Arquivo da categoria: Religião

Egito: prisioneiro cristão resiste à brutalidade

Egyptian-Christians

Os últimos relatos que recebemos afirmam que Bishoy Armia Boulous (anteriormente conhecido como Mohammed Hegazy) continua preso apesar de sua pena já ter sido cumprida, com o agravante de estar sofrendo frequentes agressões.

De acordo com seu advogado, Karam Ghobriel, os carcereiros na prisão Tora espancam Bishoy várias vezes por semana e impiedosamente o arrastam no piso de concreto. Sua cabeça também foi raspada, uma punição reservada normalmente a criminosos violentos. Os carcereiros têm humilhando Bishoy na tentativa de pressioná-lo a renunciar à sua fé cristã.

Detido sob falsas alegações de ‘documentar’ ataques de muçulmanos a cristãos, Bishoy foi condenado à prisão por “divulgar informações falsas” e “prejudicar o interesse público.” Sua sentença de um ano para essa acusação expirou em dezembro 2014, mas ele permanece preso.

Bishoy também aguarda julgamento por uma acusação de blasfêmia, por sua tentativa de alterar o status religioso de seu cartão de identidade para Cristão. Seu advogado entrou com uma reclamação formal para o procurador-geral do Egito, Hasham Barakat, sobre maus-tratos, bem como sua detenção em curso.

ORE pela libertação imediata de Bishoy e para que todas as acusações contra ele sejam retiradas. Ore para que ele possa viver em paz, como cristão, no Egito. Peça ao ‘próprio Senhor da paz’ para dar a ele e sua família “paz em todos os momentos e em todos os sentidos” (2 Tessalonicenses 3.16).

Urgent Appeal from the Christians in Syria and Lebanon

Last week, the Supreme Council of the Evangelical Community in Syria and Lebanon released an urgent appeal to Evangelical organizations globally, desperately asking for help with the current situation in the Middle East, which they call an “existential threat facing the future of Middle Eastern Minorities, as well as moderate Muslim minorities in the region.

Please read this appeal and act in whatever way you can!

Click here to read the Urgent Appeal now!

Adolescente barra homem-bomba no Paquistão e morre na explosão

aitazaz-hassan-bangashO Paquistão tenta esculpir seu novo herói para acompanhar a garota Malala Yousafzai em seu panteão.

Moradores do distrito de Hangu, na fronteira com regiões tribais paquistanesas, pedem que Aitzaz Hassan Bangash, 14, receba um prêmio póstumo após ter impedido a entrada de um homem-bomba em sua escola. Ele morreu na explosão.

[Diogo Bercito, Folha SP, 9 jan 2013] De acordo com o relato de testemunhas, Aitzaz estava a caminho da aula quando desconfiou de um homem vestido em uniforme escolar. Eles se engalfinharam. Nesse ínterim, a bomba explodiu.

Havia na escola do garoto aproximadamente mil alunos. A explosão ocorreu a 150 metros de seu portão principal, segundo informações de autoridades locais.

Além de o garoto e o homem-bomba terem morrido, outras duas pessoas ficaram feridas. O incidente, que ocorreu na segunda-feira passada, foi confirmado por Iftikhar Ahmed, um policial do distrito de Hangu.

Um morador de Hangu citado pela rede televisiva americana CNN afirmou que Aitzaz “salvou as vidas de centenas de estudantes” e, portanto, “merece mais reconhecimento do que Malala”.

A referência é à estudante baleada pelo Taleban em outubro de 2012 devido a seu ativismo em prol da educação igualitária no Paquistão. Ela tornou-se imediatamente heroína ao redor do mundo.

Nas redes sociais, paquistaneses têm publicado usando o código “#onemillionaitzaz”, “1 milhão de Aitzaz”.

A região paquistanesa de Hangu é castigada por conflitos sectários entre muçulmanos xiitas e sunitas. O heroísmo do garoto beneficiou, nesta semana, aos estudantes de ambos os grupos.

“Aitzaz nos deixou orgulhosos ao interceptar com valentia o homem-bomba e salvar as vidas de centenas de seus colegas”, afirmou à imprensa Mujahid Ali Bangash, seu pai.

Ele pede que não lhe deem os pêsames, e sim os parabéns –por seu filho, que diz ser um mártir.

Como seria o Oriente Médio sem cristãos

Blood-spattered-mural-of-Jesus-in-EgyptGrupo religioso perseguido do Iraque à Síria se sustenta pela fé, mas seu declínio pode alterar toda a região.

Os bancos da Primeira Igreja Batista de Belém enchem-se rapidamente de fiéis numa noite de domingo, alguns com bolsas enfeitadas, outros com sapatos gastos e sacolas de papel da KFC. No transcorrer da cerimônia, mãos balançam no ar enquanto os fiéis cantam e dão graças a Deus por um renascimento recente que atraiu mais de 1.300 pessoas para ouvir a mensagem da Bíblia.

[Christa Case, Bryant, The Christian Science Monitor, Estadão, 25 dez 2013] Numa cidade alardeada como o lugar onde Jesus Cristo nasceu da Virgem Maria, a igreja é uma espécie de milagre moderno. Fundada há três décadas num apartamento de dois quartos pelo reverendo Naim Khoury, a Primeira Batista foi bombardeada 14 vezes durante a primeira intifada, enfrentou dificuldades financeiras, e agora trava uma batalha legal com a Autoridade Palestina, que não a reconhece.

Milhares de cristãos em Belém tiveram problemas políticos e religiosos similares nas últimas décadas, o que levou muitos deles a fugir da cidade onde nasceu a figura central da cristandade numa manjedoura.

Os cristãos, que já constituíram 80% da população, hoje representam 20% a 25%. Dois mil anos após o nascimento de Jesus, a cristandade está sob um ataque maior do que em qualquer outro período do último século, levando alguns a especular que uma das três maiores religiões do mundo pode desaparecer completamente da região em uma ou duas gerações.

Do Iraque, que perdeu pelo menos metade de seus cristãos na última década, ao Egito, que assistiu à pior violência anticristã em 700 anos neste verão, à Síria, onde jihadistas estão matando cristãos e os enterrando em valas comuns, os seguidores de Jesus enfrentam violência e perseguição além de um declínio das igrejas. Os cristãos constituem hoje somente 5% da população do Oriente Médio, ante 20% um século atrás. Muitos cristãos árabes estão contrariados porque o Ocidente não fez mais para ajudá-los.

Embora muitos muçulmanos tenham crescido com amigos e colegas cristãos, política e forças sociais tornaram a coexistência mais difícil. À medida que o islamismo político cresce, cristãos já não conseguem encontrar refúgio numa identidade árabe compartilhada com seus irmãos muçulmanos.

Os apelos à cidadania com direitos iguais são pontuados por histórias de extremistas islâmicos exigindo a conversão de cristãos ao islamismo ou que eles paguem um imposto exorbitante. E muitos muçulmanos enfrentam perseguições eles próprios na medida em que os levantes árabes de 2011 continuam a repercutir por toda a região e nações tentam encontrar um equilíbrio entre liberdade e estabilidade.

Os cristãos já enfrentaram tempos difíceis antes, da matança dos seguidores imediatos de Jesus à opressão dos cristãos pelos mamelucos no início do século 13 à ascensão da atividade militante islâmica no Egito nos anos 1970. Os guerreiros que vieram em nome de Cristo também foram responsáveis por violências inter-religiosas, como n a Primeira Cruzada em 1099, quando cristãos tomaram Jerusalém e massacraram os moradores.

