Conversa de casal tem tudo para dar errado, diz linguista

[Juliana Vines, Folha SP, 13 dez 11] A guerra dos sexos ganhou outro capítulo com o lançamento de “Duels and Duets”, do linguista americano John Locke, sem edição no Brasil.

O livro diz que homens e mulheres se expressam de formas bem diferentes: eles duelam, disputando poder, e elas falam como se estivessem fazendo duetos, compartilhando informações.

Locke, doutor em psicologia cognitiva e professor do Lehman College, em Nova York, não descobriu a pólvora. Pesquisas em neurociência e psicologia já provaram que vários estereótipos de gênero têm sua razão de ser.

É nesses estudos que Locke se apoia. “Mulheres passam longos períodos discutindo problemas”, disse o pesquisador, em entrevista à Folha. Se elas têm disposição ao diálogo e são polidas, eles interrompem uns aos outros e amam piadas infames.

O motivo da diferença, para ele, é biológico: por milênios, homens e mulheres seguiram seus próprios caminhos evolutivos. Eles foram selecionados para agredir, lutar e caçar. Elas, para acertar na escolha de parceiro e cuidar da família. Boa parte do tempo, cada um ficou cercado de gente do mesmo sexo.

HORMÔNIOS FALAM

Locke relaciona a testosterona, hormônio masculino, com a fala agressiva e assertiva deles, e a oxitocina, hormônio do instinto materno, com os duetos femininos.

Cérebros de homens e mulheres são distintos, isso influencia na comunicação, concorda o neurocientista Renato Sabbatini, da Unicamp.

“A mulher usa os dois hemisférios para falar, os homens, um. Elas têm mais sensibilidade para detectar tons emocionais. Minha mulher sempre diz: ‘Olha como ela fala, é falsa’, eu respondo que ela está imaginando coisas.”

Desde que aprende a falar a menina já tem mais fluência verbal do que o menino.

Mas, apesar de estudos comprovarem distinções biológicas, muitos linguistas questionam que há poucas pesquisas comportamentais sobre o tema, o que torna mais difícil saber qual é o papel da natureza e o da cultura nas diferenças de expressão entre os sexos.

Para Eleonora Albano, linguista e pesquisadora da Unicamp, desde pequenas as meninas são incentivadas a falarem mais, e os meninos, a fazerem atividades motoras.

“Meninas de dois anos contam histórias para suas bonecas. Meninos não contariam para seus carrinhos.”

O pesquisador Luiz Paulo da Moita Lopes, da UFRJ, também defende que a influência cultural fala mais alto que a genética. “Sexo é biológico, gênero é social. Nossa cultura espera algo do homem e da mulher diferente do esperado em outras culturas.”

Nessa visão, são as expectativas e os papeis sociais que fazem das mulheres as melhores ouvintes e dos homens os mais assertivos.

“A ideia de que homens falam de um jeito e mulheres de outro é muito engessada e excludente. Acontece, mas muita gente fica fora do padrão”, diz a pesquisadora Ana Cristina Ostermann, da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos).

‘NÃO QUERO BRIGAR’

Ela diz que terminou um namoro por falhas de comunicação. O ex nunca dizia o que o incomodava.Biológica ou não, a diferença estudada por Locke é reconhecida entre casais. A gerente de RH Marina Hóss, 27, se identifica com o que ele diz.

“Eu perguntava, ele falava que não ia dizer porque não queria brigar. Também deixava de falar coisas. No fim, quando falamos tudo, não tinha mais jeito de consertar.”

Marina admite que ela quase sempre acha problema onde não tem, mas reclama que os homens fogem de qualquer tentativa de conversa.

“Eles acham que a gente quer conversar para encher o saco e fazer cobrança. Não é. Queremos discutir para construir. É uma tentativa da mulher de fazer dar certo.”

Agora Marina namora há quatro meses Alexandre Passos, 20, auxiliar administrativo. “Ele é paciente”, diz ela.

O que não quer dizer que goste de discutir a relação, afirma Alexandre. “Nenhum homem gosta. A gente pensa: que conversa inútil. O problema é falar demais sobre coisas desnecessárias.”

Até agora, não tiveram discussões. Até agora.

Ela não gosta quando ele insiste em saber por que ela está brava. “Digo que estou na TPM e peço para ele me deixar quieta. Ele quer saber o que tenho. Que coisa insistente, quer que eu desenhe?”Anna Paola Conde, 43, nutricionista, é casada há 20 anos com o empresário Evilasio Mariano, 59. Os dois trabalham lado a lado, conversam o tempo todo e dizem que se dão bem. “Nunca dormimos brigados.”

Ele se defende: “O bicho mulher nasceu para complicar. Ela é cheia de sutilezas, de dizer sem falar. O homem não está ligado nisso. Depois ela vem e culpa você por não ter entendido, porque era claro para ela. Não é não.”

MULHERES DESABAFAM, HOMENS DUELAM

Estariam homens e mulheres condenados a falar línguas diferentes? Sim e não, diz o linguista John Locke. Para ele, a diferença pode motivar a cooperação e até facilitar a convivência. “O homem deve lembrar que, quando a mulher fala sobre sentimentos, ela pode estar só tentando compartilhar”, afirma.

Elas não querem necessariamente duelar. Mas, quando falam, eles logo apresentam uma solução. Aí elas ficam bravas e eles também.

“O problema não é os dois falarem línguas diferentes, mas acharem que estão falando a mesma”, diz a terapeuta familiar Lidia Aratangy, segundo quem desabafar é uma mania feminina.

Mulheres começam mais brigas –70% das vezes são elas que acendem o estopim. “Fazem isso porque um relacionamento ruim é mais danoso para elas”, afirma Ailton Amélio, psicólogo e pesquisador da USP.

Mas não precisa exagerar, como no caricato best-seller “Homens São de Marte, Mulheres São de Vênus”. O autor passa o livro todo afirmando que os marcianos se escondem na caverna quando não querem falar.

“A diferença não é ruim. Não é preciso ter medo do sexo oposto, pensar que está com um ET em casa. Ninguém sabe bem como lidar com o outro, seja homem ou mulher, chefe ou parente.”

As diferenças de comunicação ficam claras também no trabalho. As mulheres, na maioria, ainda tendem ao discurso mais pessoal e detalhista, segundo Zuca Palladino, gerente da empresa de recrutamento Michael Page. “Homens são mais objetivos, mas muitas mulheres têm aprendido a ser mais diretas.”

No trabalho, imitar a objetividade masculina até funciona, mas na vida privada nada parece resolver o abismo de linguagem. A maior dificuldade é dosar o que precisa ser esclarecido e o que pode passar batido, sem “DR”.

“Nem tudo deve ser escondido ou escancarado”, ensina Amélio. “O que incomoda deve ser negociado de uma forma assertiva, que pode ser resumida em dizer o que se sente, de maneira polida e sem cobranças, em um bom momento.”

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