Desaparecer em silêncio: Etnocídio de Repsol aos povos isolados na Amazônia Peruana

[Adital, 25 abr 11] Os blocos petroleiros 67 (da francesa Perenco) e 39 (da espanhola Repsol) são duas concessões na Amazônia peruana, ao norte da região Loreto, na inacessível fronteira com o Equador, que se superpõem a uma das áreas de povos indígenas em isolamento voluntário. São povos que, há um século, escaparam do genocídio da febre da borracha, isolando-se nas zonas mais remotas da Amazônia. Um recente relatório de Survival Internacional publica 39 razões “que Repsol queria que não soubesses” (1), onde são recopiladas evidências da presença desses povos, bem como o reconhecimento explícito de sua existência por parte do governo e da própria petroleira.

Há anos, a confederação indígena amazônica Aidesep (Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Selva Peruana, a organização indígena nacional) reclama que a região compreendida entre os rios Napo e Tigre seja declarada intangível, iniciativa já vigente em algumas zonas do peru, bem como na vizinha selva equatoriana. Apesar da dificuldade para conhecer e nomear a esses povos estes poderiam ser os Toromenae, clã da etnia Huaorani, Pananajuri (etnia Arabela) e Taushiros. Seriam povos indígenas binacionais, que flutuam entre o Equador e os blocos 67 e 39, como o próprio governo do Equador reconheceu, destinando, inclusive, um montante no orçamento para tratar do tema dos povos isolados que transitam na região fronteiriça.

Quem são os povos isolados

Os povos isolados são grupos indígenas sobre os quais se tem pouca ou nenhuma informação e que evitam manter contatos regulares e pacíficos com a sociedade nacional, internando-se em regiões de difícil acesso dentro dos bosques tropicais(2). Sua sobrevivência depende exclusivamente dos recursos do bosque, sem buscar acesso aos bens materiais da civilização ocidental. Na América Latina existem ao redor de 100 grupos em isolamento voluntário em 45 diferentes áreas da Amazônia. Pelo menos 40 desses grupos estão no Brasil, 15 no Peru, 6 na Bolívia, 2 no Equador e um no Paraguai(3).

Frágil sobrevivência

Esses povos são extremamente vulneráveis porque não têm resistência ou imunidade às enfermidades ocidentais tão comuns, como a gripe, a varicela, o sarampo, e várias afecções do sistema respiratório. Os índices de mortalidade que se registram nos primeiros anos de contato são de 40-60% da população por epidemias. Se o primeiro contato se produz sem medidas preventivas nem protocolos de atenção médica, uma parte importante de seus membros pode morrer, o que já aconteceu na década de 80 com o povo Nahua, contatado pela Shell durante as explorações da jazida de Camisea.

Os interesses de Repsol-YPF na região Napo-Tigre

O Bloco 39 foi concedido em primeira instância a Barret; porém, posteriormente (2003) foi transferido para a Repsol Exploración Perú (filial de repsol YPF), associação com a norte-americana Philips-Conoco. De 420.871 hectares iniciais se ampliou para 886.820 hectares anuais e já foram realizados os trabalhos de exploração sísmica (383 km até 2001). Em 2008, Alan García, o atual presidente do Peru, “festejou” publicamente o descobrimento de petróleo nesses áreas. Atualmente, as áreas já estão em fase de exploração petroleira, com os projetos de produção pendentes da aprovação dos Estudos de Impacto Ambiental. Além disso, existem planos para construir um oleoduto de 207 km pela companhia anglo-francesa Perenco, que transportaria o óleo encontrado pela Repsol desde a Amazônia mais remota.

A presença de povos indígenas em isolamento voluntário e sua ameaça

A presença de povos não contatados no Bloco 39 tem sido evidenciada pelo estudo antropológico realizado pela Aidesep “Estudio Técnico para La delimitación territorial de los pueblos indígenas en aislamiento en El curso alto de los ríos Curaray, Arabela, Nashiño, Pucacuro, Tigre y afluentes”. Nesse estudo, são recolhidas evidencias diretas (casas, caminhos, campos de cultivo etc.) e testemunhos de colonos, militares e indígenas de povoados próximos. Em um relatório pago pela própria Repsol feito para a Smithsonian Institution se recomenda à companhia “analisar a informação disponível sobre a possível presença de grupos em isolamento coluntário ou não contatados no Bloco 39 e que sejam tomadas as medidas necessárias caso seja confirmada sua presença”. A organização indígena local ORPIO publicou um relatório em 2009 no qual recolhia 23 declarações juramentadas que documentavam a existência de indígenas não contatados no Lote 39. Por outro lado, Survival calcula que pelo menos 75 pessoas apresentaram provas relacionadas com indígenas não contatados no Lote 39 e em suas proximidades.

Um olho em Repsol

Há dois anos, várias organizações se movem paralelamente para evitar a entrada da Repsol no Bloco 39. Em 2010, 50 organizações internacionais assinaram um comunicado opondo-se aos planos da companhia. Na Catalunha, uma rede de organizações de defesa dos direitos indígenas dirigiram ao seu presidente outra carta, que foi contestada pelos porta vozes da companhia, alegando a inexistência de povos, baseando-se na “instalação de 10 ‘armadilhas’ fotográficas (em uma região de 800.000 hectares!) que somente capturam imagens de mamíferos entre eles alguns primatas”. Essa forma de tratar os povos indígenas como fauna foi duramente contestada em uma carta no seminário catalão Directa (4). Por outro lado, Aidesep já denunciou o caso em 2009 ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Federação Internacional de Direitos Humanos recomendou ao governo peruano que não deixe operar no Bloco 39.

No passado 15 de abril, na Junta Geral de Acionistas, Antonio Brufau iniciou sua apresentação repassando, satisfeito, os resultados do passado exercício, no qual a companhia obteve um benefício de 4.693 milhões de euros frente aos 1.559 milhões do exercício anterior. O motor da companhia seria, anunciou, sem titubeios, a exploração e a perfuração de novas zonas petroleiras. No cálculo não deve ter contemplado o desaparecimento dos últimos povos isolados. Eles não têm voz nem tampouco geram benefícios.

Notas:

(1) http://assets.survivalinternational.org/documents/596/si-repsolreport2011.pdf
(2) Definição de “índios isolados” – Estatuto do Índio- Lei 6001, Art. 4º de Brasil.
(3) BRACKELAIRE, V., Situación de los últimos pueblos indígenas aislados en América latina (Bolivia, Brasil, Colombia, Ecuador, Paraguay, Perú, Venezuela), Primer Encuentro Internacional sobre Pueblos, Brasilia, 2008.
(4) “Repsol YPF respecta als pobles aïllats”, La Directa 188 (10/06/2010).

[Rebelión ha publicado este artículo con el permiso del autor mediante una licencia de Creative Commons, respetando su libertad para publicarlo en otras fuentes.

LUNES 25 DE ABRIL DE 2011 – COMCOSUR / MONTEVIDEO]

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