Um Deus não teísta. Um novo cristianismo para a pós-modernidade

[Por Claudia Fanti, Adista, 29 nov; IHU 3 dez 2010. Tradução de Moisés Sbardelotto].

Se o cristianismo quiser continuar falando ao mundo pós-moderno, terá que fazer isso com base em ideias e palavras radicalmente novas. Mudança ou irrelevância, enfim, é essa alternativa: embora a tarefa seja imensa, embora pareça ambiciosa, a reformulação de toda a fé cristã será cada vez mais o seu único caminho de sobrevivência.

Esse é uma questão que se tornou central na pesquisa teológica mais avançada, como indica por exemplo a Agenda Latino-Americana 2011, dedicada ao tema “Espiritualidade sem mito. Uma outra religião é possível”. E que foi corajosamente abordada em livros que se tornaram pedras angulares nesse ainda breve percurso, como o publicado na Bélgica no ano 2000 e publicado em italiano em 2009 por iniciativa da Massari Editora, pelo jesuíta belga Roger Lenaers, “Il sogno di Nabucodonosor o la fine di una Chiesa medievale”: uma tentativa de traduzir a mensagem cristã em uma linguagem em que o homem e a mulher modernos possam se reconhecer.

Ou então o que surgiu em 2002, do teólogo e bispo episcopaliano John Shelby Spong, “A New Christianity for a New World: Why Traditional Faith Is Dying and How a New Faith Is Being Born”, que a mesma editora Massari decidiu apresentar ao público italiano, com o título “Un cristianesimo nuovo per un mondo nuovo. Perché muore la fede tradizionale e come ne nasce una nuova” (368 páginas).

Assim, a editora Massari mostra uma atenção confirmada também pela recente publicação do livro de Gumersindo Lorenzo Salas, “Una fede incredibile nel secolo XXI. Il mito del cristianesimo ecclesiastico” (224 páginas, introdução de Giovanni Franzoni).

O livro de Spong é a tentativa de oferecer uma visão do cristianismo “tão radicalmente reformulada que possa viver neste novo mundo audaz” e “tão global que, em comparação, a Reforma do século XVI parecerá uma brincadeira de crianças”, mas que permaneça, apesar disso, ligada à “experiência que deu origem a essa fé-tradição há mais de 2 mil anos”.

Não por acaso o autor se professa como “um alegre, apaixonado, convicto crente na realidade de Deus”: “Acredito que Deus é real e que eu vivo profunda e significativamente em relação com essa divina realidade. Proclamou Jesus como meu Senhor. Acredito que ele mediou Deus de um modo poderoso e único na história da humanidade e em mim”.

Porém, acrescenta, “não defino Deus como um ser sobrenatural. Não acredito em uma divindade que pode ajudar uma nação a vencer uma guerra, intervir para curar a doença de uma pessoa querida, permitir que uma equipe esportiva em particular vença a sua adversária”.

“Além do teísmo, mas não além de Deus”

Segundo Spong, o Deus entendido teisticamente como “um ser com poder sobrenatural, que habita fora deste mundo e que invade o mundo periodicamente para realizar a sua divina vontade”, um ser com poderes milagrosos a ser suplicado, obedecido e comprazido, diante do qual devemos nos prostrar como um escravo diante do patrão, está hoje morrendo, se já não estiver morto.

Embora as autoridades eclesiásticas prefiram continuar o jogo do “faz de conta”, gritando sempre mais forte as antigas formulações, o Deus teísta, como “explicação do que era até agora inexplicável”, está desaparecendo do nosso horizonte, empurrado sempre mais para as margens por meio de cada nova descoberta científica.

E aos seres humanos, que haviam se confiado com sucesso a essa divindade, durante séculos, para enfrentar a consciência da finitude e da insignificância humana, se encontram agora novamente diante do trauma da solidão e da perda de significado.

