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O desejo de espiritualidade na sociedade contemporânea ~ Z. Bauman

leafPor reconhecimento geral, o sociólogo Zygmunt Bauman é um dos mais renomados intérpretes da condição humana da época atual. Nascido de pais judeus em 1925 em Poznan, na Polônia (embora resida há muitos anos na Inglaterra), Bauman cunhou a feliz imagem da “modernidade líquida” para indicar uma situação de incerteza difusa, em que parece desaparecer qualquer ponto estável de referência.

[Giulio Brotti, L’Osservatore Romano, 20 out 2013// IHU, 21 out, tradução Moisés Sbardelotto]. Eis a entrevista.

Depois de muitos anos, não parece ter se cumprido a profecia positivista pela qual a dimensão religiosa iria declinar fatalmente, com o progresso da modernidade: na América Latina, por exemplo, o pentecostalismo e o protestantismo evangélico têm um grande sucesso. Mas, quanto ao hemisfério Norte do planeta e à Europa em particular, que traços estão assumindo a fé e a espiritualidade nesta primeira parte do século XXI? A quais mudanças elas poderiam ir ao encontro no futuro próximo?

O meu colega Ulrich Beck, há alguns anos, publicou um livro intitulado Der eigene Gott (em edição italiana, Il Dio personale. La nascita della religiosità secolare [O Deus pessoal. O nascimento da religiosidade secular], Ed. Laterza). O argumento desse livro é o retorno da espiritualidade, ou talvez fosse mais correto dizer: do desejo de espiritualidade na sociedade contemporânea. Falando de um desejo, de um anseio, entende-se que ele se orienta a uma certa representação da espiritualidade, concebida como algo que poderia conferir um sentido pleno às nossas vidas, preenchendo-as.

Evidentemente, constata-se que os prazeres materiais (“da carne”, se diria tempos atrás) não bastam: é preciso um contato com algo que transcenda as nossas ocupações e preocupações cotidianas. No entanto, Beck defende – com razão, acredito eu – que esse retorno à cena da espiritualidade não corresponde necessariamente a uma adesão às instituições e aos códigos religiosos tradicionais. Ao contrário, a tendência que prevalece hoje não encontra como interlocutores naturais as Igrejas e, talvez, ao contrário do que você sugeria, nem mesmo as inúmeras seitas que confluem no vasto leito do pentecostalismo. Os gostos da nova espiritualidade não propendem pelos dogmas, pelas regras disciplinares compartilhadas: justamente para sublinhar essa novidade, Beck cunhou a fórmula do “Deus pessoal”.

Também poderíamos falar de uma religião à la carte: sobretudo os jovens operam uma seleção entre diversas fontes, às vezes decididamente exóticas, em outros casos escavando no interior da tradição católica ou, em menor medida, da anglicana e protestante. Prevalece, contudo, a atitude de hibridizar elementos diferentes, segundo as necessidades particulares e a sensibilidades dos indivíduos: nessa base, é muito difícil que se constituam grupos organizados, comunidades de fé, propriamente ditas.

Trata-se, em essência, de uma religião “psicológica”, destinada a tranquilizar e a consolar o sujeito humano?

É uma reação à instabilidade que caracteriza a vida na modernidade “líquida”: em uma época de incessantes e repentinas mudanças, busca-se uma faixa de terra para se poder plantar os pés firmemente. Um dos aspectos mais inquietantes do nosso tempo é que não se conseguem prever as consequências a médio prazo das decisões pessoais: são numerosos demais os fatores que interferem nos nossos projetos. Pensemos no que aconteceu há poucos dias nos Estados Unidos, onde, por causa do déficit do orçamento, centenas de milhares de funcionários públicos foram deixados em casa sem salário. E essa situação também pode ter pesadas recaídas na economia mundial inteira, em perspectiva. Busca-se, portanto, um ponto de ancoragem existencial, e essa exigência desemboca, em certos casos, em um neofundamentalismo religioso, mas também pode se expressar de forma diferente: ainda nestes dias, tomamos conhecimento pela imprensa que, na França, o Front National de Marine Le Pen é virtualmente o primeiro partido, segundo as pesquisas que lhe credenciam o favor de 24% dos eleitores, na perspectiva das eleições europeias.

A busca frenética por certezas também pode assumir um aspecto político?

Certamente, e pode até se traduzir na situação sui generis da política italiana, em que os partidos estão desesperadamente em busca de alguém para atacar e para desacreditar, não conseguindo se definir de modo positivo, mediante um programa próprio. O problema de uma incerteza difusa, no entanto, certamente não se deixa reduzir a uma questão interna à Itália: a perda de confiança é global, não se refere apenas a determinados partidos ou líderes, mas sim ao sistema da democracia representativa. O mundo inteiro entrou em uma fase de interregno, para usar uma expressão de Antonio Gramsci: a humanidade tenciona buscar desesperadamente dentro ou fora de si pontos de apoio para se manter de pé, ou freios para parar o fluxo indistinto que, caso contrário, ameaçaria derrubá-la.

Em nível coletivo, essa necessidade também se encontra no movimento dos Indignados, na Espanha, no Occupy Wall Street, em Nova York, ou nas reuniões na Praça Tahrir, no Cairo. Avança-se às apalpadelas, no escuro, em busca de modos para poder agir eficazmente: as instituições que tradicionalmente se faziam intérpretes das necessidades e das preocupações dos indivíduos, traduzindo-os em propostas políticas, não parecem mais à altura do desafio. Quanto tempo durará essa passagem e aonde chegaremos? Eu não acredito nos milagres em sentido tradicional, mas acredito nos milagres da realidade, por assim dizer: na abertura de novas estradas onde o percurso parecia bloqueado, na capacidade inventiva dos seres humanos. Nós, porém, por definição, não somos capazes de prever desde agora como essa capacidade poderá se expressar no futuro.

Atualmente, não parece justamente ter se atrofiado a capacidade de pensar sobre o futuro? A expectativa dos tempos messiânicos no judaísmo, a das coisas últimas no cristianismo sempre foram um elemento essencial dessas tradições religiosas. Agora, porém, tendemos a avançar à vista, como se o nosso horizonte temporal se reduzisse ao próximo fim de semana. A espiritualidade pode abrir mão da dimensão do futuro? Ela poderá sobreviver em uma condição de presente dilatado?

Não é fácil responder à pergunta que você me faz. Eu me limitaria a salientar que, nos nossos dias, a indústria do consumo propõe substitutos para a espiritualidade tradicional, fruíveis on the spot, no momento presente. Muitos produtores não se limitam a pôr no mercado bens materiais, mas os cercam com uma aura religiosa. As agências de viagens e as companhias aéreas, por exemplo, publicizam os destinos turísticos com a promessa de experiências imortais, de metas paradisíacas: os seus slogans muitas vezes são variações sobre o tema da imortalidade agora, a ser obtida imediatamente, e não depois que estivermos mortos. Visitando uma certa localidade, hospedando-se em um certo resort, assistindo a um show de rock, pode-se logo experimentar o que você pode imediatamente experimentar o que as pessoas religiosas esperam poder conseguir em outra vida. O modelo é o do café solúvel, que pode ser saboreado em poucos segundos, depois que o pó se dissolveu na água quente. As agências de marketing capitalizam o desejo de uma fuga da incerteza e da desconfiança difusas na modernidade líquida: as mercadorias atraem os possíveis compradores, prometendo-lhes uma redenção da insensatez normal da cotidianidade.

