Mulheres reagem à ‘pornografia da vingança’

porn revancheO que você faria se descobrisse que alguém postou fotos nuas suas na internet, sem sua permissão? Chamado de “pornografia da vingança”, o fenômeno tem feito cada vez mais vítimas à medida que mais pessoas usam câmeras de celulares e mensagens para produzir, trocar e armazenar conteúdo íntimo.

[James Fletcher, BBC Brasil, 15 dez, 2013] Nos Estados Unidos, pessoas que tiveram fotos sem roupa publicadas na rede contra a sua vontade buscam mudanças na lei para punir responsáveis. A americana Hollie Toups, 33, se lembra bem do dia que mudou a sua vida. Ela estava no trabalho quando recebeu um telefonema de um amigo, avisando que tinha visto fotos nuas delas em um site pornográfico.

Ela correu para casa, abriu o computador e se deparou com fotos topless que ela tinha feito para um ex-namorado, quando tinha 24 anos. E não apenas fotos, mas seu nome, um link para suas páginas no Facebook e no Twitter, um mapa do Google com a sua localização – e um mar de comentários.

“Via as pessoas comentando as fotos em tempo real, dizendo que eu tinha de ser estuprada e coisas do tipo. Chorei por dias”, conta. “Você se sente julgada e envergonhada.”

Ela ficou com medo de sair de casa e, quando saiu, chegou a ser abordada por homens que tinham visto as fotos.

Hackers

Toups achou inicialmente que seu ex-namorado havia postado as fotos. Afinal, com o próprio termo (“pornografia da vingança”) faz supor, essa é a forma mais comum que essas imagens acabam online). Até que se deparou com imagens que ela sequer havia mostrado para ele. Seus registros haviam sido roubados ou hackeados.

Há casos de hackers que invadiram e-mails ou “nuvens” online para roubar fotos de mulheres; no caso de Hollie, ela acha que suas fotos foram roubadas quando ela deixou seu telefone na assistência técnica.

Rapidamente, a americana descobriu que não estava sozinha. Dezenas de mulheres da região tiveram fotos suas publicadas pelo site Texxxan.com, sofrendo consequências parecidas. Algumas perderam empregos e namorados. Uma cogitou o suicídio.

Toups e outras vítimas procuraram a polícia e advogados, mas a resposta costumava ser a mesma: não havia nada a ser feito.

Mas, com a ajuda de investigadores, elas começaram a levantar potenciais atos ilegais cometidos pelos sites de pornografia da vingança.

Algumas das meninas fotografadas tinham menos de 18 anos, o que configuraria pornografia infantil. Outras vítimas alegam que sites pediram dinheiro para remover as fotos delas do ar – o que poderia configurar extorsão.

E, se as mulheres forem as autoras das fotos, podem alegar direitos autorais para acionar os sites na Justiça.

Responsabilidade

Mas a quem responsabilizar? A responsabilidade recairia sobre a primeira pessoa que tiver postado as fotos online – ainda que seja muito difícil identificar um usuário anônimo.

No fim das contas, as alegações de pornografia infantil resultaram no fechamento do Texxxan.com neste ano.

Toups e outras vítimas também iniciaram um processo judicial conjunto, com base em leis de privacidade do Estado do Texas, onde moram. O alvo do processo são os donos do site, a empresa de hospedagem do site e alguns dos suspeitos de postarem as fotos.

Até o momento, elas conseguiram impedir a reabertura do Texxxan.com. Mas muitos acreditam que isso não se sustentará por muito tempo.

Hunter Taylor, criador do site, não quis dar entrevistas. Em seu depoimento em juízo, ele negou ter cometido crimes ou ter praticado extorsão e acrescentou que seu site é apenas uma plataforma para usuários postarem o que quiserem.

Criminalização

A experiência de Toups é parecida com a de outras vítimas, e no último ano mais delas têm vindo a público contar suas histórias. Esses casos – muitos deles ocorridos no Brasil – têm humanizado o debate ao redor da pornografia da vingança.

Nos EUA, muitas das vítimas querem que esses atos sejam criminalizados, e que sites de internet percam a imunidade a respeito do conteúdo que seus usuários postam.

“Não queremos dinheiro, queremos que eles sejam responsabilizados”, diz Toups.

Leis antipornografia da vingança começam a ser redigidas em estados como Wisconsin, Nova York e Maryland; Califórnia e Nova Jérsei aprovaram medidas a respeito.

Mas a lei californiana não cobre autorretratos (conhecidos popularmente pelo termo ‘selfie) – que, segundo ativistas, são as fotos mais usadas pelos responsáveis pela pornografia da vingança. A ativista Charlotte Laws diz esperar que a lei possa receber emendas no futuro.

Liberdade

Ao mesmo tempo, nem todos nos EUA concordam que a questão deva se tornar criminal. O advogado criminalista Mark Bennett concorda que a pornografia da vigança seja indesejável, mas argumenta que essa prática está constitucionalmente protegida pelo direito à liberdade de expressão.

“Protegemos os direitos das pessoas más de forma a proteger os direitos de todos nós”, diz. “Se começamos a abrir exceções porque o cara que postou as imagens é claramente um ser humano ruim, damos licença ao governo para decidir quem são as pessoas más. E não queremos que o governo faça essas distinções.”

Nem todo o debate tem argumentos tão elaborados. Após a mudança de lei na Califórnia, Hunter Moore, ex-dono de um site de pornografia da vingança, fez um vídeo se queixando: “Ah, a menina reclama porque mandou fotos nuas para algum idiota que as colocou na internet. Por que proteger essas pessoas? Assuma responsabilidade por suas ações e pare de culpar os outros”.

A ativista Charlotte Laws discorda. “Trinta ou 40 anos atrás as pessoas tiravam polaroides, mas se alguém entrasse em sua casa e roubasse as fotos, não acho que a sociedade consideraria isso culpa delas. É chocante querer culpar a vítima.”

E, se pudesse voltar no tempo, Hollie Toups voltaria a tirar fotos de si mesmo? Ela diz que sim.

“Não fiz nada de errado. Milhares de pessoas tentaram jogar a culpa em mim, (mas) sou muito teimosa.”

Será preciso mais teimosia para mudar as leis federais americanas e criminalizar a pornografia da vingança, mas ela e outras mulheres veem isso como uma busca pela justiça.

Os desdobramentos disso jogam luz sobre uma questão-chave de nossos tempos: à medida que as mudanças tecnológicas geram consequências inimaginadas, será que é a lei ou o comportamento humano que precisam se atualizar?

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