Cristãos diminuem a cada ano no norte da Cisjordânia

Na Faixa de Gaza vivem cerca de 3 mil cristãos e 1,7 milhão de muçulmanos.

[Manuel Quintero, ALC, 21 ago 2012] Os cristãos palestinos são descendentes daqueles que estiveram com Jesus e formaram as primeiras comunidades de judeus e gentios, somando-se depois a elas os cananeus e os sírio-fenícios. Após o Concílio Ecumênico de Calcedônia (451) os cristãos palestinos foram conhecidos como melquitas, isto é, “imperiais”, por seguirem a fé do imperador de Bizâncio.

No início do século passado, cristãos de diferentes famílias confessionais  — antigas igrejas orientais, ortodoxas, católicas de rito oriental e ocidental, anglicanos e protestantes — representavam 20% da população na Palestina.

Embora os dados não tenham respaldo em censos recentes, hoje eles constituem apenas 4% da população palestina. Há provavelmente mais cristãos palestinos no Chile do que na Cisjordânia ocupada. Muitos chilenos de ascendência palestina remontam suas origens a quatro povos majoritariamente cristãos: Belém, Beit Jala, Beit Sahour e Beit Safafa.

Quais foram as razões que forçaram tantos cristãos a abandonarem a Terra Santa?

Conquanto uma primeira onda de palestinos emigrou nas primeiras três décadas do século XX, a imensa maioria dos que hoje vive na diáspora foram expulsos durante a guerra de 1948, travada entre o nascente Estado de Israel com vários países árabes. O conflito provocou o que os palestinos chamam Nakba (“catástrofe”): cerca de 711 mil palestinos marcharam ao exílio para se estabelecerem em países vizinhos, a maioria no Líbano, na Jordânia e na Síria.

Por causa do conflito armado de 1967, a denominada Guerra dos Seis Dias, 250 mil palestinos fugiram de seus lares e terras em procura de refúgio. Outros eventos, como a expulsão da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) da Jordânia em 1970, a invasão israelense no Líbano em 1982 e a primeira guerra do Golfo em 1990-1991, provocaram novas ondas de refugiados palestinos em todo o mundo.

Estudo realizado em fevereiro de 2007 pela Universidade A-Najah,  em Nablus, e uma enquete conduzida pelo centro de investigação Nabil Kukali, mostraram que 38% dos palestinos desejavam emigrar. Outro estudo da Universidade Bir Zeit, de setembro de 2006, apontou que 44% das pessoas na faixa etária dos 20  aos 30 anos, e 32% da população em geral queria emigrar.

O estrangulamento econômico dos territórios ocupados por parte de Israel favorece o aumento do desemprego (que cresceu de 14,3% em 2000 para 26% em 2008), de modo especial aos que têm um nível educacional mais elevado. O impasse nas negociações de paz, as humilhantes condições de vida sob a ocupação e as cada vez mais remotas possibilidades de estabelecer um Estado palestino independente e viável são outros fatores que motivam a emigração.

“Não posso ser cego, quando as ações de Israel parecem ir além do âmbito das preocupações legítimas de segurança e têm conseqüências negativas sobre as comunidades e as terras sob sua ocupação,” escreveu ao presidente George W. Bush em maio de 2006 o representante republicano Henry Hyde, presidente do Comitê de Assuntos Exteriores da Câmara de Representantes dos Estados Unidos.

“A comunidade cristã está sendo triturada no moinho do amargo conflito palestino-israelense”, e o muro de segurança israelense e a ampliação dos assentamentos judeus na Cisjordânia “provocam danos irreversíveis na minguante comunidade cristã,” afirmou Hyde, tradicionalmente um fiel aliado do Estado de Israel.

O êxodo dos cristãos

Existem diferentes explicações para o fenômeno migratório, mas todas parecem relacionar-se com o prolongamento do conflito palestino-israelense e não com supostas hostilidades e agressões de parte de extremistas islâmicos, que são casos isolados, especialmente na Faixa de Gaza, onde vivem cerca de 3 mil cristãos e 1,7 milhão de muçulmanos.

