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Crack, uma epidemia devastadora ~ por Ricardo Young

A poor man sitting at the helm of a boat deep ...

Quem é pai ou mãe tem preocupações constantes, não importa a idade de seus filhos. Porém, nos últimos anos, não existe assombração maior para familiares do que o fantasma do crack – droga derivada da cocaína, adaptada para ser fumada, o que torna seu efeito rápido e devastador no organismo do consumidor. O vício acontece numa velocidade absurda; pesquisas apontam que em um mês o usuário passa de eventual a dependente. E os pesadelos começam: veloz perda da realidade, necessidade cada vez mais frequente de consumir a droga, e também ergue-se uma barreira de convivência entre o usuário e sua família, afinal ele não consegue se relacionar mais com as pessoas.

Considerada em passado recente droga das populações menos favorecidas, o perfil do usuário vem mudando a cada ano, atingindo todas as classes sociais. Segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, entre 2006 e 2008, o número de usuários de crack com renda familiar acima de 10 000 reais aumentou 139,5%. Em algumas das mais caras clínicas particulares de tratamento de dependências químicas em São Paulo, cerca de 60% das internações são de usuários de crack.

Segundo dados da Junta Internacional de Fiscalização a Entorpecentes (Jife) — órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) — o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking de maior consumidor mundial dessa droga e tem a principal rota de tráfico internacional de cocaína no Cone Sul.

O vício em crack tornou-se um caso de saúde pública que está beirando níveis epidêmicos e é um enorme desafio para as autoridades brasileiras. Em maio passado, o governo federal lançou um plano de tratamento e combate à droga, que é mais uma releitura do programa anunciado em junho do ano passado, que não foi implementado. A meta do governo desta vez é investir 410 milhões de reais e dobrar de 2 500 para 5 000 o número de leitos para dependentes químicos no Sistema Único de Saúde (SUS), criar abrigos e centros para apoiar usuários e capacitar professores da rede pública para lidar com os jovens dependentes.

Se o governo conseguir implantar o que promete já será um avanço. Pequeno, mas insuficiente. Cientistas vêm pesquisando formas inovadoras de tratamento, porém, não há informações de que o sistema público de saúde esteja adotando esses novos tratamentos. Embora o assunto já esteja sendo abordado na Câmara e no Senado, que aumentou para 100 milhões de reais a verba destinada ao tratamento de dependentes de crack, ainda é muito tímida a iniciativa no âmbito de políticas públicas. Deve haver incentivo para a produção de pesquisas inovadoras nos tratamentos; apoio às universidades para implementação de centros de referência; garantia de apoio multidisciplinar como psicológico e assistência social para usuários e familiares; entre outras iniciativas.

É importante se avaliar o aspecto social nos tratamentos, visto que o crack, por ser ilícito, é distribuído em um cenário de marginalidade e violência. Para conseguir saciar o vício, o usuário perde a noção do perigo e envolve-se constantemente em situações de alto risco. Segundo dados da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp –, a mortalidade associada ao crack é de 30%, sendo que metade das vítimas morre em confrontos violentos com traficantes ou policiais, e isso deve ser levado em conta na hora de planejar o tratamento adequado para cada usuário.

O avanço da droga na infância, segundo um levantamento da Secretaria de Saúde de São Paulo, mostra que, em dois anos, dobrou o número de crianças e adolescentes em tratamento contra a dependência de crack. Há casos de crianças com 10 ou 11 anos, viciadas na droga, o que está levando a outro grave problema: mães desesperadas estão prendendo seus filhos com cadeado e corrente para afastá-los do crack.

A cura é possível, como demonstram vários relatos de ex-usuários publicados nos veículos de comunicação, mas não é fácil e pode levar anos. Ainda há o risco de recaída. Segundo grupos de ajuda como os Narcóticos anônimos, deve haver controle a vida inteira. A família tem papel fundamental na recuperação e manutenção da saúde de ex-dependentes e podem ajudar a exercer esse controle com equilíbrio.

Fonte: Ricardo Young, na Carta Capital, 30 jul 2010

Consumo de crack cresce sem controle no Brasil

Fonte: O Globo, 7 fev 10

O crack, droga derivada da cocaína, está se tornando um flagelo nacional, espalhada pelo país em diferentes classes sociais e tomando até salas de aula, contam Catarina Alencastro e Odilon Rios em reportagem publicada pelo GLOBO neste domingo.

