Milícias usam violência sexual como arma de guerra no Congo

Nos cinco minutos que você levará para terminar de ler esta reportagem, pelo menos três mulheres terão sido estupradas na República Democrática do Congo. A cada hora, 48 mulheres são violentadas no país, segundo um estudo publicado no American Journal of Public Health. Organizações de proteção aos direitos humanos também registram um número impressionante de vítimas masculinas.

[BBC Brasil, 24 ago 12] No total, 22% dos homens e 30% das mulheres do Congo já foram vítimas de violência sexual em ataques relacionados ao conflito, segundo números de 2010. Tais estatísticas levaram a enviada da ONU ao país, Margot Wallström, a classificar o país como a “capital mundial do estupro” em um apelo para que o Conselho de Segurança tomasse uma atitude para interromper a barbárie.

Mas se os números já são chocantes, os depoimentos reunidos pelo jornalista Will Storr em uma investigação exclusiva para a BBC são um grito de socorro que a comunidade internacional não deveria ser capaz de ignorar.

Os relatos foram reunidos no documentário de rádio An Unspeakable Act (na tradução livre algo como “Um Ato Sobre o Qual não se Pode Falar”).

O próprio Storr admite que é difícil ouvi-los até o final, mas diz que o objetivo das vítimas era justamente conseguir que seus dramas fossem divulgados, em uma tentativa de romper o imobilismo internacional sobre o tema.

Relatos

Uma das vítimas, por exemplo, conta como foi estuprada por quatro homens que mataram seu marido e seus seis filhos enquanto riam e pareciam se divertir. “Nunca vou conseguir esquecer. Desde então, tenho uma dor na cabeça constante por causa de todos esses pensamentos ruins. Ao lembrar tudo isso agora, parece que minha cabaça vai explodir”, diz a vítima.

Outra mulher relata como os estupradores mutilaram sua genitália – algo frequente nos ataques, como explicam médicos que atendem as vítimas.

Um homem disse ter sido vítima de abusos sexuais cometidos por integrantes do Exército e descreve os ataques e suas sequelas físicas e psicológicas. “Na primeira vez eles me amarraram, me bateram, mataram minha mãe, meu pai e meus filhos na minha frente”, diz. “Depois voltaram e me usaram por vários dias.”

Um total de 6 milhões de pessoas já foram mortas no conflito na República Democrática do Congo desde 1996. Hoje, a média de mortos é de 54 mil por mês.

Os estupros são cometidos tanto por milícias quanto pelas forças oficiais. Especialistas explicam que, mais do que atos de violência em um ambiente socialmente degradado e sem lei, esses abusos são uma tática de guerra.

Arma de guerra

“A violência sexual em conflitos armados é uma tática de uma eficiência incrível porque ela humilha, envergonha e traumatiza a vítima”, explicou Lara Stemple, diretora do programa de Saúde e Direitos Humanos da Universidade da Califórnia.

“Em um conflito armado em que a violência está por toda parte, o estupro é um instrumento de dominação total, de subjugação completa.”

Para Chris Dolan, diretor de um projeto que dá assistência legal a refugiados congoleses em Uganda, os abusos sexuais são uma arma de guerra mais eficiente do que as convencionais porque rompem a harmonia e o tecido social de uma comunidade.

“Todas as relações entre os integrantes de uma família, e dessa família com a vizinhança e com a sua comunidade podem ser afetadas por um estupro.”

Desde 2009, Dolan dirige uma campanha para ampliar a conscientização sobre o fato que vítimas de violência sexual podem ser homens além de mulheres.

Sua organização também oferece ajuda às vítimas masculinas, que sofrem com graves sequelas físicas, além de serem estigmatizadas em sua comunidade.

“As sequelas psicológicas de um abuso desses também são terríveis. As pessoas descrevem essa situação como uma tortura interna”, diz William Hopkins, psiquiatra da organização Freedom from Torture, explicando que a vítima passa a “odiar a si mesmo.”

Responsabilidade

Segundo Storr, uma das questões mais difíceis de se entender ao analisar o problema dos estupros endêmicos no Congo é como tantos congoleses – sejam eles integrantes de milícias ou do Exército do país – podem cometer tais atos de barbárie.

Especialistas explicam que a maioria dos estupros são coletivos e aqueles que cometem tais abusos não se sentem individualmente responsáveis por seus atos.

Muitos dos estupradores não têm problema em descrever os ataques e até se sentem “orgulhosos” de fazer parte dos grupos que cometem tais violências.

Um dos milicianos entrevistados no documentário, por exemplo, diz que fica “feliz” depois dos estupros e se torna mais violento quando as vítimas reclamam “mais do que deveriam”.

Segundo informações apuradas pelo documentarista, a formação militar dos milicianos e militares, estruturada de modo a desprovê-los de sua “individualidade” e “”humanidade”, também ajudaria a agravar o problema.

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