seis anos atende estrangeiros na Cáritas.

Falsa rede de proteção

Madeleine, de Kinshasa, a capital da República Democrática do Congo, também aguarda ser reconhecida como refugiada no Brasil. O pai da jovem de 18 anos era secretário de um deputado da oposição. Em 2012, quando o presidente da República Democrática do Congo, Joseph Kabila, recebeu informações de que o parlamentar conspirava contra o governo, todas as pessoas ligadas a ele foram perseguidas.

“Eu estava na escola. Meu pai, minha mãe e meus irmãos tiveram de fugir. Uma amiga da minha mãe me buscou e me levou para a casa dela. Ela me acolheu por dois meses e, depois, para minha segurança, mandou-me para o Brasil”, conta.

Ao chegar ao aeroporto de Guarulhos, ainda sem saber português, Madeleine pediu ajuda a um nigeriano, que a levou para a casa onde ele morava. Após seis dias trancada no local, a jovem foi estuprada. “Lá na casa dele aconteceu uma coisa ruim, e ele me expulsou da casa. Fiquei andando na rua e daí encontrei outro africano. Foi ele que me levou até a Cáritas.”

Segundo Carmen Victor, do Instituto do Desenvolvimento da Diáspora Africana no Brasil, a falta de amparo institucional faz com que as africanas caiam numa falsa rede de proteção. “São mulheres cuja vida é atrelada à figura masculina do pai, do irmão ou do marido. No Brasil, elas terminam sendo usadas por imigrantes africanos para vários fins. Muitas são obrigadas a transportar drogas e a prestar favores sexuais. Encontra-se de tudo, desde o apoio verdadeiro ao total abandono”, relata.

“Não há como voltar”

Francisca também foi vítima de perseguição política em Kinshasa, no Congo. O pai trabalhava para um coronel que se opôs à reeleição do presidente Kabila. Os dois tiveram que fugir. Ela parou de estudar e foi morar na casa de um amigo do pai.

A mãe e os dois irmãos permaneceram na casa da família. Policiais foram lá e perguntaram pelo pai de Francisca. Os pequenos começaram a chorar. “Eles sequestraram minha mãe e meus dois irmãos. Foram embora com eles e queimaram a casa. Não sobrou nada”, relata.

Meses depois, o amigo do pai de Francisca enviou a jovem ao Brasil por temer represálias. Ela chegou ao país em janeiro de 2013. Sem falar português, passou dois dias dormindo no aeroporto de Guarulhos. Lá encontrou um grupo de moças que falava francês. Todas eram prostitutas.

“Quando eu cheguei à casa delas, falaram que eu poderia ficar, mas deveria trabalhar para me manter. Uma noite, elas me levaram até o ponto onde trabalhavam. Eu não queria fazer aquilo. Naquela noite, eu falei que não estava me sentindo bem, e elas entenderam”, conta.

No dia seguinte, ao não aceitar novamente, Francisca foi ameaçada. “Aquelas que falavam francês disseram: ‘Tem que chamar uns cinco homens para violar essa menina’. Eu me assustei. E, quando elas estavam distraídas, eu saí da casa e fugi.”

Francisca andou sem rumo pelas ruas de São Paulo. Ainda naquele dia, escutou um rapaz falando lingala, o idioma de Kinshasa. Ela pediu ajuda e foi levada até a Cáritas.

Hoje a congolesa vive num abrigo para menores de idade. Ela faz um curso de português e conseguiu emprego numa empresa de telemarketing. “Não tem como voltar porque há muito tempo as coisas não mudam. Quando eu nasci, já era assim. Eu cresci, e é a mesma coisa. Tenho estresse, dor no coração porque não sei onde está minha família, não sei o que aconteceu com eles.”

A jovem também relembra casos de violência em seu país. “Quando o governo manda, o rebelde – não sei como posso chamar aquelas pessoas – quando eles encontram um menino e uma menina da minha idade, o pai e a mãe em uma casa, eles mandam o rapaz se deitar com a mãe e o pai, com a garota. Obrigam! Se você não faz, eles te matam”, conta Francisca.

Ela se recorda de um vizinho que foi obrigado a fazer sexo com a própria mãe, uma senhora de idade. “Com aquela vergonha, ele não conseguiu mais viver em paz e se matou.”

Apesar dos traumas, Francisca pretende estudar para poder ajudar os congoleses. Ela quer ser médica, mas sem a documentação necessária não consegue se matricular na universidade. “Já faz tempo que estou pedindo os documentos para o governo aqui no Brasil, mas não consigo. Quando eu era criança, eu falava que, quando eu tivesse 25 anos, seria uma grande médica. Essa incerteza me incomoda muito”, diz.

À procura de uma nova vida

Na Zona Leste de São Paulo, muitos homens africanos e moradores de rua brasileiros aguardam uma vaga no abrigo Arsenal da Esperança. No ano passado, a presença de estrangeiros aumentou.

Pedro Baptista, da Guiné-Bissau, chegou em março. Havia seis meses que estava sem receber o salário como professor dos ensinos fundamental e médio na capital guineense. O golpe de Estado em abril de 2012 motivou o sindicalista a sair do país. “Deixei a minha esposa grávida, ela já deu à luz e nem tenho dinheiro para mandar para ela. O país está em constante instabilidade. Então isso obrigou-me a procurar refúgio no Brasil. Vim cá procurar melhor condição de vida”, conta.

Formado em química e biologia, Pedro Baptista se tornou orientador comunitário do Arsenal da Esperança. Ele aguarda ser reconhecido como refugiado no Brasil, apesar de não ter sofrido uma ameaça direta. Em 2013, o governo brasileiro concedeu refúgio para apenas um africano da Guiné-Bissau.

“Os governantes do Brasil bem sabem que a Guiné-Bissau tem problemas. A CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] não reconheceu o governo que está no poder neste momento. Imagine um país com 40 anos de independência não ter nenhum governo que tenha terminado seu mandato e ser palco de sucessíveis golpes. É lamentável, mesmo.”

Segundo o italiano Simone Bernardi, coordenador do Arsenal da Esperança, a maioria dos estrangeiros da casa que querem ser reconhecidos como refugiados no Brasil não foi vítima de perseguição. “São jovens que, muitas vezes, aparentam ser um pouco a elite do país de onde vieram. Têm o perfil de quem completou os estudos e quer procurar um futuro melhor”, explica.

Pedro Baptista pretende fazer uma especialização no Brasil e mandar ajuda para seu país. “A minha vida está em causa, porque eu sou o filho mais velho. Meus irmãos estão esperando alguma coisa de mim. E não só eles, também o povo da Guiné-Bissau.”

“Aqui não é minha terra”

Os mais de 4.500 refugiados reconhecidos pelo governo brasileiro enfrentaram uma longa jornada para escapar das mais variadas perseguições políticas, religiosas e étnicas. Omar está no Brasil há sete anos e já tem residência permanente. Ele é agente de saúde pública em São Paulo. Por motivos de segurança, não relata por que teve de deixar a República Democrática do Congo.

“Eu sempre falo isso. Aqui não é a minha terra. A minha terra é a minha terra. A minha terra é incomparável e vai permanecer comigo. Mas estou aqui. Estou batalhando para ter a minha vida. Se hoje não, amanhã, se não amanhã, depois de amanhã, eu voltarei”, diz Omar.

Para isso, ele defende que os governantes africanos precisam se preocupar mais com as necessidades da população do que com o poder. “Os políticos devem purificar a consciência e aprender o que é o amor. Sabe amor? Eles não têm.”