Permanece incerto se os tempos atuais se mostrarão mais um refluxo da história cristã ou algo mais fundamental. Mas o que está evidente é que tanto muçulmanos como cristãos, além das outras minorias da região, provavelmente serão afetados de maneira significativa por uma deterioração contínua.

Uma exceção ao declínio é Israel, onde a população cristã quase quintuplicou, para 158 mil, desde a fundação do país em 1948. Mesmo assim, sua parcela na população caiu cerca de 3% a 2%, e críticos observaram que as famílias cristãs palestinas que fugiram ou foram obrigadas a sair pouco antes da fundação de Israel deram ao país uma base artificialmente baixa.

Mas ainda há comunidades cristãs fortes de cristãos árabes israelenses – embora elas também tenham problemas. Em Nazaré, por exemplo, islamistas tentaram erguer uma mesquita bloqueando a Igreja da Anunciação. Quando impedidos por Israel, eles aceitaram colocar uma bandeira proclamando o verso corânico: “E todo aquele que busca uma religião que não seja o Islã, jamais será aceito por ele, e no futuro será um dos perdedores”.

Tradução de Celso Paciornik

Douglas Alexander: Christians left by the world to suffer

coffin egiptAcross the world this week, hundreds of millions of us will be singing of that “silent night, holy night” in the town of Bethlehem. But as Christmas approaches, with its beguiling promise of “peace on earth and mercy mild”, how many of us will reflect on the words of our great Christmas carols and be reminded that Christianity was a faith born in the East? How many of us are aware that, while the first Christmas took place in the Middle East, there today that same faith is under threat?

[The Telegraph, 21 dez 2013] Last week, the leader of the Catholic Church, His Holiness Pope Francis, chose to cast light on this dark story of persecution by taking to Twitter to warn that we “cannot resign ourselves to think of a Middle East without Christians”.

Later in the week, Prince Charles warned that “Christians in the Middle East are, increasingly, being deliberately attacked by fundamentalist Islamist militants. Christianity was, literally, born in the Middle East and we must not forget our Middle Eastern brothers and sisters in Christ”.

These were expressions of a growing concern that Christians are being deliberately targeted and attacked because of their faith. But why, when popes and princes are speaking up, have so many politicians here in the UK forsaken speaking out?

Across the Middle East, Christians have lived for almost two millennia in the place their faith was born, and since thrived within communities in Iraq, Syria, Egypt and elsewhere.

Indeed, the Ottoman Empire, which spanned much of today’s modern Middle East, was a multicultural state, with Christians cohabiting alongside Shia, Sunni, Jews, Alawites and Druze.

Yet today, the conflicts raging across the region – in Syria most acutely – are taking on an increasingly sectarian character. Since the start of the conflict in March 2011, more than 450,000 Christians have fled the country.

In Egypt, the plight of the Coptic Christians is of growing concern, with Amnesty International reporting that, this year, 207 churches were attacked and 43 Orthodox churches completely destroyed.

Christian persecution is growing across the Middle East, but tragically, the plight of Christians is global and not regional.

Research by the Pew Centre suggests that Christians are reportedly the most widely persecuted religious group in the world. Their evidence shows that, in 2011, religious groups faced harassment in 160 countries, and that Christians were harassed in the largest number of countries.

In Nigeria, Boko Haram, the militant Islamist group, are waging their bloody conflict and targeting church leaders. This month, there were reports of hundreds of houses being burnt down when members of the Boko Haram attacked Arboko village in Borno State, said to be inhabited by a small Christian community.

And in one brutal attack in Pakistan, in September this year, 81 Christians were killed when their church in Peshawar was targeted by suicide bombers, causing the Archbishop of Canterbury, Justin Welby, to describe the victims as Christian “martyrs”.

Members of my own denomination, the Church of Scotland, felt that same tragedy very personally when one of our number, Rev Aftab Gohar, minister in Abbotsgrange Church in Grangemouth, discovered that his 79-year-old mother, nephew, niece, two uncles and other friends and relatives were among 122 killed in the attack.

Rev Gohar is blessed with a strength of faith that enables him to offer forgiveness to those who have killed his family members – a powerful statement, bearing testimony to the enduring capacity of faith to nurture reconciliation.

But for such reconciliation to fully take root in our communities, we must first recognise and acknowledge the depth and extent of the divisions that need to be healed.

Thankfully, some politicians have begun to speak up. Last month, Baroness Warsi gave an important and under-reported speech in the United States warning that a “mass exodus is taking place, on a biblical scale. In some places, there is a real danger that Christianity will become extinct”. And, earlier this month, the DUP MP Jim Shannon secured a debate in the House of Commons on the persecution of Christians.

But why, given the scale of the suffering, are these still such lone voices?

Across the world, there will be Christians this week for whom attending a church service this Christmas is not an act of faithful witness, but an act of life-risking bravery.

That cannot be right, and we need the courage to say so.

In the UK today, perhaps through a misplaced sense of political correctness, or some sense of embarrassment at “doing God” in an age when secularism is more common, too many politicians seem to fear discussing any matters related to faith.

So the growing persecution of Christians around the world remains a story that goes largely untold, as does proper discussion of its complex roots and causes.

In some countries, this persecution is perpetrated in the name of a secular ideology, while in others it has its roots in religious intolerance.

So the perpetrators’ motivation is not the primary issue of concern, nor can it be a reason for ignoring the consequences; our neighbours are being attacked for their faith, and that can never be acceptable or justified, whatever the reason given.

People of all faiths and none should be horrified by this persecution. We cannot, and we must not, stand by on the other side in silence for fear of offence.

Of course, Christianity’s long history has had its bloodstained chapters, and of course other religious groups are today subject to persecution.

It is simply wrong for any faith to be persecuted. And yet, across the world, religious groups, of any faith, are being attacked for their beliefs. So, just like anti-Semitism or Islamophobia, anti-Christian persecution must be named for the evil that it is, and challenged systematically by people of faith and of no faith. To do so is not to support one faith over another – it is to say that persecution and oppression of our fellow human beings in the name of any god or ideology is never acceptable and is morally repugnant.

In this 21st century, we should be supporting the building of societies that respect human rights and the rule of law, and make clear that freedom of religion or belief is a universal concern. It is time to acknowledge this issue and speak up and stand with those who are suffering because of their beliefs.

Sixty-five years ago this month, the UN adopted the Universal Declaration of Human Rights.

Article 18 of that declaration states: “Everyone has the right to freedom of thought, conscience and religion; this right includes freedom … to manifest his religion or belief in teaching, practice, worship and observance.”

This coming year, in March, the UK will assume its place on the UN Human Rights Council.

As part of that body, the UK Government will have a unique and timely opportunity to use this platform to speak up for religious freedom as a fundamental human right and speak out against the persecution of Christians.

Acknowledging this wrong is the surest basis on which to begin the journey to reconciliation shown to be possible by Rev Gohar’s faithfulness and hope.

And if the UK government does so, we, as the Opposition, will support them.

Douglas Alexander MP is shadow foreign secretary

Racha entre muçulmanos se torna força mais perigosa no Oriente Médio

mujer-musulmanaPassados três anos desde o início da Primavera Árabe, tem se agravado a divisão entre muçulmanos xiitas e sunitas – que diz respeito não apenas a religião, mas também a poder e identidade.

[Jeremy Bowen, BBC Brasil, 20 dez 2013] Líderes tentam usar o sectarismo como uma ferramenta para proteger e reforçar sua legitimidade, assim como alguns governos europeus ainda usam o nacionalismo.

Mas as forças que estão em curso no Oriente Médio no momento podem sair do controle.

