Igreja católica dos Estados Unidos sofre evasão crônica de fiéis

Dois milhões “estão em fuga” de Roma. É o efeito causado pelos abusos: uma hemorragia de fiéis nos Estados Unidos. 3% dos católicos norte-americanos abandonaram a Igreja por causa dos escândalos dos sacerdotes pederastas, segundo um estudo da Universidade de Notre Dame realizado por Daniel M. Hungerman.

[Giacomo Galeazzi, Vatican Insider/IHU, 25 nov 11]. E quem tira maior proveito da crise do catolicismo norte-americano é a confissão batista. Guido Mocellin, na revista dos padres dehonianos Il Regno, já havia chamado a atenção sobre o propósito de uma “crise de credibilidade” da Igreja nos Estados Unidos. A culpa é sobretudo da linha de conduta de omissão aplicada pelos bispos antes que a “tolerância zero” fosse imposta por Bento XVI.

Durante muitos anos os bispos norte-americanos, de fato, trataram de encobrir os sacerdotes culpados negociando as indenizações às vítimas longe dos tribunais, em vez de denunciar cada um dos casos que chegavam ao seu conhecimento à autoridade judicial e afastar os acusados de seus trabalhos pastorais. Pareceu tardia a admissão pública dos prelados de sua precedente inaptidão e inadequação, frente às violências sexuais perpetradas contra menores por parte de sacerdotes. A sensação de “que na Igreja católica tenha prevalecido a preocupação em defender os próprios sacerdotes mais do que as vítimas; que os bispos tenham preferido gastar bilhões de dólares com indenizações sob sua jurisdição; que tenha sido traída de um modo tão óbvio a confiança que a instituição eclesiástica católica mereceu sob outros aspectos, dando primazia aos aspectos legais e financeiros em detrimento dos pastorais, está produzindo, particularmente no “católico americano” comum, sentimentos de dor, tristeza, repulsa, raiva, frustração e confusão”.

É como se coletivamente, na relação entre a Igreja como instituição e a Igreja como povo, se “tivesse reproduzido em parte a dinâmica existente em cada uma das violências que foram praticadas, entre o sacerdote e o menor convertido em vítima”. A onda de escândalos que produziu esta evasão de dois milhões de fiéis teve nos Estados Unidos dois gravíssimos precedentes. Em 1985, o caso da diocese de Lafayette, em base ao qual os bispos começaram a tomar consciência do problema, e no começo dos anos 1990, quando um ex-sacerdote, J. Berry, publicou o livro Não nos deixeis cair em tentação: os sacerdotes católicos e a violência sexual contra menores. “O que desconcerta a opinião pública não é tanto a violência em si do comportamento sexualmente incorreto de um certo número de sacerdotes contra menores: outras instituições, especialmente as outras Igrejas, não se viram menos afetadas que a Igreja católica pelo fenômeno – é a análise de Mocellin. A porcentagem de sacerdotes autores deste comportamento em relação ao total, que está estimado entre 3% e 6%, não se afasta da porcentagem global dos autores de violências sexuais contra menores em relação ao total da população”.

A opinião pública norte-americana (e a cota de fiéis católicos que fazem parte dela) se alarmaram gravemente por causa do dado, que veio à luz, segundo o qual muitos bispos trataram de encobrir a responsabilidade de seus sacerdotes: não denunciando-os às autoridades judiciais, fazendo acordos indenizatórios em dinheiro com as vítimas em troca do silêncio e para terminar, limitando a sanção canônica e uma transferência para outra paróquia após ser submetido a uma breve terapia psiquiátrica. “Como se seu modo de tratar a situação, no aspecto moral e religioso, pudesse, no final das contas, chegar ao resultado que a medicina declarava não poder alcançar”, destaca Mocellin. “É pouco consolador o fato de que a Conferência Episcopal tenha enfrentado com antecedência este fenômeno: solicitando já em 1985 um primeiro e amplo dossiê; dedicando a assembleia de junho de 1992 ao tema e emanando uma série de princípios que serviram como diretriz; criando, em 1993 (depois da realização de um encontro na Santa Sé e uma carta de João Paulo II), uma comissão ad hoc dentro da Conferência; e, para terminar, publicando em 1995 Caminhar na luz, dedicado em geral às violências sexuais contra menores, mas consciente das responsabilidades específicas do clero a este respeito”.

E é provável que “o conjunto das indicações que emergem deste trabalho teria podido frear e controlar o fenômeno: mas não eram vinculantes para nenhum bispo e, portanto, cada bispo atuou como achou ser mais conveniente”. As questões que a comunidade eclesial está atravessando nos Estados Unidos têm a ver com questões muito concretas, como o tipo de seleção de candidatos ao sacerdócio e, mais amplamente, a possibilidade de abrir também dentro da Igreja latina o acesso ao sacerdócio de homens casados (ou mesmo às mulheres): “não porque a violência sexual contra menores possa ser lida como a expressão desviada de uma sexualidade que, se fosse possível, seria canalizada ‘normalmente’ para mulheres adultas (esta leitura não seria correta), mas porque a obrigação do celibato acabaria por reduzir cada vez mais os candidatos ao sacerdócio a indivíduos sexualmente imaturos ou de orientação homossexual”.

Portanto, “não há nenhuma dúvida, de maneira inesperada, inclusive para o observador europeu, de que a igreja dos Estados Unidos foi deslocada por uma problemática, em relação à qual, no contexto particular da sociedade em que vive e pelas provas paralelas de validade que deu durante estes anos, cabia esperar que se apresentasse como vanguarda”. A atitude defensiva completamente mostrada, destaca o estudioso, “no fundo está mais próxima de uma compreensão de si mesma de caráter pré-conciliar, de defesa diante da opinião pública, zelosa do prestígio social de seus dirigentes a ponto de chegar a defendê-lo apesar da evidência dos fatos. A comparação proposta por um psicólogo da Universidade de Loyola de Chicago com os gerais sulistas que, depois da derrota na Guerra de Secessão, não queriam aceitar que ‘esse mundo havia chegado ao fim’, é muito americana, mas muito eficaz”.

Deixe uma resposta