Mãe dos africanos

A jornalista Diop desembarcou no Porto de Santos, no litoral de São Paulo, há 11 anos. Alvo de ameaças por seu trabalho numa rádio popular na região conflituosa de Casamança, no sul do Senegal, foi obrigada a fugir.

“Há muitos problemas no Senegal. É a guerra fria que as pessoas não reconhecem. Estou contente com o povo brasileiro, que é muito gentil. Sinto-me como se estivesse em casa. Eu sei que tive mais oportunidades do que muitos africanos que foram para a Europa”, diz.

Diop vende roupas, tecidos de capulana, colares e estatuetas do Senegal na Praça da República, no centro de São Paulo. Duas brasileiras a ajudam no pequeno comércio. Para ela, todo africano ou brasileiro que precisa de ajuda é como um novo filho.

“Hoje eu trato dos africanos que chegam. Sou como uma mãe. Eu sou uma escrava de Deus e de todos que precisam de ajuda. Tenho dois quartos, uma sala, cozinha e banheiro. Tenho colchões para as pessoas dormirem. Se há alguém com problemas, eu dou-lhe comida e mantimentos. A pessoa não paga eletricidade, água nem o quarto. Não paga nada. É tudo feito por mim e pelo meu marido”, conta.

Diop diz que, apesar da perseguição que sofreu, ama o Senegal. E é grata à acolhida que recebeu no Brasil. “Cada país representa uma mãe. Nunca uma pessoa pode falar que não gosta da própria mãe. Eu gosto muito do meu país, mas aqui no Brasil tenho coisas que não tenho lá. Eu tenho liberdade. Eu amo muito o Brasil.”

(*) Nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados.

Com guerra civil síria, triplica número de concessões de refúgio no Brasil

crianca siriaA escalada de violência na Síria fez com que 283 cidadãos do país pedissem e conseguissem refúgio no Brasil em 2013. O número representa 44% do total de concessões feitas pelo governo federal (649), segundo dados do Ministério da Justiça. O total de pedidos de refúgio aceitos no país é mais que o triplo do registrado em 2012 (199).

[Thiago Reis, G1, 8 jan 2013] O país do Oriente Médio vive há quase três anos uma guerra civil que já provocou mais de 130 mil mortes. Mais de 2 milhões deixaram o país em busca de refúgio em nações vizinhas. Agora, alguns têm ido ainda mais longe atrás de ajuda.

Após identificar um aumento no fluxo de sírios para o Brasil e receber algumas reclamações, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) diz ter decidido, com base em diretriz da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), implementar um “procedimento acelerado” no momento de analisar as solicitações de refúgio.

Já a crise humanitária enfrentada pela República Democrática do Congo fez o país figurar na segunda posição da lista: 106 cidadãos conseguiram refúgio após o pedido.

Conflitos entre governo e opositores do regime do presidente Joseph Kabila têm causado mortes e gerado pânico na população. No fim do ano, homens armados invadiram o aeroporto, uma emissora e uma base militar da capital do país; 70 mortes foram confirmadas.

Na terceira posição da lista de refugiados estão os colombianos (87). Paquistão, com 32 refúgios concedidos, Mali, com 19, Nigéria, com 18, Angola, com 17, e Bolívia, com 16, aparecem logo atrás.

O que é o refúgio
O refúgio é um direito de estrangeiros garantido por uma convenção da ONU de 1951 e ratificada por lei no Brasil em 1997. Segundo o ministério, o refúgio pode ser solicitado por “qualquer estrangeiro que possua fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, opinião pública, nacionalidade ou por pertencer a grupo social específico e também por aqueles que tenham sido obrigados a deixar seu país de origem devido a uma grave e generalizada violação de direitos humanos”.

O Brasil tem cerca de 4,5 mil refugiados reconhecidos.

Veja a lista completa dos países dos cidadãos com refúgios concedidos em 2013:

Síria – 283
República Democrática do Congo – 106
Col̫mbia Р87
Paquisṭo Р32
Mali – 19
Nig̩ria Р18
Angola – 17
Bolívia – 16
Buṭo Р9
Venezuela – 6
Iṛ Р5
Suḍo Р4
Líbano – 4
Costa do Marfim – 4
Eritr̩ia Р4
Senegal – 4
Afeganisṭo Р3
Gana – 3
Guin̩ Р3
Iraque – 2
Somália – 2
Camar̵es Р2
G̢mbia Р2
Nepal – 2
Serra Leoa – 1
Cuba – 1
S̩rvia e Montenegro Р1
Guin̩-Bissau Р1
Sri Lanka – 1
Egito – 1
El Salvador – 1
Marrocos – 1
Bangladesh – 1
Líbia – 1
Burkina Faso – 1
Índia – 1
TOTAL – 649

Adolescente barra homem-bomba no Paquistão e morre na explosão

aitazaz-hassan-bangashO Paquistão tenta esculpir seu novo herói para acompanhar a garota Malala Yousafzai em seu panteão.

Moradores do distrito de Hangu, na fronteira com regiões tribais paquistanesas, pedem que Aitzaz Hassan Bangash, 14, receba um prêmio póstumo após ter impedido a entrada de um homem-bomba em sua escola. Ele morreu na explosão.

[Diogo Bercito, Folha SP, 9 jan 2013] De acordo com o relato de testemunhas, Aitzaz estava a caminho da aula quando desconfiou de um homem vestido em uniforme escolar. Eles se engalfinharam. Nesse ínterim, a bomba explodiu.

Havia na escola do garoto aproximadamente mil alunos. A explosão ocorreu a 150 metros de seu portão principal, segundo informações de autoridades locais.

Além de o garoto e o homem-bomba terem morrido, outras duas pessoas ficaram feridas. O incidente, que ocorreu na segunda-feira passada, foi confirmado por Iftikhar Ahmed, um policial do distrito de Hangu.

Um morador de Hangu citado pela rede televisiva americana CNN afirmou que Aitzaz “salvou as vidas de centenas de estudantes” e, portanto, “merece mais reconhecimento do que Malala”.

A referência é à estudante baleada pelo Taleban em outubro de 2012 devido a seu ativismo em prol da educação igualitária no Paquistão. Ela tornou-se imediatamente heroína ao redor do mundo.

Nas redes sociais, paquistaneses têm publicado usando o código “#onemillionaitzaz”, “1 milhão de Aitzaz”.

A região paquistanesa de Hangu é castigada por conflitos sectários entre muçulmanos xiitas e sunitas. O heroísmo do garoto beneficiou, nesta semana, aos estudantes de ambos os grupos.

“Aitzaz nos deixou orgulhosos ao interceptar com valentia o homem-bomba e salvar as vidas de centenas de seus colegas”, afirmou à imprensa Mujahid Ali Bangash, seu pai.

Ele pede que não lhe deem os pêsames, e sim os parabéns –por seu filho, que diz ser um mártir.

‘Sinto nojo de mim mesma’, afirma jovem síria vendida para se casar

menina síria

Aos 16 anos, Gazhal conta que sofreu abusos no primeiro casamento.
Centenas de meninas sírias são vendidas a homens muito mais velhos.

No norte da Jordânia, a poucos quilômetros da fronteira com a Síria, o campo de Al-Zaatari recebe cerca de dois mil refugiados por dia. São famílias que deixam o país de origem sem levar quase nada e procuram um espaço para suas barracas ou trailers doados pela Arábia Saudita, Catar, Kuwaitou pelo sultanato de Omã. As 150 mil pessoas que vivem no espaço – uma área equivalente a 530 campos de futebol no meio do deserto – perderam pelo menos um parente na guerra civil síria.