Um dos focos de tensão é Trípoli, a segunda maior cidade do Líbano – atualmente inquieta, dividida e muitas vezes perigosa.

A crescente guerra civil síria, do outro lado das montanhas de Trípoli, fomentaram um persistente conflito entre muçulmanos sunitas, majoritários na cidade, e alauítas, que são da mesma divisão xiita que o presidente sírio, Bashar al-Assad.

Pôsteres

Em todas as cidades libanesas, há pôsteres de jovens que foram mortos combatendo na Síria.

O Hezbollah, milícia xiita e partido político libanês, enviou tropas para lutar ao lado dos soldados pró-Assad.

Um sunita proeminente local observava os pôsteres, dizendo: “Tudo o que eles fizeram foi viajar e ficar (na Síria) tempo o bastante para serem mortos. Eles eram muito novos e pouco treinados (para combater).”

Alguns xiitas ainda idolatram Saddam Hussein, o líder sunita que, durante seu regime no Iraque, enfrentou o xiita Irã.

O sunita Abu Firas perdeu seu filho de 22 anos quando duas mesquitas sunitas de Trípoli foram bombardeadas, em agosto. A comunidade atribui a culpa aos xiitas.

“Pedimos permissão a Deus todo poderoso para erradicá-los”, diz Firas.

Um comandante de uma milícia sunita local diz que a raiva e a dor fazem com que Firas fale assim. Mas, a cada ação sectária que resulta em mortes, aumentam as divisões no Oriente Médio.

Sectarismo

O racha no islã remete à disputa quanto a quem deveria suceder o profeta Maomé após sua morte, em 632. Os que queriam que seu posto fosse herdado por seus seguidores próximos se tornaram sunitas. Os que defendiam que seus descendentes deveriam sucedê-lo aderiram ao xiismo.

Nos últimos tempos, a invasão americana ao Iraque, em 2003, deu um novo impulso à divisão sectária no islã.

A deposição de Saddam Hussein, maior adversário do Irã (de maioria xiita), foi um golpe à tradicional supremacia sunita no Oriente Médio. Milhares de iraquianos foram mortos em atos de violência sectária desde então.

Na outra ponta do golfo Pérsico, em Bahrein, um persistente conflito político entre a minoria empobrecida xiita e a elite majoritariamente sunita fica cada vez mais abertamente sectária. Um membro do clã que governa o país disse à BBC que isso é perceptível em confrontos nas ruas bareinitas ou mesmo sírias.

Na Síria, o levante que desde 2011 conclama mais liberdade e justiça evoluiu para uma guerra de traços sectários. Grupos extremistas sunitas, em geral seguidores da al-Qaeda, agora dominam a oposição armada a Assad.

Esses jihadistas, que usam a guerra civil para aumentar seu poder em pleno coração do Oriente Médio, têm uma visão profundamente dividida do mundo.

Eles acabam sendo rechaçados por muitos sírios sunitas e “empurram” as minorias do país – tanto cristãos quanto xiitas – para o lado de Assad.

Rivais regionais

Em Beirute, homens-bomba alvejaram a embaixada do Irã em novembro. Muitos deduziram que se tratava de mais uma escalada na chamada “guerra por procuração”, travada entre o Irã (que apoia o regime Assad) e a Arábia Saudita (sunita, que apoia os rebeldes sírios).

Os dois rivais regionais trocam acusações entre si quanto à escalada do sectarismo.

Membros da minoria xiita na Arábia Saudita, que se concentra no leste do país, se queixam de serem tratados como se fossem agentes infiltrados pelo Irã.

Tanto o Teerã quanto Riad ajudaram a alimentar as rivalidades, mas as divisões entre xiitas e sunitas também foram usadas e abusadas por líderes de outros países árabes que não têm nenhuma intenção de dividir o poder com sua própria seita, muito menos com outros grupos.

A BBC debateu o tema com o novo chanceler iraniano, Javad Zarif, no mês passado, durante negociações em Genebra que levaram a um acordo preliminar sobre o programa nuclear do país.

Zarif disse que, independentemente das diferenças quanto à Síria, os países envolvidos devem cooperar para controlar a crescente divisão entre xiitas e sunitas. O chanceler opina que essa é a maior ameaça não apenas à paz no Oriente Médio, mas à paz no mundo inteiro.

Se há uma chance de se gerenciar ou ao menos reverter a onda de sectarismo, ela provavelmente recai sobre o Irã e a Arábia Saudita. Mas os dois países são potências regionais, divididos pela História e por sua rivalidade no século 21.

Em um funeral recente para combatentes xiitas em Damasco, que morreram defendendo o regime, as pessoas enlutadas não cantavam elogios a Assad (em cujo Exército os homens morreram), mas sim entoavam slogans sectários, exaltando a tradição xiita.

Até mesmo em partes da Síria onde esses rachas são menos evidentes, há os problemas de crise econômica, falência política e repressão.

Mas a força mais perigosa, que ameaça definir a próxima década no Oriente Médio, é a tensão entre xiitas e sunitas.

Passados três anos desde o início dos levantes árabes – nesta semana, foi lembrado o terceiro aniversário da morte do tunisiano Mohammed Bouazizi, cuja autoflagelação serviu de estopim para protestos na região -, o peso de um milênio e meio de rivalidades sectárias está esmagando qualquer esperança de um futuro melhor.

Não pode haver democracia sem laicismo ~ George Corm

Georges_Corm

Georges Corm, historiador e jurista libanês, analisa a situação atual do mundo árabe.

Depois das esperanças levantadas pela Primavera Árabe em 2011 e a chegada ao poder no Egito e na Tunísia de movimentos que se declaram islâmicos, você é otimista quanto ao futuro dos países árabes?

O movimento de 2011 foi extraordinário: de Omã à Mauritânia, a consciência coletiva árabe despertou, mas as esperanças são de longo prazo. Os ciclos revolucionários do mundo árabe são longos, principalmente por conta de interferências externas. Para romper com esse movimento, se criaram pontos de fixação na Líbia e na Síria. Ambas as intervenções foram conduzidas para a catástrofe e provocaram a guerra civil quando armaram os manifestantes pacíficos. A indignação quanto a um ditador é seletiva e segue os interesses geopolíticos ocidentais junto de seus aliados locais. Acabar com um sistema ditatorial e predador para substituí-lo pelo que? Todo o Oriente Médio está sendo consumido por suas classes dirigentes e seus aliados dentro do mundo corporativo. São economias rentistas, totalmente improdutivas que geram desemprego e uma grande concentração de riqueza. Apenas a própria população pode resolver seus problemas com seus regimes políticos e econômicos e, assim, reconstruí-los.

Qual é a sua visão sobre a situação da Síria?

É uma batalha muito perigosa que ultrapassa, e muito, os desafios internos dos sírios, que pode desencadear uma guerra mundial. Enquanto existirem quase 100 mil combatentes não sírios e o financiamento estrangeiro da oposição continuar atrelado aos interesses de Turquia, França, Arábia Saudita e Qatar, não iremos a lugar algum. Estão destruindo o país de forma sistemática. Amanhã chegarão novos predadores para saquear a Síria com o pretexto de reconstrução, como ocorreu no Líbano, Iraque e Bósnia.

Em sua opinião, quais são os interesses estratégicos que atuam na região?

