Linguagem corporal ganha peso no ambiente corporativo

Diferentes tipos de apertos de mãos, gestos que denunciam mentira ou nervosismo, objetos usados como barreiras: o corpo fala no dia a dia de trabalho.

[Maíra Amorim, O Globo, 10 mar 12] Ficar balançando as pernas, cruzar os braços, coçar o nariz e segurar o queixo com as mãos — quantas vezes por dia um profissional não realiza ao menos um desses movimentos? Em muitos casos, sem se dar conta da mensagem que pode estar transmitindo: frieza, nervosismo, mentira ou falso interesse. Pois na seleção para um emprego ou no dia a dia de trabalho, os significados da linguagem corporal ganham cada vez mais peso para recrutadores e gestores, que veem, nesses sinais, indicativos que podem dizer muito sobre a personalidade e desempenho de candidatos ou funcionários.

— Observar a linguagem corporal sempre fez parte da rotina de quem trabalha com recrutamento, mas, hoje em dia, existem mais pesquisas que comprovam essas ideias. Isso nos deixa até mais seguros na hora de aplicar esse conhecimento na prática — diz Natalia Caroline Varga, coordenadora de Recrutamento e Seleção do Nube, empresa que coloca jovens no mercado de trabalho.

No mínimo, existem dez tipos de aperto de mãos

Um dos pioneiros no estudo da linguagem corporal foi o antropólogo Ray Birdwhistell, que afirma que mais de 65% da comunicação é feita de maneira não-verbal. Então, quando um candidato chega para uma entrevista de emprego, é natural que o responsável pela seleção preste atenção nos sinais corporais.

A começar pelo aperto de mãos: muito fraco pode indicar passividade; forte demais pode sinalizar desejo de mostrar poder e intimidar o próximo; mãos suadas talvez indiquem nervosismo — segundo reportagem do site do jornal britânico The Guardian, existem pelo menos dez tipos diferentes.

— Mas é muito importante avaliar a evolução do gestual durante a conversa e o grupo de sinais transmitidos — ressalta o professor e coordenador do Pós-MBA de Negociação, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Glauco Cavalcanti. — Um aperto de mãos mais fraco pode partir, na verdade, de uma pessoa mais delicada, o que só será possível identificar ao longo da interação.

Nos últimos oito anos, Cavalcanti fotografou mais de dez mil alunos durante processos de negociação. E pôde comprovar que o corpo, fala, sim — e alto. Tanto que, diz o coordenador da FGV, as noções de linguagem corporal são cada vez mais incorporadas por políticos, especialmente durante campanhas, e até pelo FBI.

— A polícia investigativa americana aplica, por exemplo, conhecimento sobre microexpressões faciais para detectar se uma pessoa está mentindo ou não. É algo que ganha cada vez mais espaço e credibilidade — explica Cavalcanti.

Oito gestos estão mais associados à mentira

O detector de mentiras, mais que uma ferramenta usada em filmes de ficção científica, pode estar, então, nos próprios gestos.

— Oito movimentos são mais frequentemente associados à mentira — diz o coordenador da FGV, listando: tapar a boca, tocar ou coçar o nariz, esfregar os olhos, pegar na orelha, coçar o pescoço, afrouxar o colarinho e passar o dedo nos lábios. — Mas é preciso treino para identificá-los.

Outro ponto que também consegue ser detectado é o chamado “brilho nos olhos”, o que sinaliza entusiasmo, enquanto o contrário demonstra desânimo.

— O olhar firme e um aperto de mão consistente são boas maneiras de começar um contato — avalia o coach Homero Reis, que inclui, em seus treinamentos de lideranças, aspectos da linguagem corporal.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Se de um lado, é preciso relativizar a imagem corporal, do outro, há situações em que apenas um gesto pode, sim, fazer diferença.

— Isso pode pesar um pouco mais se for um gestor que tenha pouquíssimo tempo para realizar a entrevista, por exemplo. Nesses casos, um aperto de mãos que não parece seguro ou um desvio de olhar pode deixar uma primeira impressão negativa — aponta Natalia Caroline.

Objetos também transmitem sinais

Os objetos também podem ajudar o corpo a transmitir sinais. Em sua observação dos alunos em processos de negociação, o professor e coordenador do MBA “Negociação”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Glauco Cavalcanti, notou que celulares e canetas, por vezes, funcionam como espécies de barreiras.

— Quando existe baixo grau de confiança, os envolvidos tendem a colocar canetas, óculos, celular ou objetos na mesa em posição horizontal, como forma de demarcar território. À medida que a confiança aumenta, os objetos vão sendo retirados — diz Cavalcanti.

A postura à mesa também pode revelar muito: mãos espalmadas denotam receptividade; se estiverem cruzadas na altura do queixo, podem indicar atitude de defesa.

— E quando a pessoa inclina o corpo para trás, demonstra vontade de ouvir. Mas cada movimento desse costuma ser feito numa etapa diferente da entrevista ou negociação — destaca o professor da FGV.

De que forma, então, candidatos a novas vagas e funcionários deveriam tomar mais consciência quanto às mensagens transmitidas por seu corpo?

— Com muito cuidado para não perder a naturalidade. Se alguém ensaia demais os gestos, isso certamente será notado e não vai deixar uma boa impressão, seja numa entrevista ou no dia a dia de trabalho — opina Márcia Costantini, diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RJ) e proprietária da Personale.

Já a orientação para quem trabalha fazendo a seleção e tem contato direto com candidatos a vagas é tentar permanecer o mais neutro possível.

— O ideal é que o entrevistado não consiga “ler” os sinais, pois pode achar que está indo bem, quando, na verdade, não é bem isso — pontua Natalia Caroline Varga, coordenadora de Recrutamento e Seleção do Nube. — É sempre difícil manter a neutralidade, é preciso bastante treinamento. Por isso, muitas vezes as entrevistas são conduzidas por uma dupla, assim os recrutadores podem trocar feedback.

O coach Homero Reis ressalva que a avaliação corporal ainda não faz parte da realidade de todas as empresas. Mas acrescenta que cada vez mais recrutadores e especialistas em RH se familiarizam com a técnica:

— Estamos descobrindo que a palavra pode mentir, o corpo não.

A diretora da ABRH-RJ Márcia Costantini diz que, no que diz respeito aos gestores, não são todos que ficam ligados nos sinais da equipe:

— Mas não dá para ficar indiferente a alguém segurando a cabeça numa reunião.

Chef do restaurante Frontera, o holandês Mark Kwaks, responsável pela seleção e treinamento de pessoal, procura não deixar esses indicativos passarem despercebidos:

— Quando a pessoa fica quieta demais, por exemplo, pode estar com problema familiar. Se você nota isso rapidamente, é mais fácil ajudar.

Matéria publicada originalmente aqui.

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