“Fugi da Síria devido à terrível violência da guerra e do regime de Assad. Vim para cá para fugir do caos e da insegurança. Sou um ser humano normal e só quero ter uma vida normal em uma casa decente”, conta o dirigente do campo de refugiados, Maruan Oslan. Com sete milhões de habitantes, a Jordânia abriga mais de 500 mil sírios, dois milhões palestinos e 750 mil iraquianos.

A maioria da população de Al-Zaatari é composta por crianças e adolescentes. Alguns vão às escolas financiadas pela ONU e pela União Europeia, mas há muitos, especialmente meninas a partir dos 13 anos, que foram forçados a abandonar as salas de aula. Com o grande número de casos de abuso sexual, algumas – mesmo não sendo muçulmanas praticantes – preferem cobrir o corpo todo, deixando aparecer apenas os olhos sob o véu para não chamar a atenção. É uma forma de se sentirem mais respeitadas e protegidas.

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Pais vendem filhas para se casar

Mesmo assim, centenas de meninas sírias entre 13 e 16 anos são forçadas ao casamento com homens muito mais velhos. Elas são vendidas para homens de fora do campo, normalmente do Golfo Pérsico. Os pais recebem entre US$ 2 mil e US$ 5 mil, dependendo de fatores como a beleza e a virgindade das jovens. Os noivos em potencial podem escolher as meninas por foto e, se pagarem uma taxa de US$ 50, têm o direito de ver o rosto que elas escondem sob o véu. O encontro é marcado em um local público e, se o homem gosta da menina, a transação é fechada.

“Não lhes importa a nacionalidade do noivo, a idade, o aspecto físico. Tudo o que lhes importa é se tem dinheiro ou não. Isso vale para as jovens e para as mais velhas”, conta a negociadora Um Muhamad, que vendeu mais de mil meninas em 18 meses. Ela diz que recebe ligações tanto de famílias querendo vender as filhas quanto de homens interessados em uma esposa.

A negociadora sabe dos abusos cometidos pelos maridos e afirma que teme pelas meninas. “No fundo, são elas que suplicam que lhes encontre noivos. Elas têm consciência do que pode acontecer, para o bem e para o mal”, aponta Um Muhamad, que tem duas filhas e destaca que permitira que elas se casassem dessa maneira. “A nossa situação é difícil. Ninguém tem pena de nós. Quando tiverem 12 ou 13 anos, é normal. Antes isso do que se tornar prostituta”, compara.

“Eu tenho medo, mas isso foi o que Deus decidiu para mim, e espero que ele seja bom comigo”

– Ola, de 13 anos, cujo noivo tem 60

“Quando entramos juntos no quarto, foi o pior momento da minha vida”

– Gazhal, 16 anos, sobre o primeiro marido

 

Com apenas 13 anos, Ola vai se casar com um homem de 60. Segundo ela, a família precisa do dinheiro e não há alternativa para livrá-los da difícil situação financeira em que vivem. “Eu me sinto triste, mas sei que preciso fazer isso para ajudar meus pais e meus irmãos. Eu tenho medo, mas isso foi o que Deus decidiu para mim, e espero que ele seja bom comigo”, afirma a jovem.

Gazhal, de 16 anos, vai se casar pela segunda vez, apesar do trauma vivido no primeiro casamento, que fez com que ela precisasse de tratamento psiquiátrico. “Vivi com meu marido menos de dois meses. O tempo todo ele me batia, estrangulava, bebia e se relacionava com outras mulheres. Não tinha vergonha de fazer isso. Quando entramos juntos no quarto, foi o pior momento da minha vida. Eu me odeio, sinto nojo de mim mesma”, revela.

Como seria o Oriente Médio sem cristãos

Blood-spattered-mural-of-Jesus-in-EgyptGrupo religioso perseguido do Iraque à Síria se sustenta pela fé, mas seu declínio pode alterar toda a região.

Os bancos da Primeira Igreja Batista de Belém enchem-se rapidamente de fiéis numa noite de domingo, alguns com bolsas enfeitadas, outros com sapatos gastos e sacolas de papel da KFC. No transcorrer da cerimônia, mãos balançam no ar enquanto os fiéis cantam e dão graças a Deus por um renascimento recente que atraiu mais de 1.300 pessoas para ouvir a mensagem da Bíblia.

[Christa Case, Bryant, The Christian Science Monitor, Estadão, 25 dez 2013] Numa cidade alardeada como o lugar onde Jesus Cristo nasceu da Virgem Maria, a igreja é uma espécie de milagre moderno. Fundada há três décadas num apartamento de dois quartos pelo reverendo Naim Khoury, a Primeira Batista foi bombardeada 14 vezes durante a primeira intifada, enfrentou dificuldades financeiras, e agora trava uma batalha legal com a Autoridade Palestina, que não a reconhece.

Milhares de cristãos em Belém tiveram problemas políticos e religiosos similares nas últimas décadas, o que levou muitos deles a fugir da cidade onde nasceu a figura central da cristandade numa manjedoura.

Os cristãos, que já constituíram 80% da população, hoje representam 20% a 25%. Dois mil anos após o nascimento de Jesus, a cristandade está sob um ataque maior do que em qualquer outro período do último século, levando alguns a especular que uma das três maiores religiões do mundo pode desaparecer completamente da região em uma ou duas gerações.

Do Iraque, que perdeu pelo menos metade de seus cristãos na última década, ao Egito, que assistiu à pior violência anticristã em 700 anos neste verão, à Síria, onde jihadistas estão matando cristãos e os enterrando em valas comuns, os seguidores de Jesus enfrentam violência e perseguição além de um declínio das igrejas. Os cristãos constituem hoje somente 5% da população do Oriente Médio, ante 20% um século atrás. Muitos cristãos árabes estão contrariados porque o Ocidente não fez mais para ajudá-los.

Embora muitos muçulmanos tenham crescido com amigos e colegas cristãos, política e forças sociais tornaram a coexistência mais difícil. À medida que o islamismo político cresce, cristãos já não conseguem encontrar refúgio numa identidade árabe compartilhada com seus irmãos muçulmanos.

Os apelos à cidadania com direitos iguais são pontuados por histórias de extremistas islâmicos exigindo a conversão de cristãos ao islamismo ou que eles paguem um imposto exorbitante. E muitos muçulmanos enfrentam perseguições eles próprios na medida em que os levantes árabes de 2011 continuam a repercutir por toda a região e nações tentam encontrar um equilíbrio entre liberdade e estabilidade.

Os cristãos já enfrentaram tempos difíceis antes, da matança dos seguidores imediatos de Jesus à opressão dos cristãos pelos mamelucos no início do século 13 à ascensão da atividade militante islâmica no Egito nos anos 1970. Os guerreiros que vieram em nome de Cristo também foram responsáveis por violências inter-religiosas, como n a Primeira Cruzada em 1099, quando cristãos tomaram Jerusalém e massacraram os moradores.

Permanece incerto se os tempos atuais se mostrarão mais um refluxo da história cristã ou algo mais fundamental. Mas o que está evidente é que tanto muçulmanos como cristãos, além das outras minorias da região, provavelmente serão afetados de maneira significativa por uma deterioração contínua.