Como o senhor avalia a “novidade” do pontificado do Papa Bergoglio? Há oito meses, os seus gestos e palavras parecem ter induzido uma sensação de feliz desorientação em muitos observadores e comentaristas, crentes e não crentes. Pensemos, por exemplo, na insistência do papa sobre a necessidade de que a Igreja seja pobre, e na responsabilidade do Ocidente para com as populações do Sul do planeta.

Ah, eu estou encantado com o que Francisco [Bauman pronuncia o nome em italiano, sorrindo] está fazendo: acredito que o seu pontificado constitui uma oportunidade, não só para a Igreja Católica, mas para a humanidade inteira. O fato de o líder de uma grande confissão religiosa chamar a atenção do Norte do mundo sobre o destino dos mais miseráveis já é de enorme importância. Mas eu também fui ler o que ele afirmava em um texto seu de 1991, Corrupción y pecado (publicado na Itália pela Editrice Missionaria Italiana com o título Guarire dalla corruzione, Bolonha, 2013, 64 páginas). Nessas páginas, retornando à parábola evangélica do publicano pecador e do fariseu irrepreensível na implementação das obras da lei, ele sublinha como o relato depõe em favor do primeiro, do coletor de impostos.

Nesse livrinho, há algumas passagens muito bonitas sobre a maior gravidade da corrupção com relação ao pecado: “Poderíamos dizer – afirma Bergoglio, por exemplo – que o pecado é perdoado; a corrupção não pode ser perdoada. Simplesmente pelo fato de que, na raiz de qualquer atitude corrupta, há um cansaço da transcendência. Diante do Deus que não se cansa de perdoar, o corrupto se ergue como autossuficiente na expressão da sua salvação: cansa-se de pedir perdão”.

A rejeição do legalismo e a capacidade de Jorge Mario Bergoglio de tocar os corações das pessoas lembram a atitude semelhante de João XXIII. O atual papa é intrépido, eu diria, no seu modo de proceder: eu penso nos gestos que ele fez em Lampedusa, nos discursos dedicados aos “fora da casta” do mundo globalizado. Para voltar ao tema do qual havíamos começado, poderíamos afirmar que Bergoglio sabe falar à espiritualidade típica do nosso tempo: os seguidores do “Deus pessoal”, com efeito, não estão muito interessados nas prescrições morais emitidas pelos representantes das instituições religiosas, mas desejam reencontrar um sentido na fragmentariedade das suas existências individuais. Ainda estão à espera de um “evangelho”, na acepção original do termo – de uma boa notícia.

Os gestos e as palavras do Papa Francisco não poderiam contribuir para “recolocar em ação” justamente a religiosidade individualista do nosso tempo? Não poderiam oferecer-lhe uma perspectiva, impedindo que ela permaneça em uma espécie de limbo, sem relações com a realidade concreta?

É uma hipótese sugestiva a que você prospecta. Pessoalmente, permaneço à espera – com muita esperança e ansiedade, eu diria – dos futuros desenvolvimentos deste pontificado. Também fiquei impressionado com a ênfase que Bergoglio põe na prática do diálogo: um diálogo efetivo, que não deve ser conduzido escolhendo como interlocutores aqueles que, mais ou menos, pensam como você, mas se torna interessante quando você se confronta com pontos de vista realmente diferentes do seu. Nesse caso, realmente pode acontecer que os dialogantes sejam induzidos a modificar as próprias ideias com relação às posições iniciais. Nós temos uma urgente necessidade desse tipo de debate, porque somos chamados a gerir problemas de porte imenso, para os quais não dispomos de soluções já prontas: pensemos nas questões relativas ao fosso entre os ricos e uma considerável parte da população mundial, que ainda vive na miséria; ou na necessidade de frear a exploração indiscriminada dos recursos do planeta, de encontrar uma alternativa para um modelo de desenvolvimento – a expressão já soa irônica – que é claramente insustentável.

Todos esses problemas não param nas fronteiras nacionais: não dizem respeito aos italianos, em vez dos poloneses ou dos chineses, mas a humanidade no seu conjunto. E, de novo, parecem exigir não soluções temporárias, mas sim uma mudança radical do nosso modo de viver. A segunda parte do século passado, no campo econômico, foi dominada por dois pressupostos aparentemente indiscutíveis, que influenciaram profundamente os comportamentos individuais e coletivos dos seres humanos. O primeira foi que o Produto Interno Bruto de um país era a panaceia para todos os problemas sociais: aumentando o PIB, estes seriam automaticamente resolvidos; se, ao invés, o seu crescimento se bloqueasse ou – Deus me livre! – diminuísse, os equilíbrios sociais entrariam em crise. Em suma, o lema era: para enfrentar um problema coletivo, incrementar o PIB (e, portanto, também o consumo, porque o PIB ainda é medido sobre a quantidade de dinheiro que passa de mão em mão).

Qual era o segundo assunto?

Que a busca da felicidade andava de mãos dadas com o aumento do consumo: os lugares naturais de satisfação pessoal eram as lojas, em vez das relações sociais ou das atividades com as quais cada um podia ser útil aos seus semelhantes, cooperando com eles. Essas duas convicções produziram, de fato, uma grande quantidade de miséria material e espiritual, além de atacar gravemente os recursos naturais do planeta inteiro: de um lado, temos vivido acima dos nossos meios; de outro, descobrimos dolorosamente que a felicidade não pode ser comprada. Portanto, a todos nós hoje se pede que mudemos radicalmente a ordem das nossas vidas. Para expressar essa mesma ideia, o Papa Bergoglio provavelmente usaria um antigo termo da tradição cristã: conversão.

O Animal Moral ~ Jonathan Sacks

É o momento mais religioso do ano. Pode-se ver em qualquer cidade nos Estados Unidos ou na Inglaterra o céu iluminado por símbolos religiosos, decorações de Natal, e provavelmente também uma menorah gigante. A religião no Ocidente parece estar viva e bem.

Mas é isso mesmo? Ou estes símbolos foram esvaziados de conteúdo, e tornaram-se nada mais do que um pano de fundo brilhante para a mais nova fé do Ocidente, o consumismo, sendo suas catedrais seculares os shoppings?

À primeira vista, a religião parece estar em declínio. Na Grã-Bretanha, acaba de ser publicado os resultados do censo nacional de 2011. Mostram que um quarto da população afirma não ter religião, quase o dobro de uma década atrás. E, embora os Estados Unidos continue sendo o país mais religioso do Ocidente, 20 por cento declaram-se sem filiação religiosa – o dobro do número de uma geração atrás. Continue lendo

Da educação mercadoria à certificação vazia ~ por Andrea Harada Souza

Enquanto não houver uma mudança radical, o próprio sentido de educação estará comprometido, posto que seu fim mais elementar não é atingido: em vez de promover a emancipação humana, produz lucro para o capital que só enxerga as camadas sociais C, D e E quando estas se apresentam como potencial mercado consumidor.

