Deus ainda não está morto ~ por José Roberto Prado

Vitezslav Gardavsky, filósofo e mártir checo falecido em 1978, em seu livro “God is not yet dead” (Deus ainda não está morto), escreve: “A terrível ameaça contra a vida não é a morte, ou a dor, nem qualquer variedade de desastres contra os quais nós, tão obsessivamente, procuramos nos proteger com nossos sistemas sociais e estratagemas pessoais. A grande ameaça é ‘morrermos antes de realmente morrer’, antes que a morte se torne uma necessidade natural. O verdadeiro horror repousa exatamente sobre esta morte prematura, após a qual continuamos a viver por muitos anos”.

Estas palavras nos alertam para algo terrível que, não somente ameaça a sociedade como nós a conhecemos, mas também, e principalmente, é responsável por muita dor e angústia na nossa alma, nas nossas famílias. Estamos falando do número cada vez maior de pessoas que “morrem antes de realmente morrer”. Desistem de sonhar, de lutar, de ter esperança.

São pessoas afligidas pela apatia, pelo desânimo, pela ansiedade e pela depressão. Gente que foi dominada pelo medo e a insegurança. São famílias inteiras que lutam, às vezes solitária e silenciosamente, outras vezes pública e escandalosamente, contra estes que são muito mais do que desajustes individuais; são sinais de que a própria sociedade está enferma.

Houve um tempo em que as drogas foram símbolo de resistência, de contracultura. Hoje, porém, tornou-se rota de fuga para adolescentes que não vêem perspectiva na vida à sua frente. Nada é digno de luta. Experimentam e se entregam cada vez mais cedo às drogas, ao álcool e à prostituição. Não são poucos os que, indo por estas vias, enveredam-se para a violência e acabam na criminalidade.

Do lado oposto, uma rede internacional movida pela ganância, aproveita-se da corrupção moral de todo o sistema e faz do tráfico uma fonte quase que inesgotável de lucro. Produzem drogas cada vez mais fortes, que geram dependência cada vez mais rapidamente. Das camadas mais pobres da população arregimentam soldados rasos, sem nome, sem história, sem futuro; peças de fácil reposição, que não têm medo de morrer, pois estes também não encontram motivos dignos pra se viver.

Fragilmente protegidos por vidros escuros, blindados, e por muros altos e eletrificados, estão os pais de família, hoje mais conhecidos como “executivos”. (Não seria “executados” uma melhor descrição?). Para estes, o trabalho deixou de ser uma fonte de realização; é mais uma fuga, uma outra “droga”. Voluntaria ou involuntariamente envolvidos em jornadas de trabalho mais longas a cada ano, quando confrontados, explicam-se afirmando que precisam produzir mais para sustentar um estilo de vida cada vez mais caro. São “work-adicts”, ou “escravos do trabalho”. Procuram nas aventuras amorosas fora do casamento ou na pornografia via internet, alternativas para injetar adrenalina e testosterona em suas veias. Buscam algo que lhes convença que estão vivos.

As esposas, por sua vez, frustradas e cansadas de serem preteridas por alguém vinte anos mais jovem, incapazes de fazer frente a tamanho caos, se escondem em carreiras profissionais ou fazem da beleza e da estética sua religião, encontrando nas academias, nas lojas de grife, nos shoppings e nas lojas de decoração seu santuário sagrado. Porém, como o efeito gerado é fugaz, entram em cena os tranqüilizantes, o álcool, os amantes. Buscam alguém que lhes diga que são amadas, que são notadas, que estão vivas…

O “mercado” logo percebeu que a desesperança e a sede de algo que nos dê a sensação de que estamos vivos ou que pelo menos nos anestesie é uma grande fonte de lucro. Especializou-se em dar – ou melhor, “prometer dar” – tudo aquilo que buscamos. No mundo virtual dos comerciais, tudo é bonito, jovem, cheiroso, novo, feliz… Bons marqueteiros não vendem produtos, vendem sonhos; sonhos nos quais as pessoas estão vivas.

Tudo se torna extremamente amargo quando, não somente observamos estas histórias nas novelas, nos filmes, nas casas ao lado, mas tornamo-nos, nós mesmos, seus protagonistas. É desesperador encontrar-se nesta espiral, sugado por forças cada vez mais fortes, para lugares cada vez mais profundos, sem vislumbrar nenhuma possibilidade de retorno. Isso ocorre quando nosso casamento se acaba, quando percebemos que o diálogo com nossos filhos simplesmente não existe mais. Quando somos descartados pela empresa na qual dedicamos nossa vida ou quando somos traídos pelos mais próximos amigos.

Nesta hora nos sentimos como alguém que durante trinta anos de sua vida adulta dedicou-se a escalar uma escada enorme, a um custo elevadíssimo, somente para perceber que, depois de chegar ao topo, não era esta a parede correta. Quando isso acontece, nós literalmente “morremos antes de morrer”.

Alguns desistem. Morrem prematuramente e continuam a viver por muitos anos. Outros, simplesmente não conseguem conviver com a angústia e desesperança. Não é por acaso que algumas de nossas cidades apresentam taxas de suicídio elevadas.

E pior. Parece que Deus também está morto faz tempo.

Contudo, contrariando todo o quadro acima, até mesmo esta impressão de que Deus está morto, estranhamente, encontramos dentro de nós uma consciência tênue, adormecida, mas ainda viva, que se nega calar-se. Esta voz interior nos diz que a vida não é e não pode ser somente isso. Impregnando nossa alma, está uma sede insaciável por Deus, alguém maior e melhor que nós, que seja digno de confiança, que nos ame e que nos dê significado. Nada, em nenhum lugar que busquemos, pode nos dar a vida. Somente Ele. O Eterno. E é na Bíblia, na antiga e indestrutível Palavra de Deus, que podemos encontrá-lo novamente.

Nela aprendemos que no caos inicial, quando o universo era somente uma névoa gasosa, o Espírito do Eterno já pairava, chocando como uma ave, a vida que estava para ser gerada. E o Deus que foi capaz de trazer vida ao caos inicial, é capaz também de trazer vida ao nosso caos existencial. Se foi através da palavra proferida por Deus – “haja luz” – que a vida teve origem, é pela mesma palavra criadora de Deus que hoje podemos ter luz em nossos escuros caminhos.

Na Palavra de Deus aprendemos também sobre uma sexta-feira, onde, novamente, as mais densas trevas pareciam vencer, quando o próprio Filho de Deus morreu na cruz. Foi aí que Deus falou para dentro da escuridão da morte e a vida de Cristo foi trazida de volta. Deus é especialista em gerar vida no caos. Em recomeçar. Em dar esperança. Em ouvir o clamor do cansado, do desprezado, do solitário, do condenado, do fracassado, do pecador, mesmo aquele que vive como morto.

É a Palavra viva de Deus que nos consola. Deus é eterno. Ele continua vivo. Sempre estará. É na mesma Palavra que o Filho Amado afirmou: “Eu vim para que tenham vida… e vida plena”.

Minha oração é que, em meio à escuridão que possa estar envolvida sua alma, mesmo que não consiga ver nada à sua volta, você consiga ouvir as palavras doces e poderosas proferidas pelo Filho vivo do Deus Vivo: “Venham a mim, todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso”.

Deus te abençoe. Ricamente, simplesmente, vivamente.