Uma exceção ao declínio é Israel, onde a população cristã quase quintuplicou, para 158 mil, desde a fundação do país em 1948. Mesmo assim, sua parcela na população caiu cerca de 3% a 2%, e críticos observaram que as famílias cristãs palestinas que fugiram ou foram obrigadas a sair pouco antes da fundação de Israel deram ao país uma base artificialmente baixa.

Mas ainda há comunidades cristãs fortes de cristãos árabes israelenses – embora elas também tenham problemas. Em Nazaré, por exemplo, islamistas tentaram erguer uma mesquita bloqueando a Igreja da Anunciação. Quando impedidos por Israel, eles aceitaram colocar uma bandeira proclamando o verso corânico: “E todo aquele que busca uma religião que não seja o Islã, jamais será aceito por ele, e no futuro será um dos perdedores”.

Tradução de Celso Paciornik

Douglas Alexander: Christians left by the world to suffer

coffin egiptAcross the world this week, hundreds of millions of us will be singing of that “silent night, holy night” in the town of Bethlehem. But as Christmas approaches, with its beguiling promise of “peace on earth and mercy mild”, how many of us will reflect on the words of our great Christmas carols and be reminded that Christianity was a faith born in the East? How many of us are aware that, while the first Christmas took place in the Middle East, there today that same faith is under threat?

[The Telegraph, 21 dez 2013] Last week, the leader of the Catholic Church, His Holiness Pope Francis, chose to cast light on this dark story of persecution by taking to Twitter to warn that we “cannot resign ourselves to think of a Middle East without Christians”.

Later in the week, Prince Charles warned that “Christians in the Middle East are, increasingly, being deliberately attacked by fundamentalist Islamist militants. Christianity was, literally, born in the Middle East and we must not forget our Middle Eastern brothers and sisters in Christ”.

These were expressions of a growing concern that Christians are being deliberately targeted and attacked because of their faith. But why, when popes and princes are speaking up, have so many politicians here in the UK forsaken speaking out?

Across the Middle East, Christians have lived for almost two millennia in the place their faith was born, and since thrived within communities in Iraq, Syria, Egypt and elsewhere.

Indeed, the Ottoman Empire, which spanned much of today’s modern Middle East, was a multicultural state, with Christians cohabiting alongside Shia, Sunni, Jews, Alawites and Druze.

Yet today, the conflicts raging across the region – in Syria most acutely – are taking on an increasingly sectarian character. Since the start of the conflict in March 2011, more than 450,000 Christians have fled the country.

In Egypt, the plight of the Coptic Christians is of growing concern, with Amnesty International reporting that, this year, 207 churches were attacked and 43 Orthodox churches completely destroyed.

Christian persecution is growing across the Middle East, but tragically, the plight of Christians is global and not regional.

Research by the Pew Centre suggests that Christians are reportedly the most widely persecuted religious group in the world. Their evidence shows that, in 2011, religious groups faced harassment in 160 countries, and that Christians were harassed in the largest number of countries.

In Nigeria, Boko Haram, the militant Islamist group, are waging their bloody conflict and targeting church leaders. This month, there were reports of hundreds of houses being burnt down when members of the Boko Haram attacked Arboko village in Borno State, said to be inhabited by a small Christian community.

And in one brutal attack in Pakistan, in September this year, 81 Christians were killed when their church in Peshawar was targeted by suicide bombers, causing the Archbishop of Canterbury, Justin Welby, to describe the victims as Christian “martyrs”.

Members of my own denomination, the Church of Scotland, felt that same tragedy very personally when one of our number, Rev Aftab Gohar, minister in Abbotsgrange Church in Grangemouth, discovered that his 79-year-old mother, nephew, niece, two uncles and other friends and relatives were among 122 killed in the attack.

Rev Gohar is blessed with a strength of faith that enables him to offer forgiveness to those who have killed his family members – a powerful statement, bearing testimony to the enduring capacity of faith to nurture reconciliation.

But for such reconciliation to fully take root in our communities, we must first recognise and acknowledge the depth and extent of the divisions that need to be healed.

Thankfully, some politicians have begun to speak up. Last month, Baroness Warsi gave an important and under-reported speech in the United States warning that a “mass exodus is taking place, on a biblical scale. In some places, there is a real danger that Christianity will become extinct”. And, earlier this month, the DUP MP Jim Shannon secured a debate in the House of Commons on the persecution of Christians.

But why, given the scale of the suffering, are these still such lone voices?

Across the world, there will be Christians this week for whom attending a church service this Christmas is not an act of faithful witness, but an act of life-risking bravery.

That cannot be right, and we need the courage to say so.

In the UK today, perhaps through a misplaced sense of political correctness, or some sense of embarrassment at “doing God” in an age when secularism is more common, too many politicians seem to fear discussing any matters related to faith.

So the growing persecution of Christians around the world remains a story that goes largely untold, as does proper discussion of its complex roots and causes.

In some countries, this persecution is perpetrated in the name of a secular ideology, while in others it has its roots in religious intolerance.

So the perpetrators’ motivation is not the primary issue of concern, nor can it be a reason for ignoring the consequences; our neighbours are being attacked for their faith, and that can never be acceptable or justified, whatever the reason given.

People of all faiths and none should be horrified by this persecution. We cannot, and we must not, stand by on the other side in silence for fear of offence.

Of course, Christianity’s long history has had its bloodstained chapters, and of course other religious groups are today subject to persecution.

It is simply wrong for any faith to be persecuted. And yet, across the world, religious groups, of any faith, are being attacked for their beliefs. So, just like anti-Semitism or Islamophobia, anti-Christian persecution must be named for the evil that it is, and challenged systematically by people of faith and of no faith. To do so is not to support one faith over another – it is to say that persecution and oppression of our fellow human beings in the name of any god or ideology is never acceptable and is morally repugnant.

In this 21st century, we should be supporting the building of societies that respect human rights and the rule of law, and make clear that freedom of religion or belief is a universal concern. It is time to acknowledge this issue and speak up and stand with those who are suffering because of their beliefs.

Sixty-five years ago this month, the UN adopted the Universal Declaration of Human Rights.

Article 18 of that declaration states: “Everyone has the right to freedom of thought, conscience and religion; this right includes freedom … to manifest his religion or belief in teaching, practice, worship and observance.”

This coming year, in March, the UK will assume its place on the UN Human Rights Council.

As part of that body, the UK Government will have a unique and timely opportunity to use this platform to speak up for religious freedom as a fundamental human right and speak out against the persecution of Christians.

Acknowledging this wrong is the surest basis on which to begin the journey to reconciliation shown to be possible by Rev Gohar’s faithfulness and hope.

And if the UK government does so, we, as the Opposition, will support them.

Douglas Alexander MP is shadow foreign secretary

Racha entre muçulmanos se torna força mais perigosa no Oriente Médio

mujer-musulmanaPassados três anos desde o início da Primavera Árabe, tem se agravado a divisão entre muçulmanos xiitas e sunitas – que diz respeito não apenas a religião, mas também a poder e identidade.

[Jeremy Bowen, BBC Brasil, 20 dez 2013] Líderes tentam usar o sectarismo como uma ferramenta para proteger e reforçar sua legitimidade, assim como alguns governos europeus ainda usam o nacionalismo.

Mas as forças que estão em curso no Oriente Médio no momento podem sair do controle.

Um dos focos de tensão é Trípoli, a segunda maior cidade do Líbano – atualmente inquieta, dividida e muitas vezes perigosa.