[Le Monde Diplomatique Brasil, 1 dez 11] O ensino superior, público e privado, no Brasil passou por grandes transformações nas últimas décadas. Essas mudanças – travestidas de democratização, por favorecerem o acesso – visaram atender a uma proposta de privatização e barateamento da educação.

O Ministério da Educação (MEC) alardeia números, sobretudo para organismos internacionais – que obrigam o país a se enquadrar em padrões estipulados por eles na competição do mercado de consumo, trabalho e pesquisa –, que demonstram o crescimento do acesso ao ensino superior, ainda que distantes daqueles objetivados pelo Plano Nacional de Educação (PNE) (o acesso é de apenas 13,8% dos jovens, entre 18 e 24 anos). Porém, esse suposto processo de inclusão tem facilitado, para além do aceitável, um crescimento vertiginoso das instituições de ensino superior (IES) privadas, com desdobramentos que passam pela precarização do trabalho docente e pela formação duvidosa que essas empresas têm oferecido aos alunos por ela formados.

A predominância de objetivos economicistas em detrimento dos pedagógicos nas IES privadas permitiu um fenômeno relativamente novo no Brasil: a formação de conglomerados educacionais, grandes empresas, de capital aberto e com forte participação de grupos estrangeiros em seu quadro de acionistas. A autorização para funcionamento dessa espécie de oligopólio do setor educacional tem intensificado a visão mercantil da educação superior no Brasil. Os exemplos mais representativos desse modelo de organização empresarial na educação ficam por conta dos grupos educacionais Kroton-Pitágoras, Estácio de Sá, SEB (Sistema Educacional Brasileiro) e Anhanguera Educacional. Esta última, com a recente aquisição da Uniban, passou a ser o maior grupo educacional do país, atendendo aproximadamente 400 mil alunos em campiespalhados por diversos estados brasileiros. Além disso, manteve sua projeção de crescimento de atingir 1 milhão de estudantes em cinco anos, segundo matéria do Valor Econômico de 17 de novembro de 2011. Continue lendo

Superação da família nuclear cria novos modelos de relacionamento

[Juliana Vines, Folha SP, 26 jan 2011] Não há árvore genealógica que dê conta de explicar famílias com vários divórcios, novos casamentos, meio-irmãos e agregados.

Essas famílias, cada vez mais comuns nas estatísticas, não são nada parecidas com aquelas do comercial de margarina.

“O conceito de família nuclear (com pais e filhos na mesma casa) não é mais suficiente. Há arranjos domésticos sem nenhum padrão”, diz a socióloga Elisabete Bilac, do Núcleo de Estudos Populacionais da Unicamp.

As mudanças aconteceram nas últimas três décadas. Nos anos 1980, 70% das famílias eram nucleares. Hoje, menos da metade é assim.

Se a “família margarina” está cada vez mais rara, as monoparentais (com apenas pai ou mãe) são as que mais crescem. Efeito prolongado da popularização do divórcio, dizem especialistas.

Também são mais comuns os casais que decidem não ter filhos. Em inglês, são chamados de casal Dink, sigla para dupla renda sem filhos (“double income no kids”). No Brasil, já são 17% do total, segundo o IBGE. Continue lendo

Tão jovens, tão cruéis [bullying]

‘Bully’, o videogame; ganha quem atazanar mais a vida dos colegas

[Carolina Rossetti – O Estado de S. Paulo, 30 out 10] Como explicar o comportamento esdrúxulo de três jovens que agrediram um casal de gays numa festa de faculdade desferindo contra os dois, além de chutes, xingamentos e latinhas de cerveja, toda a sua ira homofóbica? Como entender a atitude de um grupo de rapazes que achou que seria um tanto cômico tratar suas colegas como montaria subindo-lhe nas costas e gritando: “Pula, gorda!”? E ainda qual o problema da menina de 14 anos que usou a lâmina do próprio apontador para cortar – nove vezes – o rosto da companheira de classe? Afinal, jovens, por que tanta raiva?

Educador há mais de 37 anos e pai de Curtis – que morreu em consequência de um vida inteira de bullying -, Allan Beane é hoje um militante da causa “mais respeito, por favor!” O autor de Proteja Seu Filho do Bullying diz que o problema não se circunscreve à juventude. É um mal de toda a sociedade, que de modo geral está mais tolerante à violência – nas ruas, nas escolas, dentro de casa. Estamos apáticos em relação a dor dos outros, e lentos demais para ir em defesa de quem está sendo rechaçado, pisoteado, humilhado. E ainda por cima, comenta Beane, gostamos de responsabilizar as vítimas de agressão pelas próprias indiscrições (“Também, com aquele vestidinho rosa, o que ela esperava?”). Somos nós, portanto, enquanto sociedade, que estamos disfuncionais. Continue lendo

Fé e política: de novo? ~ por Jung Mo Sung

Church from Macedonia

Eu sou de uma geração de cristãos que foi marcada intensamente pelo debate sobre “a fé e a política”. Na década de 1980, ser um cristão que assumia a tarefa de anunciar a boa-nova de Jesus ao mundo e de “construir” o Reino de Deus era sinônimo de discutir e fazer política. Como diziam os teólogos e assessores das pastorais de então, a política é o campo da luta pelo bem comum e justiça social e as comunidades cristãs devem participar dela.

Falo disso não por um saudosismo, que sempre tende a pintar o passado melhor do que foi e assim vê o presente pior do que é. Mas porque penso que devemos -ou podemos- aproveitar as semanas que precedem a eleição e refletirmos sobre a fé cristã, o compromisso com justiça social e a política.

Eu penso que um dos diversos equívocos que cometemos no passado, no meio de boa vontade e de muita doação e luta, foi o de confundir os distintos campos que compõe a relação entre a fé, o compromisso social e a política. Muitos de nós pensávamos que não há diferenças qualitativas entres eles. Ser cristão, membro de uma comunidade de fé, significava assumir o compromisso de “construir” o Reino de Deus. E a “construção” do RD passava necessariamente pelas lutas sociais em favor dos pobres; e todas as lutas eram vistas como política, sem uma distinção clara entre lutas sociais e a ação política, ou entre o campo da sociedade civil e a esfera da sociedade política. Assim, a fé e a política eram vistas como inseparáveis e, em alguns lugares, como indistinguíveis. Por isso, muitas vezes se pensava que falar de política era já anunciar o evangelho.

Eu continuo com a convicção de que ser cristão, ser seguidor de Jesus de Nazaré, é anunciar a boa-nova (evangelho) aos pobres, a boa-nova da libertação de todas as formas de opressão que pesam sobre excluídos/as de todo o mundo. E não se pode fazer isso sem tomar parte nas lutas e/ou ações sociais, ao lado das vítimas de sistemas econômicos, políticos, sociais e culturais opressivos e excludentes.

Contudo, devemos tomar cuidado para não cair no erro de não perceber as diferenças que existem nas dinâmicas e nas identidades entre as comunidades de fé, lutas sociais e o campo da política e Estado.

Essa confusão está bastante presente na sociedade e também no interior das comunidades cristãs “engajadas” nas lutas sociais. Em grande parte, por causa da concepção de política como “bem comum” tão difundida nos inúmeros cursos e materiais espalhados Brasil afora. Como as comunidades devem lutar pelo bem comum, essa luta se dá majoritariamente no campo social e se entende a política como a busca do bem comum, parece que há um caminho que liga esses três campos sem grandes problemas.