As famílias cristãs de classe média são especialmente sensíveis às privações, discriminação, instabilidade e incerteza vinculadas com a prolongada ocupação militar de suas terras por Israel. Ademais, essas famílias têm contatos no exterior, um nível educacional mais elevado e recursos necessários para emigrar, ao contrário da maioria das famílias muçulmanas.

O desproporcional declive da população cristã teve um efeito particular naquelas populações e cidades onde ela já era uma pequena minoria, e está dissolvendo os ancestrais limites da endogamia religiosa e provocando conversões ao Islã.

Assim ocorre em certas em áreas ao norte de Cisjordânia, onde um relatório recente mostra um decréscimo de 4,5% na população cristã nos últimos cinco anos.

Em Tulkarem, uma cidade palestina ao norte das montanhas da Samaria, com uma população próxima dos 60 mil habitantes, só ficaram duas famílias cristãs, os Khar’oob e os Ghattas, informa o padre Yousef J. Sa’adeh, um carismático sacerdote grego ortodoxo.

Quase todos os integrantes da família dos Ghattas converteram-se ao Islã, principalmente para que seus filhos varões pudessem encontrar esposas, explicou Yousef.  Só dois membros da família, a mãe e uma de suas filhas, seguem sendo cristãs. Um dos filhos é líder religioso na mesquita local e está pressionando para que elas  se convertam.

A família Khar’ oob permanece fiel à fé cristã, mas a igreja local continua fechada e não aparece nenhum clérigo para assisti-la, só ocasionalmente recebem a visita de um sacerdote residente em Naplusa. Em conseqüência, seus filhos carecem de educação e conhecimento sobre o cristianismo, lamenta Sa’adeh.

Em Jalamah, um povo de 2,5 mil habitantes localizado a 5 Km ao norte da cidade de Jenin, o número de cristãos caiu de 50, em 2007,  para apenas 18 na atualidade. Em sua maioria são homens jovens que não encontram mulheres cristãs para se casarem, porque as famílias cristãs do centro e do sul da Cisjordânia são resistentes a que suas filhas se casem com jovens provenientes de comunidades tão isoladas geográfica e demograficamente, comenta Sa’adeh.

Em Sebastia, um povoado de 4,5 mil habitantes situado 12 Km ao noroeste de Naplusa, ficaram somente cinco cristãos, entre eles um bebê de poucos meses. Em Nisf Jebel, uma aldeia de 400 habitantes que se encontra a 2 Km ao este de Sebastia, vivem três cristãs de idade avançada. E em Beit Imriin, um povoado agrícola de 3 mil habitantes que produz azeitonas, uvas e figos, residem dois cristãos, irmã e irmão, ambos atados a cadeiras de rodas e em condições de extrema pobreza.

Esses cristãos se sentem cada vez mais isolados e como estrangeiros em sua própria terra, afirma o padre ortodoxo, que tenta apoio local e internacional para os remanescentes do cristianismo original, as pedras vivas (1 de Pedro 2, 5) da Terra Santa.

Assistência Luterana

A Federação Luterana Mundial (FLM), através de seu escritório regional, está mobilizando recursos para assistir a essas famílias cristãs no norte da Cisjordânia. O organismo ecumênico internacional está em condições de entregar cobertores, lençóis e materiais escolares às famílias cristãs que vivem na pobreza.

“Vamos pedir a essas famílias e às igrejas que nos auxiliem a identificar famílias muçulmanas pobres nesses povoados, de maneira que também recebam nossa ajuda”, declarou o reverendo  Mark Brown, representante do organismo internacional

O representante luterano assinalou que vão oferecer bolsas a estudantes dessas localidades para que frequentem universidades palestinas ou a algum dos centros vocacionais auspiciados pela FLM, onde podem aprender ofícios como carpintaria, mecânica automotriz e eletrônica, entre outros.

Nota: O Programa Ecumênico de Acompanhamento na Palestina e Israel (EAPPI) publicou relatório intitulado “A Fé sob a Ocupação. A Situação dos Cristãos Autóctones na Terra Santa”.O relatório, em inglês, pode ser solicitado ao escritório em Genebra (WCC/*EAPPI, PO Box 2100, 1211 Genebra 2, Suíça)

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