A crescente guerra civil síria, do outro lado das montanhas de Trípoli, fomentaram um persistente conflito entre muçulmanos sunitas, majoritários na cidade, e alauítas, que são da mesma divisão xiita que o presidente sírio, Bashar al-Assad.

Pôsteres

Em todas as cidades libanesas, há pôsteres de jovens que foram mortos combatendo na Síria.

O Hezbollah, milícia xiita e partido político libanês, enviou tropas para lutar ao lado dos soldados pró-Assad.

Um sunita proeminente local observava os pôsteres, dizendo: “Tudo o que eles fizeram foi viajar e ficar (na Síria) tempo o bastante para serem mortos. Eles eram muito novos e pouco treinados (para combater).”

Alguns xiitas ainda idolatram Saddam Hussein, o líder sunita que, durante seu regime no Iraque, enfrentou o xiita Irã.

O sunita Abu Firas perdeu seu filho de 22 anos quando duas mesquitas sunitas de Trípoli foram bombardeadas, em agosto. A comunidade atribui a culpa aos xiitas.

“Pedimos permissão a Deus todo poderoso para erradicá-los”, diz Firas.

Um comandante de uma milícia sunita local diz que a raiva e a dor fazem com que Firas fale assim. Mas, a cada ação sectária que resulta em mortes, aumentam as divisões no Oriente Médio.

Sectarismo

O racha no islã remete à disputa quanto a quem deveria suceder o profeta Maomé após sua morte, em 632. Os que queriam que seu posto fosse herdado por seus seguidores próximos se tornaram sunitas. Os que defendiam que seus descendentes deveriam sucedê-lo aderiram ao xiismo.

Nos últimos tempos, a invasão americana ao Iraque, em 2003, deu um novo impulso à divisão sectária no islã.

A deposição de Saddam Hussein, maior adversário do Irã (de maioria xiita), foi um golpe à tradicional supremacia sunita no Oriente Médio. Milhares de iraquianos foram mortos em atos de violência sectária desde então.

Na outra ponta do golfo Pérsico, em Bahrein, um persistente conflito político entre a minoria empobrecida xiita e a elite majoritariamente sunita fica cada vez mais abertamente sectária. Um membro do clã que governa o país disse à BBC que isso é perceptível em confrontos nas ruas bareinitas ou mesmo sírias.

Na Síria, o levante que desde 2011 conclama mais liberdade e justiça evoluiu para uma guerra de traços sectários. Grupos extremistas sunitas, em geral seguidores da al-Qaeda, agora dominam a oposição armada a Assad.

Esses jihadistas, que usam a guerra civil para aumentar seu poder em pleno coração do Oriente Médio, têm uma visão profundamente dividida do mundo.

Eles acabam sendo rechaçados por muitos sírios sunitas e “empurram” as minorias do país – tanto cristãos quanto xiitas – para o lado de Assad.

Rivais regionais

Em Beirute, homens-bomba alvejaram a embaixada do Irã em novembro. Muitos deduziram que se tratava de mais uma escalada na chamada “guerra por procuração”, travada entre o Irã (que apoia o regime Assad) e a Arábia Saudita (sunita, que apoia os rebeldes sírios).

Os dois rivais regionais trocam acusações entre si quanto à escalada do sectarismo.

Membros da minoria xiita na Arábia Saudita, que se concentra no leste do país, se queixam de serem tratados como se fossem agentes infiltrados pelo Irã.

Tanto o Teerã quanto Riad ajudaram a alimentar as rivalidades, mas as divisões entre xiitas e sunitas também foram usadas e abusadas por líderes de outros países árabes que não têm nenhuma intenção de dividir o poder com sua própria seita, muito menos com outros grupos.

A BBC debateu o tema com o novo chanceler iraniano, Javad Zarif, no mês passado, durante negociações em Genebra que levaram a um acordo preliminar sobre o programa nuclear do país.

Zarif disse que, independentemente das diferenças quanto à Síria, os países envolvidos devem cooperar para controlar a crescente divisão entre xiitas e sunitas. O chanceler opina que essa é a maior ameaça não apenas à paz no Oriente Médio, mas à paz no mundo inteiro.

Se há uma chance de se gerenciar ou ao menos reverter a onda de sectarismo, ela provavelmente recai sobre o Irã e a Arábia Saudita. Mas os dois países são potências regionais, divididos pela História e por sua rivalidade no século 21.

Em um funeral recente para combatentes xiitas em Damasco, que morreram defendendo o regime, as pessoas enlutadas não cantavam elogios a Assad (em cujo Exército os homens morreram), mas sim entoavam slogans sectários, exaltando a tradição xiita.

Até mesmo em partes da Síria onde esses rachas são menos evidentes, há os problemas de crise econômica, falência política e repressão.

Mas a força mais perigosa, que ameaça definir a próxima década no Oriente Médio, é a tensão entre xiitas e sunitas.

Passados três anos desde o início dos levantes árabes – nesta semana, foi lembrado o terceiro aniversário da morte do tunisiano Mohammed Bouazizi, cuja autoflagelação serviu de estopim para protestos na região -, o peso de um milênio e meio de rivalidades sectárias está esmagando qualquer esperança de um futuro melhor.

Facebook registra até mensagens não enviadas, mostra estudo

facebookNão é preciso apertar Enter para um texto digitado no Facebook ser lido por alguém: a rede social registra postagens e comentários cujo autor desistiu de enviá-los, mostra um estudo divulgado pelo Facebook e realizado por um de seus pesquisadores.

Adam Kramer, cientista de dados do Facebook, junto com o pesquisador Sauvik Das, da Universidade Carnegie Mellon (EUA), analisaram mensagens que eles chamam de autocensuradas de 3,9 milhões de usuários da rede durante 17 dias na metade do ano passado, a fim de descobrir quem costuma digitar e não enviar, e em que momentos isso acontece.

Mensagens com mais de cinco letras e retidas por pelo menos dez minutos são as tidas como autocensuradas pelos autores.

Entre as conclusões do estudo, consta que homens se autocensuram ao fazer uma postagem na rede mais do que as mulheres, mas mulheres desistem mais de comentários do que fazem os homens.

Além disso, mensagens são mais comumente autocensuradas do que comentários; usuários com uma rede de contatos mais heterogênea nos quesitos idade e orientação política se censuram menos.

Entre as “não atividades”, o só texto autocensurado não é a única registrada pela rede. O Facebook já divulgou que todos os pedidos de amizade, mesmo que recusados, ficam catalogados. O registro de tudo o que acontece tem como objetivo de impedir que as pessoas desistam das interações, e efetivamente pressionem Enter.

Durante o período estudado, 71% dos usuários hesitaram ao postar ou comentar. Durante o período monitorado, cada um deles desistiu de aproximadamente 5 postagens e de 3 comentários.

“Decidir não postar um comentário politicamente carregado ou imagens de determinadas atividades recreativas podem poupar uma boa quantia de capital social”, escreveram os pesquisadores, no documento que foi inicialmente publicado pela AAAI (Associação pelo Avanço da Inteligência Artificial, na sigla em inglês).

A pesquisa foi realizada durante o verão do hemisfério norte do ano passado, que aconteceu entre junho e setembro, mas as datas exatas de início e término do período de 17 dias não foram divulgadas.

[Matéria publicada na Folha SP, 20 dez 2013]

Deep Solidarity: Embracing God’s Power to Alleviate Poverty and Create Structural Change

solidariedade

Solidarity is no longer a matter of the privileged helping the underprivileged. It is about understanding what we have in common and how we all need to work together to organize and to embrace a different power.