Porém, como evidencia Spong, se o teísmo, como descrição humana de Deus, morre, não é óbvio que Deus também deva morrer. Isto é, não é óbvio que a única alternativa ao teísmo seja o ateísmo (ou um insignificante deísmo: isto é, a afirmação de um Deus tão além da vida deste mundo que torna impossível qualquer relação com o divino): “A nossa sempre maior autoconsciência não poderia nos permitir entrar em relação com aquilo sobre o qual o nosso ser está fundamentado, que é mais do que somos, mas que também faz parte daquilo que somos?”.

Assim, a nova maturidade que nos é pedida, traduzindo-se na dolorosa, assustadora renúncia a “um ser sobrenatural que nos sirva de genitor, que nos cuide, nos vigie e nos proteja”, abre caminho para uma nova busca: a de “uma transcendência que entra na nossa vida, mas que nos chama para além dos limites da nossa humanidade, para um ser externo, mas para o Fundamento de todo o ser”, para a compreensão de um Deus que “pode ser aproximado, experimentado, apresentado de modo radicalmente diferente”.

A pergunta diante da qual nos encontramos torna-se: “Existe uma realidade que concordamos em chamar com a palavra de Deus, cujo rosto pode estar escondido, mas cujos efeitos posso ver?”. E Spong não se isenta à tentativa de dar uma resposta: “Deus é a fonte última da vida. Venera-se Deus vivendo plenamente, compartilhando profundamente”. E ainda: “Deus é a fonte última do amor. Adora-se esse Deus amando generosamente, difundindo amor com delicadeza, doando amor sem se deter para avaliar o custo”.

E por fim: “Deus é o Ser, e veneramos esse Deus tendo a coragem de ser tudo aquilo que podemos ser”, indo além “do modo de sobreviver fechados em nós mesmos, ao qual a vida humana está tão profundamente atrelada”. “Hoje, eu vivo – escreve Spong – na convicção de que não estou separado desse Deus. (…). A alteridade vem ao meu encontro. A transcendência me chama. Deus me abraça”. E, portanto, “Deus não está morto. Verdadeiramente entramos em Deus. Somos portadores de Deus, cocriadores, encarnação daquilo que Deus é”.

O cristianismo do futuro

O autor também não renuncia à tentativa de responder a uma outra pergunta crucial, da qual depende o próprio futuro do cristianismo: “É possível ser capaz de contar a história de Cristo deixando de lado a concepção teísta de Deus?”. Renunciando ao retrato terreno do Deus teísta em forma humana, enfim, restaria algo de Jesus? Para Spong, permaneceria uma vida humana que, “apesar disso”, torna “conhecível, visível e fascinante o Fundamento de todo ser”: “alguém que esteve mais profunda e plenamente vivo do que qualquer outro que eu jamais encontrei”, alguém que “rompe os limites” e permite “superar as barreiras humanas e alcançar a divindade que a sua vida revela”, que “revela a fonte do amor e depois nos chama a nela entrar”.

E, por fim, como será a Igreja no mundo pós-teísta, uma vez que o culto não terá mais o objetivo de confessar os nossos pecados a um “paterno juiz”, nem de contar com o poder das orações comunitárias para dirigir o curso da história do mundo, nem de purificar as crianças por meio do batismo “da humanidade caída na qual nascemos”, nem de “reatualizar liturgicamente o divino sacrifício realizado para assegurar o nosso resgate de uma suposta condição desesperada de pecado original”?

Se uma nova humanidade “depende da nossa capacidade de irmos além da nossa mentalidade egocêntrica de sobrevivência”, um dos objetivos da nova Igreja será o de organizar a vida de culto de modo a encorajar o amor desinteressado pelos outros.

E esse será o motivo pelo qual Jesus continuará estando no centro da nossa liturgia “como fúlgido exemplo de quem conseguiu viver plenamente, amar sem limites e ser tudo o que ele foi capaz de ser”.

Do mesmo modo, a Igreja do futuro se dedicará à expansão do Reino de Deus, agindo com determinação não por um programa religioso, mas pelo programa da vida, da vida em abundância para todos, não impondo sua própria verdade a ninguém, mas vivendo só “para aumentar o amor que está presente na vida”.

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