Agora se trata do reequilíbrio do sistema internacional e do final do unilateralismo estadunidense. A região é um caos total. Na costa sudeste do Mediterrâneo, EUA e Israel colocaram a região de joelhos com a invasão do Iraque em 2003 e depois com o ataque israelense ao Líbano em 2006. A Síria suportou cerca de um milhão e meio de refugiados iraquianos sem pedir ajuda, os tunisianos viram-se obrigados a acolher milhares de refugiados da Líbia. No Líbano, existem entre 800 mil a um milhão de refugiados sírios, ou seja, 25% da população. Nessa situação explosiva, a Europa – assim como os EUA – não desempenha nenhum papel de apaziguamento, mas exatamente o contrário.

Qual é o papel do Golfo Pérsico na região?

O aumento dos preços do petróleo desde 1973 constituiu um terremoto social no Oriente Médio de uma amplitude sem precedentes na época moderna. As elites urbanas árabes que desencadearam um “renascimento” no século 19 e adaptaram os princípios da lei islâmica às necessidades do mundo moderno, progressivamente cederam o poder cultural, religioso e midiático às famílias reinantes do Golfo, as quais dispõem de meios econômicos e financeiros desproporcionais frente aos demais regimes políticos do mundo árabe, fragilizados por suas derrotas para Israel e por fracassos no desenvolvimento. O “despertar islâmico” veio substituir o “renascimento árabe” – com seu séquito de pregadores influenciados pelo rigor teológico extremista do wahabismo. A religião muçulmana se converteu em uma arma política temível com sua aliança aos EUA na luta contra o comunismo. Abandonou-se a questão da Palestina em benefício de lutas que não são as nossas, no Afeganistão, na Bósnia, na Chechênia e no Cáucaso. Esses movimentos trazem em si, a legitimação de um autoritarismo terrível, que pretende controlar a vida dos crentes até em seus mínimos detalhes e combater os “infiéis”, muçulmanos ou não.

Contra essas “ideologias autoritárias”, você prega o retorno à liberdade de pensamento…

O grande erro de muitos intelectuais árabes tem sido deixar a questão religiosa à Irmandade Muçulmana e ao wahabismo, os quais, com seus meios, se apoderaram das mentes das pessoas. As conquistas da civilização islâmica, que instituiu uma liberdade de pensamento notável para a época, são esquecidas completamente. Falam-se apenas de Sayyid Qotb, Maududi e Ibn Taymiyyah! Agora vemos o resultado de 40 anos de uma política muito ativa, que remete à Guerra Fria, onde ocorreu uma “reislamização” das sociedades para lutar contra o comunismo. Atualmente você não é um muçulmano “representativo” se for um muçulmano moderado. No mundo árabe, sempre existiu um vivo debate sobre a maneira de interpretar o texto corânico, mas que não interessa aos setores acadêmicos e midiáticos.

Você advoga pelo laicismo, não é utópico defender um modelo impopular no mundo árabe?

Com o que ocorre no Egito, na Tunísia e na Síria, a opinião pública árabe, incluindo a parte crente, começa a compreender qual é a utilidade do laicismo. Na região do Mashreq, onde reina uma forte diversidade religiosa dentro do próprio islã, o laicismo é a única solução. Outra coisa é que não pode haver democracia sem o laicismo. Se tudo está polarizado no que concerne a referência religiosa nas instituições ou a identidade social e cultural, é porque não temos um pensamento econômico alternativo que havia deixado essa questão em segundo plano. Temos que rechaçar a análise que exclui as identidades: o problema é a desestruturação de nossas sociedades e a negação do pluralismo em uma região do mundo que é plural desde a mais longínqua antiguidade.

Qual papel desempenharia o Magreb, e Marrocos em particular, nesse contexto?

No Magreb, a Argélia tem sofrido enormemente com a onda islâmica. A Líbia está atualmente presa em uma anarquia que beneficia os elementos que se declaram militantes islamitas e a Tunísia se torna, a cada dia, mais perigosa. O Marrocos com sua monarquia de legitimidade religiosa, ao se declarar partidário de um islamismo moderado – que é o autêntico islã – poderia desempenhar um papel catalisador de um liberalismo árabe e islâmico moderno, como o que existiu nos anos 1950. É também o que tenciona fazer a Universidade de Al Azhar, no Egito. É o momento de trabalhar para restabelecer no mundo árabe a saúde mental que perdemos um pouco a cada dia e voltar a ter uma concepção de mundo aberta, tolerante e pluralista, onde, em outra época, construiu a grandeza da civilização árabe-islâmica e mais recentemente, o magnífico renascimento árabe.

[Kenza Sefrioui, do Telquel | Tradução: Vinicius Gomes, publicado na Revista Fórum, 16 dez 2013]

 ** Georges Corm, nascido em 1940 em Alexandria, assistiu em sua juventude a chegada ao poder de Nasser e a nacionalização do Canal de Suez. Possui um doutorado em Direito Público sobre as sociedades multiétnicas. Foi professor de Ciências Políticas pela Universidade Saint-Joseph de Beirute e ministro das finanças do Líbano de 1998 a 2000. Em suas numerosas obras, tanto em árabe quanto em francês, como “Le prche-Orient éclaté” e “Pour une lectura profane des conflicts”, advoga por um mundo árabe mais unido e mais independente, criticando duramente o apoio dos EUA e Europa aos Estados teocráticos como Arábia Saudita e Israel.

Angola fecha mesquitas e é acusada de interditar islamismo

isla em angolaAngola foi acusada de interditar o islã, depois de fechar a maioria das mesquitas do país, em meio a relatos sobre violência e intimidação contra mulheres que usam o véu. A Comunidade Islâmica de Angola (ICA) alega que oito mesquitas foram destruídas nos últimos dois anos e que qualquer pessoa que pratique o islã corre o risco de ser considerada culpada de desobedecer ao código penal angolano.

[David Smith, GUARDIAN, Folha SP, 29 nov 2013. Tradução Clara Allain] Ativistas dos direitos humanos condenam a repressão ampla. “Pelo que ouvi, Angola é o primeiro país do mundo a ter decidido interditar o islã”, disse Elias Isaac, diretor nacional da Iniciativa Sociedade Aberta da África Meridional (Osisa). “Isto é loucura. O governo não tolera qualquer diferença.”

As autoridades de Angola, país de maioria católica situado no sul da África, insistem que os relatos publicados na mídia mundial sobre uma suposta interdição do islã são exagerados e que não estão sendo visados locais de culto religioso.

O Reino Unido acaba de nomear Angola um de seus cinco “parceiros de prosperidade de alto nível” na África, e os dois países mantêm um relacionamento comercial crescente.

O presidente angolano, José Eduardo dos Santos, está no poder há 34 anos, sendo o segundo entre os chefes de Estado africanos no poder há mais tempo. Ele é acusado há anos de corrupção e violações dos direitos humanos.

As organizações religiosas em Angola precisam pedir reconhecimento legal, e o país hoje autoriza 83 delas, todas as quais cristãs. No mês passado o Ministério da Justiça rejeitou os pedidos de 194 organizações, incluindo uma da comunidade islâmica.

Pela lei angolana, para conseguir reconhecimento legal um grupo religioso precisa ter mais de 100 mil membros e estar presente em pelo menos 12 das 18 províncias. O status legal lhe dá o direito de construir escolas e locais de culto. Existem apenas estimados 90 mil muçulmanos entre os 18 milhões de habitantes de Angola.

David Já, presidente da Comunidade Islâmica de Angola, disse na quinta-feira: “Podemos afirmar que o islã foi interditado em Angola. É preciso ter 100 mil fiéis para ser reconhecido como religião. De outro modo, não se pode orar oficialmente.”

De acordo com a ICA, existem 78 mesquitas no país, e todas foram fechadas exceto as da capital, Luanda, porque são oficialmente não licenciadas. “As mesquitas de Luanda estavam previstas para ser fechadas ontem, mas, diante do furor internacional provocado pelos relatos de que Angola teria interditado o islã, o governo decidiu não fechá-las”, disse Já.