While charity and advocacy are widely discussed, there is a growing sense that deep solidarity may be the more appropriate response of faith communities to poverty.

[By Dr. Joerg Rieger, December 12, 2013] Poverty is real and growing. In many places in the United States between 20 and 30 percent of the children experience “food insecurity,” which means that they do not have enough to eat. Unemployment and underemployment are rampant, and even many working people are no longer able to make ends meet. The average wage of workers at Wal-Mart — the world’s largest private employer — falls significantly below the poverty level. As the Wal-Mart model of employment is copied elsewhere, even mid-level jobs are losing full-time status and benefits.

In this climate, religious charity provides some much-needed assistance. Soup kitchens, food pantries, and clothes closets face a higher demand than ever before, and many religious communities support these efforts. Unfortunately, this kind of charity fails to address the underlying problems. Worse yet, by not addressing the root causes, the problems are covered up and in some cases intensified. Typical efforts to provide charity might be compared to a doctor who tries to cure the symptoms of a disease without addressing its cause. For good reasons, key figures of faith from Moses to Jesus did not limit their ministry to charity.

Advocacy for the poor gets closer to the underlying causes of poverty and is solidly rooted in many religious traditions. The prophets of the Hebrew Bible speak out on behalf of the poor and condemn those who “trample on the poor and take from them levies of grain” (Amos 5:11). Mary, the mother of Jesus, proclaims that the God who lifts up the lowly pushes the powerful from their thrones, and fills the hungry with good things while sending the rich away empty (Luke 1:52-53). Standing in this tradition, John Wesley, the founder of Methodism in the eighteenth century, proclaimed that the majority of people were poor not due to their own fault but because they were pushed from their lands by wealthy landowners and then exploited in the factories of early capitalism. While Christians in the United States frequently blame the poor for their misery, many biblical and theological traditions take a different approach.

Jesus, taking a cue from the prophets, preached good news to the poor, not charity (Matt 11:5; Luke 4:18). Do today’s faith communities understand that good news to the poor might imply addressing and ending the conditions that create poverty? Preaching good news to the poor leads to questions like, Who can be said to “trample on the poor” and on working people today? Who “takes from them levies of grain,” including fair wages and benefits? Raising such questions was never easy, and there are consequences. Decades ago, the Brazilian Bishop Dom Hélder Câmara put it this way: “When I give food to the poor, they call me a saint. When I ask why they are poor, they call me a communist. ” According to Luke, Jesus’ first proclamation of good news to the poor ended with an attempt by the faith community to throw him off a cliff (Luke 4:16-30).

Why are people poor in the world of global capitalism? It is far from the case that there is not enough to go around. And although it is widely known that the poor are getting poorer while the rich are getting richer, few are aware of the magnitude of this shift. Inequality is greater than ever. In the Roman Empire at the time of Jesus, the top one percent of the population controlled 16 percent of all wealth, while in the United States today the top one percent control 40 percent. While most of their workers earn poverty wages, the Waltons of Wal-Mart are among the richest families in the world. Just six Walton family members control as much wealth as over 40 percent of all Americans.

Since poverty and wealth are not only matters of money but also of power, it is time to move from charity and advocacy to what I am calling “deep solidarity” (see Occupy Religion: Theology of the Multitude and Theology, Religion, and Class). Deep solidarity leads beyond advocacy in two ways. As those of us who do not belong to the one percent are increasingly pushed to the sidelines, even people in the middle are beginning to understand that we are more likely to be in the same boat with the poor and with working people. Solidarity is no longer a matter of the privileged helping the underprivileged; it is a matter of understanding what we have in common and how we all need to work together to organize and to embrace a different power.

Deep solidarity brings into focus God’s power, which is different from the power of the one percent. Deep solidarity reminds us that Godself is found among the poor, among the Hebrew slaves of the Exodus, and among the widows, the orphans, and strangers of the Hebrew Bible. God is transforming the world in and through them. Just as God was and is in Jesus Christ, who was raised in a family of construction workers and lived in deep solidarity with the “least of these.” The 99 percent are invited to join in this deep solidarity with God and others. Indeed, even those who are situated within the exalted one percent are called to “follow me” (see Matt 19:21, Jesus addressing the rich young ruler).

Dr. Joerg Rieger is Wendland-Cook Professor of Constructive Theology at Perkins School of Theology at SMU. His work addresses the relation of theology to public life, including reflecting on the misuse of power in politics and economics and the alternative powers that emerge from the bottom up. His books include No Rising Tide: Theology, Economics, and the Future(2009) and Religion, Theology, and Class: Fresh Engagements After Long Silence (2013). Rieger serves on the steering committee of the Dallas Area Christian Progressive Alliance and on the steering committee of Jobs with Justice in North Texas. He is co-founder of the Workers’ Rights Board in the Dallas area.

Originally published here.

Crianças sofrem chantagem para praticar atos sexuais online, diz ONG

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Centenas de crianças e adolescentes ao redor do mundo têm sofrido chantagem para praticar atos sexuais e compartilhar fotos pornográficas pela internet, alega um relatório divulgado nesta sexta-feira pela ONG britânica Centro contra a Exploração de Crianças e de Proteção Online (Ceop).

[BBC Brasil, 20 set 2013] Os abusadores, diz a ONG, convencem suas vítimas a enviar fotos de si mesmas com teor sexual. Feito isso, ameaçam mandar as imagens para pais e amigos das vítimas caso estas se recusem a continuar a conversa online.

Andy Baker, porta-voz da Ceop, diz que a organização já teve conhecimento de casos do tipo envolvendo 424 jovens e crianças ao redor do mundo – algumas de oito anos de idade.

A chantagem, segundo ele, já levou sete crianças a cometer suicídio e outras sete a se autoflagelar seriamente.

‘Lado escuro’

Os abusadores geralmente iniciam a conversa se fingindo de crianças ou de pessoas do gênero oposto das vítimas.

O relatório da Ceop diz que as conversas começam em sites abertos ou redes sociais e logo são levadas a fóruns privados, “onde ganham teor sexual”.

“(O abuso) avança rapidamente”, diz Baker à BBC, alegando que em menos de cinco minutos o abusado online “vai de ‘oi, você quer tirar sua roupa’ a alguém cometendo autoflagelo”.

Uma vez que as vítimas enviam imagens sexuais de si mesmas, a chantagem começa, com pedidos de mais fotos de teor sexual – algumas envolvendo autoflagelo – ou até mesmo pedidos de somas em dinheiro, sob a ameaça de as imagens comprometedoras serem enviadas a conhecidos da vítima.

Em um dos casos, um dos acusados de abusos chegou a arquivar as imagens pornográficas que recebia de crianças em uma pasta nomeada “escravos”.

Operação K

Entre os 424 jovens e crianças que sofreram chantagem, 322 deles – principalmente meninos entre 11 e 15 anos, oriundos de todo o mundo – foram descobertos em uma única investigação neste ano, chamada de Operação K.

Os criminosos usavam mais de 40 perfis falsos online e outros tantos endereços de e-mail para perpetrar os abusos, diz a Ceop.

O esquema foi descoberto por autoridades britânicas depois que uma rede social identificou atividades suspeitas e uma criança avisou seus pais.

Na Grã-Bretanha, o assunto ganhou especial relevância em agosto, após o suicídio de um garoto de 17 anos vítima de chantagens.