Esse tipo de confusão pode trazer sérios problemas práticos. Um deles se dá a partir da noção do “bem comum”. Como a discussão sobre o “bem” se dá no campo da ética, as igrejas cristãs costumam associar o debate e a luta pelo “bem comum” com a moral. No caso específico da teologia católica clássica, no campo da moral social. Nos seminários e nas faculdades de teologia, a questão dos problemas sociais, da política e a busca do bem comum é discutida nas aulas da moral social ou nas de doutrina social da Igreja. Isso pode gerar dois tipos de problemas. Primeiro é a desvalorização da questão social, pois não faria parte da “teologia sistemática” que discute as questões fundamentais da fé. O compromisso e as lutas em favor das vítimas e dos pobres seriam no máximo uma aplicação da fé, mas não uma parte essencial da identidade de ser cristão e da reflexão teológica.

O segundo é a tendência de “moralização” da discussão e ação política. Na medida em que não se percebe as especificidades do campo político (no sentido estrito relacionado ao Estado), não se discute as questões ligadas às instituições e à estrutura do Estado. Uma boa parte do debate se dá em torno da “honestidade”, da “santidade”, dos candidatos e das acusações de corrupção. (Isto sem falar em quão católico ou cristão é o candidato e o quanto vai defender os interesses ou as doutrinas morais da Igreja. O que é um grande equívoco e uma tentativa de voltar ao tempo da cristandade.) É claro que essas questões de honestidade e competência são também importantes, mas o que quero chamar atenção é que não se constrói uma sociedade mais justa e uma nova ordem político-econômico-social reduzindo o debate às questões morais ou a apelos morais. Se os apelos morais e a boa vontade fossem suficientes para criar um mundo mais justo, um mundo já teria sido “convertido” há séculos atrás. É preciso recriar o Estado e o sistema econômico.

Um efeito colateral destes problemas pode ser visto na ausência de uma séria reflexão teológica sobre o Estado na teologia latinoamericana. (A TL produziu uma consistente crítica teológica ao mercado/economia; e a filosofia da libertação, especialmente Enrique Dussel, tem produzido uma filosofia política da libertação).

Eu penso que devemos aproveitar esta época de eleição para rediscutirmos a questão da relação entre a fé e a política. Precisamos aprender com os erros do passado e com as novas reflexões teóricas e práticas que estão surgindo no presente. (A continuar…)

Jung Mo Sung é Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo. Autor, com Hugo Assmann, de “Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus.
Fonte: Adital

Sonho de sociedade sem Estado e a Teologia ~ Jung Mo Sung

No artigo anterior, “Fé e política: de novo?”, eu disse que por diversos motivos a teologia da libertação latinoamericana não elaborou uma teologia política, uma teologia do Estado. A grande maioria dos livros e textos menores sobre a fé e política ou de teologia política tratou da inserção dos cristãos nas lutas sociais ou de como a fé cristã nos impulsiona à luta contra o sistema capitalista. Muito pouco sobre a criação de um novo tipo de Estado, do papel do Estado ou da democracia na “nova sociedade”.

É claro que nas lutas sociais estava também incluída a inserção nos partidos de esquerda e nas eleições. Porém, não havia muita clareza das diferenças dos funcionamentos e das lógicas entre o campo das comunidades eclesiais, das lutas dos movimentos sociais e da política. Isso já aparecia desde o início da década de 1980, na dificuldade de diálogo e de relacionamento entre os cristãos engajados na militância política e as suas comunidades eclesiais de origem. E muitas vezes os próprios militantes acabavam deixando a política (no sentido estrito) porque se desiludiam com as lutas internas no partido e com a própria dinâmica do mundo político. No fundo esperavam encontrar na política um espaço de construção do “bem comum”, mas só viam “a luta pelo poder”. Essa é uma das razões que levam os cristãos comprometidos com o Reino de Deus e lutam por uma sociedade mais humana e justa a se encaminharem mais para as lutas sociais e se afastarem da política.

O problema é que sem a ação do Estado (seja pela criação de novas leis ou de políticas econômicas e sociais) as reivindicações dos movimentos sociais não se tornam direitos garantidos para toda a sociedade, até mesmo para setores que, de tão fracos, não conseguem se articular em movimentos e nem se vêem como sujeitos portadores de direitos. Além disso, a luta contra o capitalismo neoliberal globalizado pressupõe ações do Estado para limitar e regular o mercado.Não podemos nos esquecer que a grande consigna do neoliberalismo é a redução do Estado ao mínimo, sem não falar nos radicais que exigem o fim do Estado, para que o mercado e a sociedade funcionem “livremente”. E para que o mercado funcionasse “livremente”, caberia ao Estado somente a função de garantir os contratos e a segurança, isto é, somente a função de gerenciamento; deixando para trás todas as discussões sobre a democracia e as formas institucionais de “negociação” dos interesses conflitantes no interior da sociedade.

A política como a construção do bem comum é uma visão boa e ampla da política, mas esta não é suficiente para criticar radicalmente, pela raiz, a proposta neoliberal. Pois também concebe o Estado como um simples gerenciador da economia e da sociedade. Ele não teria funções e lógicas específicas que mereceriam reflexões e ações específicas. Essa é, na minha opinião, uma das razões pela qual a teologia latinoamericana não produziu uma teologia do Estado. Nós temos muita teologia sobre a Igreja, mas quase nada sobre o Estado. Parece que depois da “derrubada” do capitalismo não haveria necessidade de se criar um novo tipo de Estado e um novo tipo de democracia, ou mesmo que no processo da luta não haveria necessidade de ir transformando o Estado. Bastaria um líder justo e honesto para administrar a nova sociedade. No fundo é a reprodução do mito do “rei justo”, “rei messias”, para os dias de hoje e da ilusão de que a utopia de uma nova sociedade sem conflitos entre interesses, porque uma sociedade sem nenhum tipo de escassez e sem pessoas com visões diferentes e conflitantes sobre o que é o melhor para a sociedade, sem pessoas que desejam o que é do próximo, (ver o décimo mandamento de Deus), é empiricamente possível.

É interessante notar que encontramos também no marxismo essa visão negativa do Estado. Nos países socialistas, a política também foi reduzida a mera administração enquanto se destruiria o próprio Estado no caminharia para uma sociedade sem Estado. Por isso, neles não havia ou não há democracia de pluripartidarismo. Pois quando se pensa que não há conflito de visões e de interesses, basta um só partido para administrar o país.

Parece que muitos dos neoliberais, marxistas e cristãos da linha da libertação coincidem na sua visão negativa do Estado. Precisamos colocar urgentemente na pauta da discussão teológica e dos debates pastorais a questão da democracia (muito além da democracia burguesa) e do Estado, isto é, uma Teologia Política na perspectiva da libertação.

