Cresce número de idosos morando sozinhos no Brasil

Cyonea Vilas-Boas, 82, programadora de sites, mora sozinha há 17 anos, em SP

De acordo com o Censo IBGE 2011, são quase 3 milhões de idosos morando sozinhos, o que representa 14% do total de brasileiros com mais de 60 anos.

[Filipe Oliveira, FSP, 3 abr 12] Catarina Fló, 92, tem a casa invadida por netos e bisnetos toda quarta-feira na hora do almoço. Acabadas a comida e a conversa, todos voltam para seus lares e apenas ela e a empregada ficam.

É assim há quatro anos, desde que seu marido morreu. Ela diz que se sente bem sozinha: “Na minha casa eu mando na minha vida”.

O número de idosos que vivem como ela está crescendo. De acordo com dados do Censo, realizado pelo IBGE em 2011, são quase 3 milhões que moram sozinhos, o que representa 14% do total de brasileiros com mais de 60 anos.

Ficar sozinho não é escolha do idoso, segundo Sílvia Pereira, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Isso acontece, na opinião dela, porque as famílias diminuíram e as mulheres, responsáveis pelos cuidados com os mais velhos no passado, estão no mercado de trabalho.

Catarina Hüvos, 89, não vê vantagens em morar só. Mesmo assim, quando o marido morreu, há nove anos, ela não aceitou o convite para ir morar com sua filha. “É melhor para as duas. Cada uma em seu lugar faz o que quer.”

Até o final do ano passado, Catarina morava na mesma casa onde viveu com o marido. A necessidade de reformas, a falta de segurança e o trabalho para cuidar da casa e do jardim fizeram com que ela se mudasse para um lugar menor.

Mas ainda não se acostumou ao novo lar. “Era muito trabalho, mas eu gostava. Aqui não tem lugar nem pra pôr dois vasinhos.”

Independência

O advogado Eliassy Vasconcellos, 90, mora sozinho há 20 anos e está satisfeito: “Quero levar a minha vida sossegado, dormir e acordar na hora em que quiser”.

Suas atividades principais são ler, escrever e fazer marchetaria. Também faz cursos de informática e continua atuando como advogado.Ele diz que não dá trabalho para ninguém. Brinca: “Como só tenho 90 anos, garanto que estarei bem até o próximo fim de semana”.

A psicóloga Isabella Alvim, do Observatório da Longevidade Humana e do Envelhecimento, questiona o fato de as pessoas não quererem dar trabalho aos familiares. “Hoje há uma valorização excessiva do individualismo e ser dependente é quase um pecado. O idoso passou a temer o processo de envelhecimento natural.”

Perder a autonomia é parte desse processo, segundo Wilson Jacob, responsável pelo serviço de geriatria do Hospital das Clínicas.

Ele divide os idosos que vivem sozinhos em três tipos: o que é totalmente independente, o que tem funcionários para o ajudar e o que vive com a família, porém recebe menos apoio do que o necessário.

Para Jacob, faltam políticas públicas adequadas para essa população: “Não há uma solução socialmente aceita. As instituições filantrópicas não têm o mínimo de conforto que uma família aceitaria, enquanto as casas de repouso pagas chegam a custar R$ 15 mil por mês”.

Casa pra quem mora só

O mais perigoso dos acidentes domésticos, segundo a arquiteta e gerontóloga Ana Cristina Satiro, é a queda. Catarina Fló já caiu duas vezes dentro de casa: uma vez tropeçou em um degrau e outra, no tapete. Teve como saldo os dois fêmures quebrados.

Para prevenir acidentes, ajudam desde coisas simples, como não deixar obstáculos no caminho, até adaptações mais sofisticadas (veja algumas ideias ao lado). Mas a arquiteta pede calma: “Se não for necessário, não transforme a casa em uma ‘casa ortopédica’. Ninguém quer viver em um hospital”.

Segundo ela, o ideal é pensar em acessibilidade ao longo da vida. Sofás fofos, por exemplo, não são recomendados porque tornam difícil o ato de se levantar e isso piora com o tempo. O banheiro pode ter um espaço reservado para o caso de ser preciso instalar barras de apoio.

Essas mudanças, porém, devem ser feitas para aumentar a segurança, e não para simplificar a vida do idoso. Uma pessoa que consegue tomar banho em pé pode até ter uma cadeira instalada no box, mas deve ser estimulada a usá-la o mínimo possível, explica Satiro.

Para o geriatra Wilson Jacob, rotinas reduzem o risco de acidentes. Um padrão para o banho -como deixar a toalha no mesmo lugar- ajuda o idoso a se lembrar de cuidados que deve tomar.

Há ainda recursos tecnológicos para aumentar a segurança, como um aparelho de pulso chamado “tele-help”, que, quando apertado, liga para uma central de emergência. Catarina Fló está usando um desses, mas nunca precisou apertar o botão.