Daniel Perry pensava estar trocando mensagens e fotos com uma menina de sua idade, até que os abusadores pediram dinheiro para não tornar essas imagens públicas. Ele acabou se jogando de uma ponte.

Logo após sua morte, sua mãe disse que ele era “um menino feliz, não estava deprimido, e não era o tipo de pessoa que você pensaria que iria tirar a própria vida. Queria que ele tivesse me procurado (e contado o ocorrido)”.

Prevenção

É importante que pais eduquem a si mesmos e a seus filhos a respeito de configurações de privacidade e denúncias de eventuais abusos na internet, adverte Scott Freeman, fundador da ONG antibullying online Cybersmile.

Segundo ele, é importante que as crianças e jovens entendam que não devem falar com pessoas que não conhecem e não devem passar “de plataformas públicas a privadas”.

Por outro lado, Freeman opina que os provedores de internet precisam ser mais proativos para coibir abusos, ressaltando que alguns “já começam a adotar procedimentos do tipo”.

A Ceop, por sua vez, adverte que os jovens vítimas de abusos online podem, além de ter mais propensão a se autoflagelar, se tornar mais agressivas e introspectivas.

Não pode haver democracia sem laicismo ~ George Corm

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Georges Corm, historiador e jurista libanês, analisa a situação atual do mundo árabe.

Depois das esperanças levantadas pela Primavera Árabe em 2011 e a chegada ao poder no Egito e na Tunísia de movimentos que se declaram islâmicos, você é otimista quanto ao futuro dos países árabes?

O movimento de 2011 foi extraordinário: de Omã à Mauritânia, a consciência coletiva árabe despertou, mas as esperanças são de longo prazo. Os ciclos revolucionários do mundo árabe são longos, principalmente por conta de interferências externas. Para romper com esse movimento, se criaram pontos de fixação na Líbia e na Síria. Ambas as intervenções foram conduzidas para a catástrofe e provocaram a guerra civil quando armaram os manifestantes pacíficos. A indignação quanto a um ditador é seletiva e segue os interesses geopolíticos ocidentais junto de seus aliados locais. Acabar com um sistema ditatorial e predador para substituí-lo pelo que? Todo o Oriente Médio está sendo consumido por suas classes dirigentes e seus aliados dentro do mundo corporativo. São economias rentistas, totalmente improdutivas que geram desemprego e uma grande concentração de riqueza. Apenas a própria população pode resolver seus problemas com seus regimes políticos e econômicos e, assim, reconstruí-los.

Qual é a sua visão sobre a situação da Síria?

É uma batalha muito perigosa que ultrapassa, e muito, os desafios internos dos sírios, que pode desencadear uma guerra mundial. Enquanto existirem quase 100 mil combatentes não sírios e o financiamento estrangeiro da oposição continuar atrelado aos interesses de Turquia, França, Arábia Saudita e Qatar, não iremos a lugar algum. Estão destruindo o país de forma sistemática. Amanhã chegarão novos predadores para saquear a Síria com o pretexto de reconstrução, como ocorreu no Líbano, Iraque e Bósnia.

Em sua opinião, quais são os interesses estratégicos que atuam na região?

Agora se trata do reequilíbrio do sistema internacional e do final do unilateralismo estadunidense. A região é um caos total. Na costa sudeste do Mediterrâneo, EUA e Israel colocaram a região de joelhos com a invasão do Iraque em 2003 e depois com o ataque israelense ao Líbano em 2006. A Síria suportou cerca de um milhão e meio de refugiados iraquianos sem pedir ajuda, os tunisianos viram-se obrigados a acolher milhares de refugiados da Líbia. No Líbano, existem entre 800 mil a um milhão de refugiados sírios, ou seja, 25% da população. Nessa situação explosiva, a Europa – assim como os EUA – não desempenha nenhum papel de apaziguamento, mas exatamente o contrário.

Qual é o papel do Golfo Pérsico na região?

O aumento dos preços do petróleo desde 1973 constituiu um terremoto social no Oriente Médio de uma amplitude sem precedentes na época moderna. As elites urbanas árabes que desencadearam um “renascimento” no século 19 e adaptaram os princípios da lei islâmica às necessidades do mundo moderno, progressivamente cederam o poder cultural, religioso e midiático às famílias reinantes do Golfo, as quais dispõem de meios econômicos e financeiros desproporcionais frente aos demais regimes políticos do mundo árabe, fragilizados por suas derrotas para Israel e por fracassos no desenvolvimento. O “despertar islâmico” veio substituir o “renascimento árabe” – com seu séquito de pregadores influenciados pelo rigor teológico extremista do wahabismo. A religião muçulmana se converteu em uma arma política temível com sua aliança aos EUA na luta contra o comunismo. Abandonou-se a questão da Palestina em benefício de lutas que não são as nossas, no Afeganistão, na Bósnia, na Chechênia e no Cáucaso. Esses movimentos trazem em si, a legitimação de um autoritarismo terrível, que pretende controlar a vida dos crentes até em seus mínimos detalhes e combater os “infiéis”, muçulmanos ou não.

Contra essas “ideologias autoritárias”, você prega o retorno à liberdade de pensamento…

O grande erro de muitos intelectuais árabes tem sido deixar a questão religiosa à Irmandade Muçulmana e ao wahabismo, os quais, com seus meios, se apoderaram das mentes das pessoas. As conquistas da civilização islâmica, que instituiu uma liberdade de pensamento notável para a época, são esquecidas completamente. Falam-se apenas de Sayyid Qotb, Maududi e Ibn Taymiyyah! Agora vemos o resultado de 40 anos de uma política muito ativa, que remete à Guerra Fria, onde ocorreu uma “reislamização” das sociedades para lutar contra o comunismo. Atualmente você não é um muçulmano “representativo” se for um muçulmano moderado. No mundo árabe, sempre existiu um vivo debate sobre a maneira de interpretar o texto corânico, mas que não interessa aos setores acadêmicos e midiáticos.

Você advoga pelo laicismo, não é utópico defender um modelo impopular no mundo árabe?

Com o que ocorre no Egito, na Tunísia e na Síria, a opinião pública árabe, incluindo a parte crente, começa a compreender qual é a utilidade do laicismo. Na região do Mashreq, onde reina uma forte diversidade religiosa dentro do próprio islã, o laicismo é a única solução. Outra coisa é que não pode haver democracia sem o laicismo. Se tudo está polarizado no que concerne a referência religiosa nas instituições ou a identidade social e cultural, é porque não temos um pensamento econômico alternativo que havia deixado essa questão em segundo plano. Temos que rechaçar a análise que exclui as identidades: o problema é a desestruturação de nossas sociedades e a negação do pluralismo em uma região do mundo que é plural desde a mais longínqua antiguidade.

Qual papel desempenharia o Magreb, e Marrocos em particular, nesse contexto?

No Magreb, a Argélia tem sofrido enormemente com a onda islâmica. A Líbia está atualmente presa em uma anarquia que beneficia os elementos que se declaram militantes islamitas e a Tunísia se torna, a cada dia, mais perigosa. O Marrocos com sua monarquia de legitimidade religiosa, ao se declarar partidário de um islamismo moderado – que é o autêntico islã – poderia desempenhar um papel catalisador de um liberalismo árabe e islâmico moderno, como o que existiu nos anos 1950. É também o que tenciona fazer a Universidade de Al Azhar, no Egito. É o momento de trabalhar para restabelecer no mundo árabe a saúde mental que perdemos um pouco a cada dia e voltar a ter uma concepção de mundo aberta, tolerante e pluralista, onde, em outra época, construiu a grandeza da civilização árabe-islâmica e mais recentemente, o magnífico renascimento árabe.