Jung Mo Sung é Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo. Autor, com Hugo Assmann, de “Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus.
Fonte: Adital

Poder y libertad en la sociedad del conocimiento

Todos los progresos humanos van acompañados de una sombra en donde se cultiva el imaginario de los desastres. A medida que avanza el saber no disminuye el temor a una secreta amenaza que se aloja, precisamente, emboscada tras ese saber. Cada vez tenemos más poder para viajar, comunicarnos, conocer, hacer valer nuestra opinión, pero cada vez resulta más fascinante la sospecha de que ese poder es ilusorio y más grato a nuestros oídos el discurso que denuncia medidas represivas de poderosas instituciones contra el individuo desvalido. Todavía hoy es convincente el discurso contra la opresión de instituciones más grandes y más poderosas (estado, educación, medios de comunicación o medicina) contra el individuo, representado como una persona inerme (ciudadano, trabajador, elector, alumno, paciente). Las descripciones apocalípticas de la sociedad contemporánea nos han acostumbrado a imaginar víctimas impotentes, consumidores manipulados, turistas engañados, votantes confusos y trabajadores ignorantes. En este panorama la ciencia y la técnica son desenmascaradas como cómplices de los poderosos o como instrumento de una clase que ejerce una nueva represión. Si estas denuncias, además de fascinantes fueran verdaderas, se daría la paradoja de que cuanto más racional es la sociedad, más irracional es la política.

La noción de la sociedad del conocimiento que aquí voy a esbozar es incompatible con aquella credibilidad o ingenuidad científica que consideraba el saber científico como algo ilimitado, tanto como las posibilidades de manipulación de la realidad social. No comparto la utopía —para unos positiva, para otros terrorífica— de la racionalización completa de la irracionalidad, de la desaparición de las identidades locales, de la destrucción de otras formas de saber que podríamos considerar no científicas o tradicionales. Es cierto que no hay apenas realidad social, económica o cultural que sea inmune frente al saber científico y técnico. Pero la significación sin precedentes del saber científico en nuestras sociedades no supone la supresión de todas las otras formas de vida y actitudes.

Trataré de defender una opinión que sin ser muy grata a los traficantes de grandes expectativas —en versión optimista o pesimista— me parece más razonable que su contraria: la sociedad del conocimiento encierra más posibilidades de libertad personal que todas las formas sociales precedentes. Esa libertad es, en buena medida, el reverso del hecho de que, por fortuna o por desgracia, los hombres no podamos hacer mucho bien ni causar mucho mal. Y es que hay un exceso de confianza en la ciencia y en la técnica tanto en quienes esperan de ellas la solución de todos los problemas como en quienes les atribuyen la responsabilidad de todas las desgracias, aun de las hipotéticas. La vida no es fácilmente maleable, no se adapta tan bien a la técnica como desean sus entusiastas y temen sus detractores. Existen muchos límites y obstáculos para la aplicación de la ciencia a la realidad, algunos superables y otros que afortunadamente no parecen condenados a desaparecer. De hecho, el crecimiento y la expansión de la ciencia no están necesariamente acompañados de una reducción de la incertidumbre, del riesgo y la imprevisibilidad. Por eso, en las sociedades actuales, el problema es más bien la gobernabilidad de entramados tan complejos, la antítesis más rotunda de esa sociedad manejable de manera conspirativa en la que se desarrolla la nueva ciber-épica.

a. La crítica de la civilización tecnológica y científica

En los años sesenta, teóricos de la sociedad de muy diversa orientación política —desde conservadores hasta neo-marxistas, desde Schelsky (1961) a Marcuse [1964]— llevaron a cabo una crítica implacable de la civilización tecnológica y científica, denunciando el despliegue inminente de una cultura regida por la ciencia y el peligro de un estado técnico. En todos ellos se lamentaba la pérdida de individualidad del hombre moderno. El tono general de estas críticas consistía en ver la racionalidad instrumental como origen de manipulación y control social. Eran tiempos muy propicios para diseñar futuros escenarios sombríos: la ciencia parecía haber transformado la pesadilla apocalíptica de una destrucción del mundo en una posibilidad concreta. Se presagiaban leyes evolutivas de diferenciación imparable, disminución de la capacidad operativa de los actores individuales, de elaborar su propia opinión y defender su identidad, motivos conspirativos de élites que ocultan sistemáticamente sus intereses, amenaza de la autonomía personal, estructuras represivas, descomposición de la esfera privada, control extremadamente eficiente sobre todos los ámbitos de la vida, introducción de prescripciones cada vez más numerosas y detalladas, reglamentación creciente…

Desde entonces quedó inaugurada la ocupación tópica de criticar el poder creciente de la ciencia y la técnica. La competición por el epíteto más atinado daba por supuesto un destinatario identificable. Los discursos más imaginativos lograron fórmulas como el imperialismo amenazante de la razón instrumental (Weizenbaum), el peligro de una agresiva colonización del mundo de la vida (Habermas) o la inevitabilidad de una nueva taylorización del mundo del trabajo (Volpert). En este contexto se desarrollaron tesis como la de Bell (1960) del final de las ideologías o el pronóstico de Robert Lane (1966) de que nos encontrábamos al comienzo de una nueva era en que los conocimientos científicos reducirían la significación de lo político. Al mismo tiempo se anunciaba la constitución de un tipo de formaciones sociales que fueron denunciadas como “Estado técnico” o “civilización científico-técnica” (Mumford 1962; Schelsky 1961), y que posteriormente sería denominada con mayor sutilidad como “sociedad registradora” (G. Böhme 1984, 15) en la que el poder dispone de una enorme cantidad de datos sobre los ciudadanos.

Estos y otros análisis similares de la misma época padecían una equivocada confianza en la eficacia práctica de la técnica y de la ciencia. Mirando hacia atrás puede hoy decirse que después de veinticinco años de teoría de la sociedad postindustrial nos hemos hecho más precavidos y escépticos. No se han cumplido ni las expectativas tecnocráticas ni las esperanzas humanistas. Quizás sea cierta la observación de Jean Jacques Salomon (1973, 60) y el mito del progreso humano a través del progreso de la ciencia sea superado paradójicamente por ese mismo progreso.

La crítica de la ciencia que se ha hecho ya tópica merece alguna revisión, entre otras cosas porque surge en buena medida de una ciencia malentendida. El poder social de la ciencia y de la técnica no determina causalmente todos los aspectos y fases de la vida humana, como temen o esperan quienes ven en esta determinación un destino inexorable de la modernidad. Esta suposición se apoya en una equivocada comprensión del poder social del conocimiento científico; no tiene en cuenta que también en las sociedades modernas hay límites para el saber científico. Ya Max Weber y Karl Manheim llamaron la atención sobre el hecho de que el proceso capitalista-racionalista tenía sus límites y sólo era capaz de imponerse en determinadas dimensiones.

Los efectos dramáticos de la ciencia sobre el mundo de la vida no implican necesariamente que todos interioricen una visión científica del mundo, que el sentido común sea sustituido por el pensar científico, que el poder político sea ejercido de una manera central y autoritaria, que no existan límites para la realización e implementación del saber científico o que esas realizaciones estén exentas de riesgo. La planificación también podría conducir a un aumento de flexibilidad, de acciones alternativas, de consecuencias prácticas no anticipables, etc. que no justifican los temores frente a un tipo de control calculador.