Em Maceió, a imagem dos santos despedaçados, num altar da escola estadual Benício Dantas, virou o símbolo da derrota dos professores na luta contra o tráfico de drogas. Invadida várias vezes, a escola já teve salas, pavilhões, corredores e banheiros destruídos e reconstruídos várias vezes. Há dois registros de tiroteio na escola, o ginásio de esportes virou uma cracolândia, e os alunos fumam maconha nas salas de aula. No turno da tarde, 25% dos estudantes desistiram de estudar na escola ano passado. Casos como esse são rotina em Maceió. Dados do Ministério Público Estadual indicam que 30% dos alunos das 120 escolas da rede pública estadual na capital alagoana, entre 10 e 20 anos, estão envolvidos com o tráfico ou viraram viciados.

Os dados oficiais mais recentes mostram que essa tragédia se repete em outras capitais e cidades brasileiras. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em sua última publicação, revelou um aumento na circulação do crack no Brasil. Em 2002, 200 quilos da droga foram apreendidos. Em 2007 – último dado disponível – foram 578 quilos apreendidos. O montante equivale a 81,7% do crack apreendido na América do Sul.

Em todo o país, os serviços de atendimento a dependentes químicos relatam que mais e mais pessoas, independentemente da classe social, vêm nos últimos anos procurando ajuda para se livrar do vício do crack. A droga já é a segunda maior causa de procura por atendimento nos centros do SUS especializados em abuso de álcool e drogas, o CAPS-AD. Nesses locais, o crack só perde para a bebida.

РA rede de tratamento em algumas regi̵es foi surpreendida pelo aumento da procura pelo tratamento (do crack), principalmente nas grandes cidades Рconstata Pedro Gabriel Delgado, coordenador do Programa de Sa̼de Mental do Minist̩rio da Sa̼de.

No Rio, o Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad), ligado ao Instituto de Psiquiatria da UFRJ, tem dados preliminares de um estudo ainda não publicado. Nele, constata-se que, em março de 2007, só 15% dos entrevistados haviam experimentado o crack. Em junho de 2008, esse percentual subiu para 25%. O número de pessoas que tinha usado a droga nos últimos 30 dias em março de 2007 não chegava a 1%; em junho de 2008, eram 10%. A prefeitura do Rio estima que pelo menos 800 pessoas em situação de risco (moradores de rua, principalmente) são viciadas em crack.

Em Salvador, de 2006 a 2009, 5.618 novos usuários passaram a ser atendidos pelo Programa de Redução de Danos da Universidade Federal da Bahia, um dos principais centros de estudos sobre o assunto. O alvo da pesquisa foi a população de rua e se refere só aos que aceitaram começar um processo para abandonar o vício. Para se ter uma ideia do problema, em 2006, só 26% dos novos usuários de drogas atendidos eram consumidores de crack. Em 2009, a proporção pulou para 34%; em 2008, chegou a 37,8%. Já uma pesquisa de amostra realizada com pacientes internados por dependência química, em 2006, em Porto Alegre, revelou que 43% estavam ali por conta do crack.

Um dos motivos do aumento do consumo da droga é que muitos usuários de cocaína injetável migraram para o crack, após o boom da epidemia de HIV que surpreendeu esse grupo, diz o professor Félix Henrique Kessler, vice-diretor do Centro de Pesquisa em álcool e drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

” Depois que se fica dependente de crack, é difícil sair. O melhor é não entrar nessa “

– Quase todos os usuários de cocaína injetável migraram para o crack – diz.

Os dados oficiais mais recentes sobre o tema são de 2005 e dão conta de que pelo menos 380 mil brasileiros fumavam, regularmente, a pedra feita com o subproduto da cocaína. Para combater o problema, o Ministério da Saúde aposta em diversificar o tratamento. A abordagem de usuários nas ruas é uma das estratégias. A exemplo do que ocorre em Salvador, Rio e outras 12 capitais montarão consultórios de rua para atrair pacientes que resistem a procurar ajuda.

– Depois que se fica dependente de crack, é difícil sair. O melhor é não entrar nessa – alerta o professor Kessler.