[Kenza Sefrioui, do Telquel | Tradução: Vinicius Gomes, publicado na Revista Fórum, 16 dez 2013]

 ** Georges Corm, nascido em 1940 em Alexandria, assistiu em sua juventude a chegada ao poder de Nasser e a nacionalização do Canal de Suez. Possui um doutorado em Direito Público sobre as sociedades multiétnicas. Foi professor de Ciências Políticas pela Universidade Saint-Joseph de Beirute e ministro das finanças do Líbano de 1998 a 2000. Em suas numerosas obras, tanto em árabe quanto em francês, como “Le prche-Orient éclaté” e “Pour une lectura profane des conflicts”, advoga por um mundo árabe mais unido e mais independente, criticando duramente o apoio dos EUA e Europa aos Estados teocráticos como Arábia Saudita e Israel.

Mulheres reagem à ‘pornografia da vingança’

porn revancheO que você faria se descobrisse que alguém postou fotos nuas suas na internet, sem sua permissão? Chamado de “pornografia da vingança”, o fenômeno tem feito cada vez mais vítimas à medida que mais pessoas usam câmeras de celulares e mensagens para produzir, trocar e armazenar conteúdo íntimo.

[James Fletcher, BBC Brasil, 15 dez, 2013] Nos Estados Unidos, pessoas que tiveram fotos sem roupa publicadas na rede contra a sua vontade buscam mudanças na lei para punir responsáveis. A americana Hollie Toups, 33, se lembra bem do dia que mudou a sua vida. Ela estava no trabalho quando recebeu um telefonema de um amigo, avisando que tinha visto fotos nuas delas em um site pornográfico.

Ela correu para casa, abriu o computador e se deparou com fotos topless que ela tinha feito para um ex-namorado, quando tinha 24 anos. E não apenas fotos, mas seu nome, um link para suas páginas no Facebook e no Twitter, um mapa do Google com a sua localização – e um mar de comentários.

“Via as pessoas comentando as fotos em tempo real, dizendo que eu tinha de ser estuprada e coisas do tipo. Chorei por dias”, conta. “Você se sente julgada e envergonhada.”

Ela ficou com medo de sair de casa e, quando saiu, chegou a ser abordada por homens que tinham visto as fotos.

Hackers

Toups achou inicialmente que seu ex-namorado havia postado as fotos. Afinal, com o próprio termo (“pornografia da vingança”) faz supor, essa é a forma mais comum que essas imagens acabam online). Até que se deparou com imagens que ela sequer havia mostrado para ele. Seus registros haviam sido roubados ou hackeados.

Há casos de hackers que invadiram e-mails ou “nuvens” online para roubar fotos de mulheres; no caso de Hollie, ela acha que suas fotos foram roubadas quando ela deixou seu telefone na assistência técnica.

Rapidamente, a americana descobriu que não estava sozinha. Dezenas de mulheres da região tiveram fotos suas publicadas pelo site Texxxan.com, sofrendo consequências parecidas. Algumas perderam empregos e namorados. Uma cogitou o suicídio.

Toups e outras vítimas procuraram a polícia e advogados, mas a resposta costumava ser a mesma: não havia nada a ser feito.

Mas, com a ajuda de investigadores, elas começaram a levantar potenciais atos ilegais cometidos pelos sites de pornografia da vingança.

Algumas das meninas fotografadas tinham menos de 18 anos, o que configuraria pornografia infantil. Outras vítimas alegam que sites pediram dinheiro para remover as fotos delas do ar – o que poderia configurar extorsão.

E, se as mulheres forem as autoras das fotos, podem alegar direitos autorais para acionar os sites na Justiça.

Responsabilidade

Mas a quem responsabilizar? A responsabilidade recairia sobre a primeira pessoa que tiver postado as fotos online – ainda que seja muito difícil identificar um usuário anônimo.

No fim das contas, as alegações de pornografia infantil resultaram no fechamento do Texxxan.com neste ano.

Toups e outras vítimas também iniciaram um processo judicial conjunto, com base em leis de privacidade do Estado do Texas, onde moram. O alvo do processo são os donos do site, a empresa de hospedagem do site e alguns dos suspeitos de postarem as fotos.

Até o momento, elas conseguiram impedir a reabertura do Texxxan.com. Mas muitos acreditam que isso não se sustentará por muito tempo.

Hunter Taylor, criador do site, não quis dar entrevistas. Em seu depoimento em juízo, ele negou ter cometido crimes ou ter praticado extorsão e acrescentou que seu site é apenas uma plataforma para usuários postarem o que quiserem.

Criminalização

A experiência de Toups é parecida com a de outras vítimas, e no último ano mais delas têm vindo a público contar suas histórias. Esses casos – muitos deles ocorridos no Brasil – têm humanizado o debate ao redor da pornografia da vingança.

Nos EUA, muitas das vítimas querem que esses atos sejam criminalizados, e que sites de internet percam a imunidade a respeito do conteúdo que seus usuários postam.

“Não queremos dinheiro, queremos que eles sejam responsabilizados”, diz Toups.

Leis antipornografia da vingança começam a ser redigidas em estados como Wisconsin, Nova York e Maryland; Califórnia e Nova Jérsei aprovaram medidas a respeito.

Mas a lei californiana não cobre autorretratos (conhecidos popularmente pelo termo ‘selfie) – que, segundo ativistas, são as fotos mais usadas pelos responsáveis pela pornografia da vingança. A ativista Charlotte Laws diz esperar que a lei possa receber emendas no futuro.

Liberdade

Ao mesmo tempo, nem todos nos EUA concordam que a questão deva se tornar criminal. O advogado criminalista Mark Bennett concorda que a pornografia da vigança seja indesejável, mas argumenta que essa prática está constitucionalmente protegida pelo direito à liberdade de expressão.

“Protegemos os direitos das pessoas más de forma a proteger os direitos de todos nós”, diz. “Se começamos a abrir exceções porque o cara que postou as imagens é claramente um ser humano ruim, damos licença ao governo para decidir quem são as pessoas más. E não queremos que o governo faça essas distinções.”

Nem todo o debate tem argumentos tão elaborados. Após a mudança de lei na Califórnia, Hunter Moore, ex-dono de um site de pornografia da vingança, fez um vídeo se queixando: “Ah, a menina reclama porque mandou fotos nuas para algum idiota que as colocou na internet. Por que proteger essas pessoas? Assuma responsabilidade por suas ações e pare de culpar os outros”.

A ativista Charlotte Laws discorda. “Trinta ou 40 anos atrás as pessoas tiravam polaroides, mas se alguém entrasse em sua casa e roubasse as fotos, não acho que a sociedade consideraria isso culpa delas. É chocante querer culpar a vítima.”

E, se pudesse voltar no tempo, Hollie Toups voltaria a tirar fotos de si mesmo? Ela diz que sim.

“Não fiz nada de errado. Milhares de pessoas tentaram jogar a culpa em mim, (mas) sou muito teimosa.”

Será preciso mais teimosia para mudar as leis federais americanas e criminalizar a pornografia da vingança, mas ela e outras mulheres veem isso como uma busca pela justiça.

Os desdobramentos disso jogam luz sobre uma questão-chave de nossos tempos: à medida que as mudanças tecnológicas geram consequências inimaginadas, será que é a lei ou o comportamento humano que precisam se atualizar?