“Assim, no momento as mesquitas de Luanda estão abertas, e as pessoas estão indo a elas para fazer suas orações.”

Já disse que o governo começou a fechar mesquitas em 2010, incluindo uma na província de Huambo que foi queimada, “um dia depois de as autoridades nos avisarem que não deveríamos ter construído a mesquita naquele local e que ela deveria ser erguida em outro lugar. O governo se justificou dizendo que era uma invasão da cultura angolana e uma ameaça aos valores cristãos.”

De acordo com Já, outra mesquita foi destruída este mês em Luanda e 120 exemplares do Alcorão foram queimados. Ele disse ainda que os muçulmanos receberam ordens de desmontar as mesquitas eles mesmos.

“Mandam uma ordem legal de destruirmos o prédio e nos dão prazo de 73 horas para fazê-lo. Se não o fazemos, o próprio governo faz.”

As mulheres que usam o véu islâmico tradicional também estariam sendo visadas. “Do jeito como andam as coisas, a maioria das muçulmanas tem medo de usar o véu. Uma mulher foi agredida num hospital em Luanda por estar de véu, e, em outra ocasião, uma jovem muçulmana foi espancada e a mandaram deixar o país porque estava usando véu.”

“Mais recentemente, meninas foram proibidas de usar o véu em escolas católicas. Quando fomos lá tirar satisfações com as freiras, elas simplesmente disseram que não podiam permitir o véu. Embora não haja uma lei explícita, escrita, que proíba o uso do véu em Angola, o governo proibiu a prática da fé e as mulheres têm medo de anunciar sua fé, nesse sentido.”

As queixas do ICA foram confirmadas por Rafael Marques de Morais, ativista político e jornalista investigativo destacado no país. “Eu já vi a ordem que diz que os próprios muçulmanos devem destruir as mesquitas e levar os escombros embora, senão serão cobrados pelo custo da demolição.”

Ele sugeriu que o governo estaria procurando um modo conveniente de desviar a atenção da crescente hostilidade pública em relação a trabalhadores chineses e portugueses em Angola.

“O governo precisa desviar a atenção. Quer encontrar um bode expiatório para as pressões econômicas, dizendo que o islã não tem relação com os valores e a cultura angolanos.”

“O governo acha que uma lei abrangente contra o islã vai lhe angariar a simpatia tanto dos angolanos quanto dos setores da comunidade internacional que equacionam o islã com terrorismo.”

Indagado sobre a possibilidade de protestos dos muçulmanos, Marques respondeu: “Se os muçulmanos tentarem manifestar alguma ira, serão deportados no dia seguinte”.

Mas o governo angolano nega que faça qualquer tentativa de interditar o islã. “Não existe guerra em Angola contra o islã ou qualquer outra religião”, disse Manuel Fernando, diretor de assuntos religiosos do Ministério da Cultura. “Não existe posição oficial que busque a destruição ou o fechamento de locais de culto, sejam eles quais forem.”

Uma declaração da embaixada angolana nos EUA diz o mesmo: “A República de Angola é um país que não interfere na religião. Temos muitas religiões lá. É liberdade de religião. Temos católicos, protestantes, batistas, muçulmanos e evangélicos.”

Igreja faz exorcismos para livrar México de ‘diabo do narcotráfico’

santa_muerteSe nas ruas o México trava uma batalha diária contra a violência, no plano espiritual, o inimigo a ser combatido é outro: segundo padres católicos, o país está sob ataque do ‘Satanás’.

O Diabo, afirmam os religiosos, seria o responsável pela recente onda de violência que assola o país, impulsionada pelo tráfico de drogas.

[Vladimir Hernandez, BBC Brasil, 27 nov 2013] O assunto é encarado de forma tão séria pela Igreja Católica que o número de padres especializados em exorcismo – prática que expulsaria espíritos malignos – também vem crescendo no México.

Segundo os últimos dados disponíveis, pelo menos 70 mil pessoas morreram vítimas da violência no país, incluindo criminosos, membros das forças de segurança e civis inocentes.

Mas, para os padres, não se trata apenas de números. A selvageria dessas ações também vem chamando atenção.

Nos últimos anos, vêm se tornando cada vez mais frequentes, em várias partes do México, casos de crianças que acham corpos desmembrados nas ruas quando vão à escola. Ou motoristas que, enquanto dirigem, passam por pontes com corpos pendurados.

“Nós acreditamos que, por atrás de todos esses episódios, há um agente das trevas cujo nome é Satanás. Nosso Deus quer que tenhamos aqui um ministério do exorcismo e liberação, para lutar contra essa força obscura”, diz o padre exorcista Carlos Triana, da Cidade do México.

“Assim como acreditamos que Satanás estava por trás de Adolf Hitler, possuindo e dirigindo ele, também acreditamos que ele (Satanás) está por trás dos cartéis das drogas.”

Os padres exorcistas do México dizem que, nos últimos tempos, cresceu a procura por seus serviços.

A demanda é tão alta que alguns deles já estão recusando atendimentos, uma vez que precisam exorcizar demônios praticamente todos os dias.

“Isso não acontecia antes”, diz o padre exorcista Francisco Bautista, outro exorcista na Cidade do México.

A maioria dos casos, explica ele, requer uma forma mais branda de exorcismo, chamada “orações de liberação”, eficaz quando a pessoa ainda controla parte de sua mente ou do seu corpo.

Nos casos mais raros, quando o Demônio possui alguém completamente, diz ele, o bispo da diocese tem de intervir.

‘Santa Muerte’

Na avaliação de Bautista, a crescente demanda pelo exorcismo é parcialmente explicada pela grande quantidade de mexicanos participando do culto da Santa Muerte.

Estima-se que o culto, cujos frequentadores veneram um esqueleto vestido de noiva carregando uma foice, tenha cerca de 8 milhões de seguidores – incluindo aí imigrantes mexicanos na América Central, nos Estados Unidos e no Canadá.

“Esse culto foi adotado por traficantes de drogas que pediram ajuda à Santa Muerte para evitar ir à prisão e ganhar dinheiro”, diz Bautista. “Em troca, eles oferecem sacrifícios humanos. E por isso a violência vem aumentando”, explica.

Outra razão para o crescimento dos exorcismos, argumenta Bautista, é a descriminalização dos abortos na Cidade do México, em 2007. Tanto o culto quanto o aborto deixaram o México vulnerável aos espíritos malignos, insiste ele.

“As duas coisas estão relacionadas. Há uma infestação de demônios no México porque nós abrimos as portas para esse tipo de crença”, explica.

Se causa surpresa o número de mexicanos que acredita na Santa Muerte, também provoca espanto quantos deles, como os padres Triana e Bautista, creem que o Diabo e os demônios estão “operando” no país.

O exorcismo é uma prática antiga e aparece em diferentes religiões, mas muitos fieis duvidam da existência de demônios.

A linha de frente dos exorcistas no México é a região norte do país, onde, nos últimos sete anos, os militares vêm combatendo os cartéis de drogas.

Tal como os soldados, os sacerdotes têm travado ali um conflito espiritual. Um desses padres é Ernesto Caro, que vive em Monterrey, uma cidade marcada por tiroteios e sequestros freqüentes.

Ele exorcizou vários membros dos cartéis de drogas – e de um caso em particular ele não se esquece. Era um assassino de uma gangue, que confessou crimes terríveis. Caro disse que o homem cortava as vítimas em pedaços e gostava de ouvi-las chorar enquanto decepava seus membros. Além disso, também queimava pessoas vivas.