‘Jamais moraria com filhos’, diz mulher de 82 anos

“Vivo maravilhosamente bem sozinha. Faço tudo: dirijo, uso o computador, administro e faço serviço de casa. Também viajo muito. Estou chegando de um resort agora mesmo.

Meu marido morreu há 17 anos. Éramos casados há 47. Nunca tive a intenção de colocar alguém no lugar. Senti a falta dele, que era uma pessoa fina, amorosa, mas soube preencher com outras coisas.

Tive propostas de casamento e não quis. Reaprender a viver com uma nova pessoa seria cansativo. Permanecer na mesma casa e com as mesmas coisas foi uma decisão de imediato.

Jamais eu moraria com filhos. Eles têm a vida deles. Mãe ou sogra deixa o casal pouco à vontade.

São dois filhos e quatro netos. Os netos não vêm muito aqui, têm a vida deles, trabalham, namoram.

Não que seja melhor ficar sozinha. Não fico só. Aonde vou, converso com todo mundo e acabo conhecendo mais gente do que se estivesse acompanhada. Caminho no parque do Povo com um grupo de idosos, frequento a biblioteca com senhoras, fazemos aulas de literatura, de dança e de ioga.

Há momentos em que me sinto cansada porque exagerei nos meus afazeres. Nessas horas, minha filha fala: ‘Vai viajar que a senhora está precisando’.

Não sei o que faria se ficasse desamparada. Enquanto faço tudo sozinha, não penso nisso. Procuro nem lembrar que isso pode um dia acontecer.”

Excursões, vizinhos e animais diminuem isolamento de quem mora só

Uma das principais preocupações com o idoso que mora sozinho é o isolamento, diz a geriatra Sílvia Pereira. Ela recomenda a realização de atividades físicas e sociais para fugir de alguns riscos, como a depressão e a má alimentação.

“O idoso que come sozinho pode adquirir maus hábitos alimentares por falta de estímulo. Ele acaba trocando refeições por um pão ou uma fruta e fica desnutrido.”

Jogar tranca é a maneira encontrada por Catarina Hüvos, 89, para ficar ativa e perto de suas amigas. Ela toma ônibus para ir ao compromisso, que acontece todas as terças, quartas e sextas e aos domingos, cada dia na casa de uma delas. Ela também conhece pessoas Movimento Pró-Idosos, que promove cursos e excursões.

Dessa forma, conta, consegue escapar de uma das coisas que mais a aborrecem: “Não dá para ficar só em casa assistindo a televisão. A gente se sente inútil”.

Eliassy Vasconcellos, 90, também gosta da convivência com amigos. Conta que mora há mais de 60 anos no mesmo bairro e conversa com todo mundo. Porém, a maioria dos conhecidos são mais novos: “É um problema muito sério, a gente vive muito tempo e vê os amigos todos irem embora”.

Bicho de estimação

A gerontóloga Marília Berzins estudou em sua tese de mestrado casos de várias mulheres idosas que tinham muitos cachorros.

O trabalho ajudou a gerontóloga a entender melhor as vantagens da convivência entre bicho e gente, que ela recomenda para todas as idades, principalmente para pessoas mais velhas.A maioria, após passar por decepções com pessoas, decidiu fazer dos bichos a razão de sua vida, segundo Berzins conta: “Elas tinham fotos de animais em porta-retratos. Diziam que eles eram como filhos”.

“Animais são excelentes. Ajudam a fazer amigos, oferecem amor incondicional, incentivam a atividade física, dão afeto e razão para viver, fazem a pessoa rir”, lista, enquanto afaga seu gato.

A professora de piano Maria Julia Moraes, 78, mora apenas com sua “sheep dog”, Mel. Maria Julia nunca se casou, apesar de manter um relacionamento antigo. Diz que tem medo de se juntar com uma pessoa nessa fase da sua vida.

“Nos dois já estamos com uma certa idade. Não sei se a gente iria se adaptar. Cada um já tem os seus costumes. Estamos sempre juntos, está bom assim.”

Maria Julia diz que Mel é sua melhor amiga. Achou a cachorra na rua há quatro anos. “Uma grande sorte.” Um ano depois de ter levado Mel para casa, suas duas outras cachorras morreram.

Pare ela, Mel não dá trabalho em nada: não faz sujeira em casa e dorme sempre na sala, em um edredom colocado no chão. “Ela é muito obediente. Às vezes, deita e joga os ‘cabelinhos’ para frente. Adora fazer dengo para a mamãe.”

Eliassy não teve a mesma sorte com os animais. Ele até gosta de cachorros, mas conta que o último que teve tinha “parte com o diabo” e por isso não quer mais nenhum para lhe dar trabalho.

“Eles são malcriados e indisciplinados. Dei o último que eu tive para uma amiga e, de tão bonzinho que ele era, ela nunca mais falou comigo.”

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