Por otra parte, el concepto de técnica aquí manejado contiene algunas premisas cuestionables. En primer lugar, se da por supuesto que los procesos sociales tienen una especie de ilimitada elasticidad y maleabilidad frente a la lógica de la técnica. Esta idea se basa en la dudosa tesis de una radical disponibilidad de la historia que obedeciera dócilmente a nuestros objetivos técnicos. En segundo lugar, el desarrollo técnico es concebido como un proceso autónomo, que se sostiene por sí mismo. Pero es muy improbable, a mi juicio, que el desarrollo de la técnica esté impulsado exclusivamente por una singular lógica autorreferencial de crecimiento, a saber, la de la mejor o más eficiente solución de un problema concreto. Más bien ocurre que preferencias que no son de carácter técnico hacen posible la mejora de un proceso, por ejemplo, que una de las soluciones técnicas posibles sea considerada como la mejor y llevada así a la práctica (Krohn y Rammert 1985). La introducción de nuevas tecnologías o la renuncia a nuevos desarrollos técnicos no se decide exclusivamente según criterios técnicos. La técnica no se impone absolutamente cuando los criterios para preferir una determinada solución técnica están en otras esferas de la vida, lo que parece ocurrir cuando la decisión se adopta conforme a oportunidades políticas, estéticas o morales.

Uno de los principales presupuestos de la ciencia moderna era su capacidad sustitutoria de los demás saberes. Los partidarios y los enemigos de la ciencia y la técnica modernas compartían el convencimiento de que el saber científico eliminaba el saber de cualquier otro tipo (Marcuse [1964]; Schelsky 1965; Bell 1973). Consideraban que las convicciones tradicionales o irracionales serían disueltas por una racionalización de la acción social. También las primeras teorías de la sociedad del conocimiento estaban marcadas por el peso de la concepción positivista de la ciencia. Lane (1966) reflejaba el optimismo de comienzos de los años sesenta cuando expresaba su convencimiento de que el pensamiento científico disolvería y sustituiría radicalmente al saber anterior, declarándolo inapropiado o incluso irracional. Pero esta supuesta eliminación gradual de las seguridades, identidades, ideologías y expectativas tradicionales es más un deseo o un temor que una realidad efectiva. La ciencia y la técnica aseguran también la supervivencia de formas de acción existentes; en cierto sentido podría incluso decirse que son responsables de que muchos modos convencionales de pensar y actuar no pierdan su validez. Cuando se analizan las cosas con menos entusiasmo o temor, el conocimiento científico pierde su vinculación con el determinismo positivista y aquella lógica que podríamos llamar “sustituista”.

Otro de los lugares comunes de la crítica a la civilización técnica y científica es la supuestamente imparable concentración de poder, que se hace patente en la sofisticación del control sobre la sociedad. En última instancia, las nuevas tecnologías vendrían a fortalecer las condiciones de aquel panopticum ensalzado por Bentham en 1791 como instancia de control (Foucault 1975). Es indudable que con las nuevas tecnologías de la información la vigilancia puede ser organizada de manera mucho más eficiente que en las sociedades premodernas (Giddens 1990, 22). Pero queda abierta la cuestión de si la sociedad actual derivará hacia un estado autoritario perfectamente organizado o si más bien esa misma evolución establecerá la posibilidad de una democratización radical. Por un lado, determinadas técnicas pueden poner en marcha un desarrollo alarmante porque, como muchos temen, posibilitan una vigilancia centralizada y perfecta. Y simultáneamente ese desarrollo técnico es el que permite un alto grado de descentralización, iniciativas locales, estancias flexibles e incluso una vigilancia efectiva y asequible sobre los vigilantes.

Las constricciones sociales específicas de una sociedad del conocimiento no son las mismas que las analizadas por las teorías tradicionales de las relaciones de poder en general y del poder político en particular. En el concepto tradicional de poder su posesión y su uso son conscientemente pretendidos; las responsabilidades pueden ser asignadas, las utilidades o los costes del ejercicio del poder están por lo general claramente repartidos y resultan calculables. Pero cualquier investigación acerca del ejercicio del poder en una sociedad del conocimiento ha de tomar como punto de partida una difuminación de los centros de decisión en nuestras sociedades, así como el hecho de que ha cambiado sustancialmente el tipo de poder que proporciona el conocimiento, si se lo compara con el que se esperaba de la ciencia y la técnica en los orígenes de la modernidad.

En las sociedades del conocimiento la acción humana está fuertemente condicionada por las circunstancias que se siguen del saber científico y de los artefactos técnicos. Pero, al mismo tiempo, también ocurre que las formas de pensar y de actuar en esa sociedad pueden ser más efectivamente protegidas frente al influjo de la ciencia, en la medida en que se mejoran decisivamente las condiciones de posibilidad para dicha resistencia. La influencia creciente de la ciencia y de la técnica discurre al mismo tiempo que una elevada contingencia y fragilidad de la acción social, y no conduce en absoluto a una superación definitiva de la “irracionalidad” en virtud de la “racionalidad” producida por la ciencia.

Lo que caracteriza principalmente a la sociedad del conocimiento es el hecho de que la ciencia y la técnica proporcionan posibilidades de acción para un número creciente de autores, que incluso perfeccionan decisivamente la resistencia contra una homogeneización del comportamiento en esa sociedad. La ciencia y la técnica multiplican e intensifican las posibilidades de oposición frente a las evoluciones que ellas mismas han desatado. No solamente configuran poderes que limitan las posibilidades de elección, despliegan controles más eficaces y solidifican las relaciones de dominación y desigualdades existentes; gracias a ese mismo saber es posible ampliar las posibilidades de acción, influir sobre los poderosos, desmitificar autoridades, configurar nuevos grupos y autores. Por lo que se refiere al poder, no debería considerarse el saber sólo como un medio de coerción —tal como aparece al menos implícitamente en muchas concepciones del poder— sino también como una posibilidad de defenderse frente a él, de organizar oposición o de eludirlo. Por eso no es contradictorio afirmar que en las sociedades del conocimiento hay un aumento de estabilidad y constancia paralelo al incremento de inseguridad y fragilidad.

Las dificultades que resisten a la concentración del saber tienen mucho que ver con la desaparición de un punto central autoritario de la sociedad. Utilizando una metáfora de Alain Touraine (1984), en la sociedad del conocimiento los actores no se relacionan con un punto central sino más bien con centros separados de decisión que forman un mosaico en lugar de una pirámide. Pese al discurso que denuncia la homogeneización, la sociedad actual ya no tiene unos pocos influyentes (o monolíticos) partidos políticos, estructuras familiares, sindicatos, comunidades religiosas, grupos étnicos, estratos sociales o clases. En cada una de esas formas de organización social se observa un proceso de descentramiento o relajamiento. Y la razón de ese proceso ha de buscarse en la naturaleza misma de ese saber que se ha constituido en el paradigma para entender la sociedad actual, en el tipo de poder que proporciona y en la debilidad que le es propia.

b. Poder y debilidad del conocimiento

Es ya un lugar común entre sus teóricos la afirmación de que en la sociedad del conocimiento la influencia colectiva, el ejercicio del poder y del dominio están mediatizados de manera creciente por el saber. El saber adopta cada vez más la función de los clásicos factores de producción, como la propiedad, el trabajo y la tierra. La aplicación de saber y no del tradicional aparato de poder se ha convertido en el medio de poder dominante y preferente de la acción social. Este cambio obliga a repensar la organización social examinando las características de un saber que tampoco es el mismo que el saber que tenían a la vista los sociólogos clásicos. Las teorías clásicas de la sociedad dependían excesivamente de una concepción más bien determinista de la evolución social y no habían reflexionado suficientemente sobre el poder y la impotencia del conocimiento científico.