Segundo o padre, o homem havia dedicado sua vida ao serviço da Santa Muerte.

“O culto é o primeiro passo para o satanismo e, em seguida, para este grupo de pessoas [os traficantes]. É por isso que ele foi escolhido para esse trabalho.”

“A Santa Muerte está sendo usada por todos os nossos traficantes de drogas e aqueles vinculados a esses assassinatos brutais. Descobrimos que a maioria deles, se não todos, são devotos da Santa Muerte”, acrescenta.

O culto também é frequentado por criminosos, policiais, políticos e artistas.

“A maioria dos fiéis vem dos setores mais pobres da sociedade mexicana”, diz o jornalista José Gil Olmos, que já publicou dois livros sobre o assunto.

Culto

As primeiras referências à Santa Muerte surgiram no século 18, explica Olmos, e não em tempos astecas, como muitos acreditam.

“Na era moderna, o número de seguidores explodiu, especialmente após o início dos anos 1990, quando o México mergulhou em uma grande crise econômica.”

Naquele período, muitos mexicanos de classe média encontraram-se na miséria. Desesperados, procuraram conforto na Santa Muerte, acrescenta Olmos.

“Mas há oito anos, a Santa Muerte ganhou acolhida entre membros do cartel de drogas. Por quê? Porque essas pessoas dizem que Jesus ou a Virgem Maria não podem lhes dar o que eles pedem, ou seja, proteção contra os soldados e policiais, seus inimigos.”

A reportagem da BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, visitou o maior culto da Santa Muerte, uma cerimônia anual que acontece no bairro de Tepito, na Cidade do México, um local fortemente marcado por crime e tráfico de drogas.

Ali se localiza um dos maiores santuários da Santa Muerte no México. O altar é mantido arrumado por Enriqueta Romero, de 60 anos, cuja vida mudou drasticamente há 12 anos, quando chocou seus vizinhos colocando uma figura da Santa Muerte em sua janela.

Ao longo dos anos, mais e mais pessoas começaram a se aproximar para pedir ajuda ou agradecer à divindade. E agora, milhares se reúnem ali para a cerimônia mais importante da veneração, que ocorre anualmente no dia 31 de outubro, véspera do Dia de Finados, no México.

“A Santa Muerte nos ama e nos cura. As pessoas vêm aqui para pedir-lhe ajuda, desde a um filho na prisão ou com Aids, ou algo para comer”, diz Romero.

Durante a visita da reportagem, algumas pessoas chegavam ao santuário ajoelhadas. Uma delas era um homem que carregava um bebê de 20 dias em seus braços. Ele diz ter vindo para apresentar sua filha recém-nascida à imagem da Santa Muerte.

Mas todas essas pessoas estão possuídas, como a Igreja diz?

“Não, eu também acredito em Deus, na Virgem Maria, e em todos os santos, mas sou mais devoto da Santa Muerte. Ela é a única que me ajuda mais”, diz José Roberto Jaimes, um homem de 20 anos que veio de joelhos para agradecer à divindade depois de passar três anos na prisão.

Afastamento

Romero diz acreditar que a própria igreja seja responsável pela ascensão do culto, dado o número de escândalos de pedofilia que vieram à tona nos últimos anos.

“Acabaram com a nossa fé quando soubemos o que os padres vinham fazendo. Qual direito eles têm de nos criticar? Que acreditamos na Santa Muerte? Isso não é ruim. O ruim é o que eles fizeram”, diz Romero.

Questionado sobre o que acha de criminosos também seguirem a seita, Romero afirmou que “estamos em um país livre e todos podem fazer o que quiser. Todos teremos de responder a Deus em algum momento”, diz ele.

Foi o ex-presidente do país, Felipe Calderón, que lançou a ofensiva contra os cartéis de drogas no México em 2006, com o envio de tropas militares às regiões mais atingidas pela criminalidade.

Ao longo dos anos, os militares descobriram numerosos santuários, templos e até mesmo igrejas da Santa Morte, além de inúmeras evidências de sacrifício humano.

“Ele (Calderón) começou uma guerra contra esses bandidos. Também começou uma guerra contra o culto à Santa Muerte e pediu à Igreja para ajudá-lo”, diz o padre Caro.

“Mas a Igreja não está dizendo que o México ficará melhor e a salvo se nós fizermos exorcismo porque o Diabo está por trás de tudo isso”, completa o padre Triana.

“Nós temos de ser discretos (com essas práticas), do contrário nós podemos ser ridicularizados, até mesmo por nossos seguidores”, conclui Triana.

Papa Francisco e a despaganização do papado ~ Leonardo Boff

[Publicado por Leonardo Boff, em 13 out 2013]

As inovações nos hábitos e nos discursos do Papa Francisco, abriram aguda crise nos arraiais dos conservadores que seguiam estritamente as diretrizes dos dois papas anteriores. Intolerável para eles foi o fato de ter recebido em audiência privada um dos inauguradores da “condenada” Teologia da Libertação, o peruano Gustavo Gutiérrez. Se sentem aturdidos com a sinceridade do Papa ao reconhecer erros na Igreja e em si mesmo, ao denunciar o carreirismo de muitos prelados, chamando até de “lepra” ao espírito cortesão e adulador de muitos em poder, os assim chamados “vaticanocêntricos”. O que realmente os escandaliza é a inversão que fez ao colocar em primeiro lugar, o amor, a misericórdia, a ternura, o diálogo com a modernidade e a tolerância para com as pessoas mesmo divorciadas, homoafetivas e não-crentes e só a seguir as doutrinas e disciplinas eclesiásticas.

Já se fazem ouvir vozes dos mais radicais que pedem, para o “bem da Igreja”(a deles obviamente) orações nesse teor:”Senhor, ilumine-o ou elimine-o”. A eliminação de papas incômodos não é raridade na longa história do papado. Houve uma época entre os anos 900 e 1000, chamada de a “idade pornocrática” do papado na qual quase todos os papas foram envenenados ou assassinados.

As críticas mais frequentes que circulam nas redes sociais destes grupos, historicamente velhistas e atrasados, vão na linha de acusar o atual Papa de estar dessacralizando a figura do papado até banalizando-o e secularizando-o. Na verdade, são ignorantes da história, reféns de uma tradição secular que pouco tem a ver com o Jesus histórico e com o estilo de vida dos Apóstolos. Mas tem tudo a ver com a lenta paganização e mundanização da Igreja no estilo dos imperadores romanos pagãos e dos príncipes renascentistas, muitos deles cardeais.

As portas para este processo foram abertas já com o imperador Constantino (274-337) que reconheceu o cristianismo e com Teodósio (379-395) que o oficializou como a única religião permitida no Império. Com a decadência do sistema imperial criaram-se as condições para que os bispos, especialmente, o de Roma, assumissem funções de ordem e de mando. Isso ocorreu de forma clara com o Papa Leão I, o Grande (440-461), feito prefeito de Roma, para enfrentar a invasão dos hunos. Foi o primeiro a usar o nome de Papa, antes reservado só aos Imperadores. Ganhou mais força com o Papa Gregório, o Grande (540-604), também proclamado prefeito de Roma, culminando mais tarde com Gregório VII (1021-1085) que se arrogou o absoluto poder no campo religioso e no secular: talvez a maior revolução no campo da eclesiologia.

