Lançamentos em SP põem em xeque função dos shoppings na cidade

Especialistas defendem projetos que facilitem a circulação das pessoas e não seu isolamento.

[Mariana Della Barba e Maurício Moraes, BBC Brasil, 28 fev 12] A abertura de grandes lojas deu nova cara à Avenida Paulista nos últimos anos. Agora, o lançamento de um novo shopping na via mais conhecida de São Paulo e outras inaugurações na vizinhança reforçam a vocação comercial da região, mas também dividem os especialistas sobre a viabilidade e a sustentabilidade de tais empreendimentos na cidade.

Até 2014, a região da Paulista e do bairro dos Jardins, que já concentra um grande número de lojas, ganhará dois novos shoppings. O mais vistoso deles será o Cidade de São Paulo, que está sendo levantando no terreno da antiga residência dos Matarazzo, na esquina da Avenida Paulista com a Rua Pamplona.

Com o aquecimento da economia, os lançamentos também aumentaram no interior do país. Só neste ano serão inaugurados 42 shoppings no Brasil, segundo a Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers). O montante representa quase 10% de todos os 430 centros comerciais atualmente em operação no país.

Para Marcelo Sallum, sócio-diretor da empresa de gestão de shoppings Lumine, que assessora o Cidade de São Paulo, uma mudança do perfil da Paulista e uma grande demanda por serviços como restaurantes, por exemplo, justifica a inauguração do empreendimento, que além de lojas também abrigará escritórios.

“A mudança de perfil da Paulista nos últimos anos, com varejo de alto padrão, corrobora ainda mais o potencial da avenida para um novo shopping como o Cidade de São Paulo”, afirma.

O impacto no trânsito em uma região já congestionada e a construção de shoppings ao estilo ‘caixote’, isolado do entorno urbano, preocupam especialistas, no entanto.

O arquiteto Valter Caldana, professor da Universidade Mackenzie, pondera que há projetos com impacto positivo, mas faz alertas.

“A ideia de um shopping fechado, que nega a cidade, e não promove a circulação e a conexão das pessoas com as ruas do entorno é uma ideia ultrapassada, que ficou no século 20”, diz Caldana.

O professor defende que a “vitalidade da cidade está nas ruas” e que é saudável incentivar o comércio de rua, que pode eventualmente se esvaziar com a migração de lojas para os shoppings.

Para incentivar este comércio, Caldana diz que é preciso “aterrar fios, ter calçadas arrumadas, com mais iluminação e segurança”.

“Não dá para apostar em uma cidade que se entrincheira e depende do automóvel. Os novos shoppings têm de ser mais abertos”, diz o professor, citando o Conjunto Nacional, na mesma avenida, como um bom exemplo de uso misto do espaço (com lojas, escritórios e apartamentos) e integração com a cidade.

Impacto

A uma quadra do futuro Cidade de São Paulo, outro antigo endereço da família Matarazzo pode abrigar um novo shopping. Trata-se do hospital desativado Humberto Primo, cujo projeto ainda aguarda análise da Prefeitura.

Nos Jardins, o prédio de um emblemático restaurante paulistano dará lugar a uma filial do luxuoso Shopping Cidade Jardim. A expansão também ocorre nas estações do metrô, como a da Vila Madalena.

Para a arquiteta Heliana Vargas, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU), um shopping tem o potencial para mudar o entorno de uma região, positiva ou negativamente.

Segundo ela, empreendimentos em áreas de baixa ocupação podem impulsionar o desenvolvimento de um região, como ocorreu com o Shopping Center Norte na época de sua inauguração.

“Mas um dos principais problemas é o impacto viário, pois os programas de melhoria no sistema viário atrelados à construção de shoppings nunca são suficientes”, diz Heliana, explicando que eles costumam levar em conta só o empreendimento em si, esquecendo que o entorno também muda e pode gerar mais trânsito.

Poder público

A professora da FAU-USP também afirma existir uma deficiência dos órgãos públicos na fiscalização dos impactos trazidos por grandes empreendimentos.

“Enquanto as construtoras desses shoppings investem muito em estudos mercadológicos e de impacto, o poder público não tem competência técnica para analisar se esses empreendimentos são realmente viáveis”.

Valter Caldana afirma que a legislação da cidade é hoje adequada. Mas além do poder público, ele também cobra mais responsabilidade do setor privado.

“É fundamental que os shoppings e grandes lojas se responsabilizem pelo impacto nas ruas do entorno. Hoje temos calçada com buraco na frente de lojas que vendem produtos de R$ 1 milhão”, critica.

Contrapartidas

Na capital de São Paulo, o processo para autorização para novos shoppings depende de análise de vários órgãos da Prefeitura, como a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e a Secretaria do Verde e Meio Ambiente.

Para a construção do Cidade de São Paulo, a Prefeitura exigiu como contrapartida o rebaixamento das calçadas junto à faixa de pedestres em dois cruzamentos e adequação da sinalização de trânsito em um raio de 30 metros.

O novo empreendimento também terá de manter 41 das 159 árvores do terreno – outras 19 deverão ser transplantadas e mais 727 devem ser plantadas (sendo que 621 delas no vizinho parque Trianon).

Metrô de SP investe em shoppings

Até o fim de 2012, a estação Tucuruvi do Metrô paulistano ganhará um shopping. O mesmo ocorrerá na estação Vila Madalena, cujo projeto aguarda aprovação.

Atualmente com três centros comerciais conectados às suas estações, o Metrô pretende inaugurar outros shoppings nos próximos anos. Já há outros dois estudos em curso.

O gerente de negócios do Metrô, Aluisio Gibson, explica que se tratam de “investimentos associados”, já que os terrenos e os prédios pertencem ao Metrô, enquanto a empresa que vence a licitação investe no empreendimento e administra as operações por um tempo estipulado no contrato. Uma parte do faturamento é repassado ao Metrô.

Camila Amadeu, gerente de projetos da Método Engenharia, empresa vencedora da concorrência para a implantação do shopping Metrô Vila Madalena, explica que o centro comercial será construído acima de onde hoje é o terminal rodoviário.

De acordo com Gibson, estudos indicam que 60% dos usuários vêm do metrô, portanto não haverá impacto pesado no trânsito da região da Avenida Heitor Penteado.

*Colaborou Jéssica Fiorelli, da BBC Brasil em São Paulo

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