El saber de las sociedades del conocimiento es un saber fundamentalmente disperso. La competencia que confiere el saber está tan diversificada y es tan sustituible y combinable que las distinciones sociales concretas en la sociedad del conocimiento son menos coherentes, unidimensionales y homogéneas que las de la sociedad industrial. El saber resulta cada vez más accesible, directa o indirectamente, a cada vez mayores sectores de la población.

La flexibilidad del saber se pone también de manifiesto en el hecho de que sus aplicaciones prácticas son menos evidentes, indiscutidas y explícitas que en las sociedades tradicionales. El saber está menos vinculado a estructuras sociales definitivas. Los cambios más recientes de la estructura social dependen de que la construcción social del saber se ha modificado. Me refiero a la importancia creciente de la (re)interpretación del saber y, en consecuencia, la pérdida de sus atributos típicos: seguro, fiable, definitivo, no controvertido, etc. La interpretación del saber y la reproducción del saber se han convertido en tareas sociales decisivas.

Por esa misma razón el progreso de la ciencia no significa que se facilite la planificación, la predicción y el control políticos. En determinadas circunstancias el progreso científico va unido a los desarrollos opuestos en la línea de una creciente fragilidad de la sociedad, a una mayor conciencia de los límites que acompañan necesariamente a todo saber. Los límites a los que me refiero son de carácter epistemológico; son límites puestos por el conocimiento científico mismo. La propia maquinaria de la ciencia —observaba Gehlen (1949, 12)— ejerce una coacción sobre el científico. No me parece acertado entender los límites del poder de la ciencia como una irracionalidad irreductible, como una carencia de ilustración de determinados grupos sociales o incluso como resultado de un empeño consciente de la ciencia para mantener a la población en la oscuridad con el fin de asegurar su propio poder. Lo más relevante para entender la sociedad en que vivimos sería descubrir las cualidades cognitivas y sociales que explican por qué el saber no científico tiene un nicho social significativo en las sociedades modernas.

Esta supuesta dinámica de sustitución de toda forma de racionalidad no científica fue cuestionada hace tiempo. Ya Durkheim no compartía la opinión de Comte de que las verdades científicas fueran a disolver radicalmente las expresiones mitológicas. En las verdades mitológicas se trata de expresiones que son aceptadas sin mayor comprobación, mientras que las científicas estarían sometidas a la verificación. Ahora bien, la acción social está continuamente bajo la presión del tiempo y no puede esperar a que los problemas sociales sean solucionados científicamente. Entre las condiciones de producción del saber científico está la suspensión de la escasez de tiempo y de la imperiosidad de actuar. El saber científico ha surgido generalmente bajo las condiciones de demora, distancia, examen y suspensión de las constricciones de la vida e incluso ha hecho de este retraimiento una característica esencial para la validez de esa forma de saber. Pero la vida no puede esperar (Durkheim [1912] 1994). La sociedad debe trabajar con determinadas concepciones acerca de ella misma. La inseguridad en la que trabaja la ciencia no es apropiada para la vida misma. Por decirlo con Pierre Bourdieu: se debe asignar a la praxis una lógica que plantee exigencias lógicas menos severas que la lógica de la lógica. La peculiaridad de la praxis consiste en que no permite una consideración teórica, pues la verdad de la praxis consiste en su ceguera respecto de su propia verdad (Bourdieu 1980). El hecho de que los sociólogos vayan siempre por detrás, el retraso del desarrollo científico permite a juicio de Durkheim la supervivencia de expresiones que podríamos llamar mitológicas. En las sociedades en que domina el conocimiento científico las verdades mitológicas no pierden su función social.

La idea de una marcha triunfante del saber científico y la consiguiente decadencia del saber tradicional supone al menos de modo implícito que, propiamente, sólo el saber científico progresa y que el saber no científico carece de toda dinámica progresiva. La impotencia del saber no científico encuentra su paralelo en la suposición de que la ciencia reduce continuamente el ámbito del saber tradicional, pero en absoluto lo acrecienta o incluso enriquece. Ahora bien, el saber científico remite a otras formas de saber, especialmente al saber común, al que no puede sustituir (Luckmann 1981). Y además, la ciencia misma es una fuente de crecimiento y de evolución del saber no científico (Brzezinski 1970). Mientras que nuestro conocimiento continúa incrementándose exponencialmente, nuestra ignorancia relevante lo hace incluso con mayor rapidez. Esta es la ignorancia generada por la ciencia (J. Ravetz 1987, 100). El progreso del conocimiento científico y sobre todo su aplicación práctica llevan consigo nuevos problemas irresueltos, efectos secundarios y riesgos. Desde este punto de vista, el discurso científico produce ignorancia, aunque sea certified ignorance.

La expansión del saber no está necesariamente acompañada por una reducción paralela del no saber y por un mejoramiento de la abarcabilidad. Al contrario, un crecimiento del saber puede muy bien suponer una explosión de confusión, inseguridad y una escasez de previsibilidad de la acción futura. La ciencia inaugura una pluralidad de posibilidades; pero con cada satisfacción, con cada conocimiento la ciencia produce una masa de nuevas preguntas, toda una nueva corriente de insatisfacción humana (Richta 1972, 249).

Entre las nuevas ignorancias una de las más evidentes es la que se sigue de la impredecibilidad de los movimientos iniciados. Muchos de los cambios que tienen su origen en causas científicas se sustraen paradójicamente del control racional, la planificación, la programación o la previsión. Consecuencias azarosas, no anticipadas, riesgos difícilmente reconocibles juegan ahora un papel más relevante que en las llamadas sociedades industriales. Me parece muy atinada la observación de Hermann Lübbe (1987, 95) sobre nuestra incapacidad colectiva de anticipar el futuro: la inexactitud de las predicciones ha aumentado en comparación con el saber del que disponemos. Todo presente anterior, en relación con el nuestro, disfrutó de la ventaja cultural extraordinaria de poder decir sobre su propio futuro cosas mucho más exactas que lo que podamos hacerlo nosotros. Lübbe se refiere fundamentalmente al saber técnico en sus observaciones acerca de la relación entre inseguridad y volumen del saber. La cantidad de las situaciones que modifican las condiciones estructurales de la vida aumenta proporcionalmente al volumen del saber disponible. La exactitud y la validez de los pronósticos no son mejoradas por el progreso del saber sino reducidas. La sociedad moderna es crecientemente frágil. Y esta tendencia se acentúa aunque —o precisamente porque— crece nuestro conocimiento de la naturaleza y de la sociedad. Se da la paradoja de que un aumento de nuestro saber pueda proporcionarnos un mejor conocimiento de sus límites. El saber no es nunca absoluto y deja de pretenderlo cuanto mayor es su alcance.