Os atuais hábitos imperiais, principescos e cortesãos da Hierarquia, dos Cardeais e dos Papas se remetem especialmente a Papa Silvestre (334-335). No seu tempo se criou uma falsificação, chamada de “Doação de Constantino”, com o objetivo de fortalecer o poder papal. Segundo ela, o Imperador Constantino teria doado ao Papa a cidade de Roma e a parte ocidental do Império. Incluída nessa “doação”, desmascarada como falsa pelo Cardeal Nicalou de Cusa (1400-1460) estava o uso das insígnias e da indumentária imperial (a púrpura), o título de Papa, o báculo dourado, a cobertura dos ombros toda revestida de arminho e orlada com seda, a formação da corte e a residência em palácios.

Aqui está a origem dos atuais hábitos principescos e cortesãos da Cúria romana, da Hierarquia eclesiástica, dos Cardeais e especialmente do Papa. Sua origem é o estilo pagão dos imperadores romanos e a suntuosidade dos príncipes renascentistas. Houve, pois, um processo de paganização e de mundanização da igreja como instituição hierárquica.
Os que querem a volta à tradição ritual que cerca a figura do Papa sequer tem consciência deste processo historicamente datado. Insistem na volta de algo que não passa pelo crivo dos valores evangélicos e da prática de Jesus.

Que está fazendo o Papa Francisco? Está restituindo ao papado e à toda a Hierarquia seu estilo verdadeiro, ligado à Tradição de Jesus e dos Apóstolos. Na realidade está voltando à tradição mais antiga, operando uma despaganização do papado dentro do espírito evangélico, vivido tão emblematicamente por seu inspirador São Francisco de Assis.

A autêntica Tradição está no lado do Papa Francisco. Os tradicionalistas são apenas tradicionalistas e não tradicionais. Estão mais próximos do palácio de Herodes e de César Augusto do que da gruta de Belém e da casa do artesão de Nazaré. Contra eles está a prática de Jesus e suas palavras sobre o despojamento, a simplicidade, a humildade e o poder como serviço e não como fazem os príncipes pagãos e “os grandes que subjugam e dominam: convosco não deve ser assim; o maior seja como o menor e quem manda, como quem serve”(Lc 22, 26).

O Papa Francisco fala a partir desta originária e mais antiga Tradição, a de Jesus e dos Apóstolos. Por isso desestabiliza os conservadores que ficaram sem argumentos.

O desejo de espiritualidade na sociedade contemporânea ~ Z. Bauman

leafPor reconhecimento geral, o sociólogo Zygmunt Bauman é um dos mais renomados intérpretes da condição humana da época atual. Nascido de pais judeus em 1925 em Poznan, na Polônia (embora resida há muitos anos na Inglaterra), Bauman cunhou a feliz imagem da “modernidade líquida” para indicar uma situação de incerteza difusa, em que parece desaparecer qualquer ponto estável de referência.

[Giulio Brotti, L’Osservatore Romano, 20 out 2013// IHU, 21 out, tradução Moisés Sbardelotto]. Eis a entrevista.

Depois de muitos anos, não parece ter se cumprido a profecia positivista pela qual a dimensão religiosa iria declinar fatalmente, com o progresso da modernidade: na América Latina, por exemplo, o pentecostalismo e o protestantismo evangélico têm um grande sucesso. Mas, quanto ao hemisfério Norte do planeta e à Europa em particular, que traços estão assumindo a fé e a espiritualidade nesta primeira parte do século XXI? A quais mudanças elas poderiam ir ao encontro no futuro próximo?

O meu colega Ulrich Beck, há alguns anos, publicou um livro intitulado Der eigene Gott (em edição italiana, Il Dio personale. La nascita della religiosità secolare [O Deus pessoal. O nascimento da religiosidade secular], Ed. Laterza). O argumento desse livro é o retorno da espiritualidade, ou talvez fosse mais correto dizer: do desejo de espiritualidade na sociedade contemporânea. Falando de um desejo, de um anseio, entende-se que ele se orienta a uma certa representação da espiritualidade, concebida como algo que poderia conferir um sentido pleno às nossas vidas, preenchendo-as.

Evidentemente, constata-se que os prazeres materiais (“da carne”, se diria tempos atrás) não bastam: é preciso um contato com algo que transcenda as nossas ocupações e preocupações cotidianas. No entanto, Beck defende – com razão, acredito eu – que esse retorno à cena da espiritualidade não corresponde necessariamente a uma adesão às instituições e aos códigos religiosos tradicionais. Ao contrário, a tendência que prevalece hoje não encontra como interlocutores naturais as Igrejas e, talvez, ao contrário do que você sugeria, nem mesmo as inúmeras seitas que confluem no vasto leito do pentecostalismo. Os gostos da nova espiritualidade não propendem pelos dogmas, pelas regras disciplinares compartilhadas: justamente para sublinhar essa novidade, Beck cunhou a fórmula do “Deus pessoal”.

Também poderíamos falar de uma religião à la carte: sobretudo os jovens operam uma seleção entre diversas fontes, às vezes decididamente exóticas, em outros casos escavando no interior da tradição católica ou, em menor medida, da anglicana e protestante. Prevalece, contudo, a atitude de hibridizar elementos diferentes, segundo as necessidades particulares e a sensibilidades dos indivíduos: nessa base, é muito difícil que se constituam grupos organizados, comunidades de fé, propriamente ditas.

Trata-se, em essência, de uma religião “psicológica”, destinada a tranquilizar e a consolar o sujeito humano?

É uma reação à instabilidade que caracteriza a vida na modernidade “líquida”: em uma época de incessantes e repentinas mudanças, busca-se uma faixa de terra para se poder plantar os pés firmemente. Um dos aspectos mais inquietantes do nosso tempo é que não se conseguem prever as consequências a médio prazo das decisões pessoais: são numerosos demais os fatores que interferem nos nossos projetos. Pensemos no que aconteceu há poucos dias nos Estados Unidos, onde, por causa do déficit do orçamento, centenas de milhares de funcionários públicos foram deixados em casa sem salário. E essa situação também pode ter pesadas recaídas na economia mundial inteira, em perspectiva. Busca-se, portanto, um ponto de ancoragem existencial, e essa exigência desemboca, em certos casos, em um neofundamentalismo religioso, mas também pode se expressar de forma diferente: ainda nestes dias, tomamos conhecimento pela imprensa que, na França, o Front National de Marine Le Pen é virtualmente o primeiro partido, segundo as pesquisas que lhe credenciam o favor de 24% dos eleitores, na perspectiva das eleições europeias.

A busca frenética por certezas também pode assumir um aspecto político?

Certamente, e pode até se traduzir na situação sui generis da política italiana, em que os partidos estão desesperadamente em busca de alguém para atacar e para desacreditar, não conseguindo se definir de modo positivo, mediante um programa próprio. O problema de uma incerteza difusa, no entanto, certamente não se deixa reduzir a uma questão interna à Itália: a perda de confiança é global, não se refere apenas a determinados partidos ou líderes, mas sim ao sistema da democracia representativa. O mundo inteiro entrou em uma fase de interregno, para usar uma expressão de Antonio Gramsci: a humanidade tenciona buscar desesperadamente dentro ou fora de si pontos de apoio para se manter de pé, ou freios para parar o fluxo indistinto que, caso contrário, ameaçaria derrubá-la.

Em nível coletivo, essa necessidade também se encontra no movimento dos Indignados, na Espanha, no Occupy Wall Street, em Nova York, ou nas reuniões na Praça Tahrir, no Cairo. Avança-se às apalpadelas, no escuro, em busca de modos para poder agir eficazmente: as instituições que tradicionalmente se faziam intérpretes das necessidades e das preocupações dos indivíduos, traduzindo-os em propostas políticas, não parecem mais à altura do desafio. Quanto tempo durará essa passagem e aonde chegaremos? Eu não acredito nos milagres em sentido tradicional, mas acredito nos milagres da realidade, por assim dizer: na abertura de novas estradas onde o percurso parecia bloqueado, na capacidade inventiva dos seres humanos. Nós, porém, por definição, não somos capazes de prever desde agora como essa capacidade poderá se expressar no futuro.

Atualmente, não parece justamente ter se atrofiado a capacidade de pensar sobre o futuro? A expectativa dos tempos messiânicos no judaísmo, a das coisas últimas no cristianismo sempre foram um elemento essencial dessas tradições religiosas. Agora, porém, tendemos a avançar à vista, como se o nosso horizonte temporal se reduzisse ao próximo fim de semana. A espiritualidade pode abrir mão da dimensão do futuro? Ela poderá sobreviver em uma condição de presente dilatado?

Não é fácil responder à pergunta que você me faz. Eu me limitaria a salientar que, nos nossos dias, a indústria do consumo propõe substitutos para a espiritualidade tradicional, fruíveis on the spot, no momento presente. Muitos produtores não se limitam a pôr no mercado bens materiais, mas os cercam com uma aura religiosa. As agências de viagens e as companhias aéreas, por exemplo, publicizam os destinos turísticos com a promessa de experiências imortais, de metas paradisíacas: os seus slogans muitas vezes são variações sobre o tema da imortalidade agora, a ser obtida imediatamente, e não depois que estivermos mortos. Visitando uma certa localidade, hospedando-se em um certo resort, assistindo a um show de rock, pode-se logo experimentar o que você pode imediatamente experimentar o que as pessoas religiosas esperam poder conseguir em outra vida. O modelo é o do café solúvel, que pode ser saboreado em poucos segundos, depois que o pó se dissolveu na água quente. As agências de marketing capitalizam o desejo de uma fuga da incerteza e da desconfiança difusas na modernidade líquida: as mercadorias atraem os possíveis compradores, prometendo-lhes uma redenção da insensatez normal da cotidianidade.

Como o senhor avalia a “novidade” do pontificado do Papa Bergoglio? Há oito meses, os seus gestos e palavras parecem ter induzido uma sensação de feliz desorientação em muitos observadores e comentaristas, crentes e não crentes. Pensemos, por exemplo, na insistência do papa sobre a necessidade de que a Igreja seja pobre, e na responsabilidade do Ocidente para com as populações do Sul do planeta.

Ah, eu estou encantado com o que Francisco [Bauman pronuncia o nome em italiano, sorrindo] está fazendo: acredito que o seu pontificado constitui uma oportunidade, não só para a Igreja Católica, mas para a humanidade inteira. O fato de o líder de uma grande confissão religiosa chamar a atenção do Norte do mundo sobre o destino dos mais miseráveis já é de enorme importância. Mas eu também fui ler o que ele afirmava em um texto seu de 1991, Corrupción y pecado (publicado na Itália pela Editrice Missionaria Italiana com o título Guarire dalla corruzione, Bolonha, 2013, 64 páginas). Nessas páginas, retornando à parábola evangélica do publicano pecador e do fariseu irrepreensível na implementação das obras da lei, ele sublinha como o relato depõe em favor do primeiro, do coletor de impostos.

Nesse livrinho, há algumas passagens muito bonitas sobre a maior gravidade da corrupção com relação ao pecado: “Poderíamos dizer – afirma Bergoglio, por exemplo – que o pecado é perdoado; a corrupção não pode ser perdoada. Simplesmente pelo fato de que, na raiz de qualquer atitude corrupta, há um cansaço da transcendência. Diante do Deus que não se cansa de perdoar, o corrupto se ergue como autossuficiente na expressão da sua salvação: cansa-se de pedir perdão”.

A rejeição do legalismo e a capacidade de Jorge Mario Bergoglio de tocar os corações das pessoas lembram a atitude semelhante de João XXIII. O atual papa é intrépido, eu diria, no seu modo de proceder: eu penso nos gestos que ele fez em Lampedusa, nos discursos dedicados aos “fora da casta” do mundo globalizado. Para voltar ao tema do qual havíamos começado, poderíamos afirmar que Bergoglio sabe falar à espiritualidade típica do nosso tempo: os seguidores do “Deus pessoal”, com efeito, não estão muito interessados nas prescrições morais emitidas pelos representantes das instituições religiosas, mas desejam reencontrar um sentido na fragmentariedade das suas existências individuais. Ainda estão à espera de um “evangelho”, na acepção original do termo – de uma boa notícia.

Os gestos e as palavras do Papa Francisco não poderiam contribuir para “recolocar em ação” justamente a religiosidade individualista do nosso tempo? Não poderiam oferecer-lhe uma perspectiva, impedindo que ela permaneça em uma espécie de limbo, sem relações com a realidade concreta?

É uma hipótese sugestiva a que você prospecta. Pessoalmente, permaneço à espera – com muita esperança e ansiedade, eu diria – dos futuros desenvolvimentos deste pontificado. Também fiquei impressionado com a ênfase que Bergoglio põe na prática do diálogo: um diálogo efetivo, que não deve ser conduzido escolhendo como interlocutores aqueles que, mais ou menos, pensam como você, mas se torna interessante quando você se confronta com pontos de vista realmente diferentes do seu. Nesse caso, realmente pode acontecer que os dialogantes sejam induzidos a modificar as próprias ideias com relação às posições iniciais. Nós temos uma urgente necessidade desse tipo de debate, porque somos chamados a gerir problemas de porte imenso, para os quais não dispomos de soluções já prontas: pensemos nas questões relativas ao fosso entre os ricos e uma considerável parte da população mundial, que ainda vive na miséria; ou na necessidade de frear a exploração indiscriminada dos recursos do planeta, de encontrar uma alternativa para um modelo de desenvolvimento – a expressão já soa irônica – que é claramente insustentável.

Todos esses problemas não param nas fronteiras nacionais: não dizem respeito aos italianos, em vez dos poloneses ou dos chineses, mas a humanidade no seu conjunto. E, de novo, parecem exigir não soluções temporárias, mas sim uma mudança radical do nosso modo de viver. A segunda parte do século passado, no campo econômico, foi dominada por dois pressupostos aparentemente indiscutíveis, que influenciaram profundamente os comportamentos individuais e coletivos dos seres humanos. O primeira foi que o Produto Interno Bruto de um país era a panaceia para todos os problemas sociais: aumentando o PIB, estes seriam automaticamente resolvidos; se, ao invés, o seu crescimento se bloqueasse ou – Deus me livre! – diminuísse, os equilíbrios sociais entrariam em crise. Em suma, o lema era: para enfrentar um problema coletivo, incrementar o PIB (e, portanto, também o consumo, porque o PIB ainda é medido sobre a quantidade de dinheiro que passa de mão em mão).

Qual era o segundo assunto?

Que a busca da felicidade andava de mãos dadas com o aumento do consumo: os lugares naturais de satisfação pessoal eram as lojas, em vez das relações sociais ou das atividades com as quais cada um podia ser útil aos seus semelhantes, cooperando com eles. Essas duas convicções produziram, de fato, uma grande quantidade de miséria material e espiritual, além de atacar gravemente os recursos naturais do planeta inteiro: de um lado, temos vivido acima dos nossos meios; de outro, descobrimos dolorosamente que a felicidade não pode ser comprada. Portanto, a todos nós hoje se pede que mudemos radicalmente a ordem das nossas vidas. Para expressar essa mesma ideia, o Papa Bergoglio provavelmente usaria um antigo termo da tradição cristã: conversão.