Una posible reserva ante este panorama de posibilidades liberadoras de la sociedad del conocimiento consiste en apelar a una tiranía de los expertos (Lieberman 1970) y a la consiguiente pérdida de las evidencias y derechos particulares. Hay quien sostiene que la técnica hace su propia política y que sus imperativos sirven a los intereses de la élite dominante (McDermott 1969). Esta advertencia merece ser analizada porque a menudo se apoya en una visión inexacta del significado social del crecimiento de las profesiones basadas en el saber. Esto no significa por ejemplo que la diferencia entre el conocimiento científico y el saber común sea cada vez mayor. Habermas sostiene que la racionalización empobrece progresivamente el mundo de la vida y aumenta la distancia entre la cultura de los expertos y el público. Pero este desarrollo no es inevitable. La necesidad de abandonarse de manera creciente a los expertos no tiene por qué ir necesariamente unida a un empobrecimiento de la vida cotidiana, de las formas y saberes que en ella se cultivan, ni a fortalecer la capacidad de manipular y controlar a los individuos. Más aún: la relativamente abierta facilidad de acceso a un asesoramiento especializado tiene consecuencias emancipatorias para el individuo.

La tradicional equiparación de saber y poder entendía el saber como algo que puede ser controlado privadamente y de este modo limitado su acceso. Y el poder político tradicional incluye la posibilidad de limitar las libertades individuales, de imponer la propia voluntad contra la resistencia de otros, de forzar la obediencia, de amenazar con la coacción y de perseguir administrativamente, sin excluir la posibilidad de la violencia física. No son estos el tipo de saber y de poder específicos de las sociedades del conocimiento. No se trata de que el poder pase a otras manos sino de que se modifican el modo y el contenido del poder y, por consiguiente, también los medios y su alcance.

Por otra parte, el dominio social adjudicado a la ciencia presupone un grado de coherencia y una unidad de intereses que no se observa entre los expertos técnicos y en los discursos que remiten a la autoridad de la ciencia. Hay una imagen extendida de la ciencia como un edificio cimentado sobre el consenso que no se compadece bien con el hecho de que es más bien una comunidad en la que las disputas acerca de las estrategias de investigación y la interpretación de los resultados de la investigación son bastante virulentas. Los expertos no actúan como una unidad, el saber especializado no es unitario ni parece que en el futuro vaya a haber un consenso definitivo entre los expertos. Más bien ocurre que el descubrimiento del poder y la simultánea fragilidad del conocimiento científico lleva a debilitar la autoridad de los expertos y al escepticismo frente a la idea de que la opinión de un experto sea imparcial y objetiva. La experiencia enseña que las controversias técnicas tienen la forma de una competición entre interpretaciones de una situación (Barnes 1985, 106). Nada más alejado de la realidad que una élite conspirativa rendida pacíficamente ante la objetividad de sus procedimientos y aglutinada por un mismo objetivo común contra los inexpertos.

Es muy cuestionable la tesis de una nueva clase, de nuevas formas de oposición entre clases, para los nuevos conflictos políticos y económicos (Galbraith 1967; Larson 1984). Esto equivaldría a suponer que los expertos pueden desarrollar una suficiente coherencia de intereses, organización y solidaridad política, lo cual no sería tampoco suficiente para formar una clase. No parece oportuno el uso del concepto tradicional de clase cuando la extensión de la ciencia en las actuales relaciones sociales lleva consigo una peculiar fragilidad de la estructura social que se muestra como un obstáculo para la formación de monopolios. Contra esta ficción puede establecerse con alguna seguridad que los grupos profesionales no han tomado el mando de la sociedad del conocimiento. Y esto no es tanto el resultado de la modestia de los expertos o su aversión al poder, sino que depende simplemente de los asuntos que tramitan. La movilización y aplicación de esas especialidades disminuyen paradójicamente —y seguro que de manera no intencionada— la verosimilitud de que ese grupo de expertos asuma una posición social dominante. En la medida en que el saber es capacidad de acción, de hacer algo o de poner algo en marcha, los clientes de los expertos pierden siempre un cierto grado de su dependencia, aunque sólo sea porque pueden poner en cuestión el saber que se les ha puesto a disposición.

Otra de las críticas que se viene abajo al analizar las sociedades del conocimiento es la que denuncia una homogeneización general. Hay una pluralidad de identidades locales, regionales o nacionales que hacen frente con éxito al proceso mundial de homogeneización por los mismos motivos que señalaba anteriormente para poner en duda la sustitución de todas las formas de saber por el conocimiento científico. Pero lo que hace más improbable esta igualación universal es la naturaleza misma del conocimiento que gestionan y tramitan nuestras sociedades: su carácter interpretativo y contextual, la diversidad de sus posibilidades de aplicación, su disponibilidad flexible. Como subraya Ralf Dahrendorf (1980, 753), los límites de la homogeneización tienen que ver con el hecho de que, toda cultura ha integrado los símbolos de la modernidad en su propia tradición; cada una hace de esos símbolos parte de su vida y sólo de ella. Con otras palabras, sería falso pensar, como lo hace la concepción extrema de la homogeneización, los contextos sociales locales como en situaciones exclusivamente pasivas frente a las influencias exteriores. Las situaciones locales no solamente ofrecen resistencia sino que tienen recursos para “asimilar” activamente prácticas culturales importadas. Las prácticas y los productos culturales no determinan de una vez para siempre soberanamente su modo de uso y aplicación al margen de los contextos de aplicación.

Nos hemos acostumbrado a considerar el saber como un instrumento para consolidar las relaciones de poder existentes, como si el progreso de la ciencia jugara siempre en favor de los más poderosos, pudiera ser fácilmente monopolizado por ellos y eliminara con éxito las formas tradicionales de saber. Pienso que esta idea de la ciencia como un instrumento eminentemente represivo y favorecedor de los poderosos es inexacta. Por eso cabe decir que en la nueva Alejandría global de la información computerizada no hay una seguridad perceptiva última, ninguna validación última de un texto remite a un original escrito o a una autoridad original. Es una cultura basada en una noción del conocimiento incesantemente interpretativo (A. Smith 1986, 162). El saber es un potencial liberador para muchos individuos y grupos. Precisamente las dificultades y los espacios de interpretación que acompañan al saber son lo que abren una serie de oportunidades de influencia y actuación frente a los expertos y al saber autoritario (Smith/Wynne 1989). La mera necesidad de que el saber deba ser siempre re-producido y que los actores deban apropiárselo, proporciona la posibilidad —por así decirlo— de estampar en el saber una marca personal. El proceso de apropiación deja algunas huellas. En el curso de esta actividad de apropiación, los agentes se hacen con nuevas capacidades cognoscitivas, profundizan en las que ya poseen y mejoran en general la eficacia de su trato con el saber, lo que a su vez les permite también desenvolverse con mayor capacidad crítica frente a las nuevas ofertas de saber y descubrir posibilidades de acción inéditas. La distribución social del saber no tiene las propiedades de un juego de suma cero.

c. La estructura de las sociedades del conocimiento

Nuestra concepción de la estructura social está todavía hoy fuertemente vinculada a la teoría de la sociedad industrial. En esta sociedad las jerarquías sociales se construyen y legitiman por relación al proceso de producción y las consecuencias de su organización específica. De manera muy similar, casi todos los teóricos de la sociedad postindustrial partían del supuesto de que la realidad social, económica y cultural estaría determinada por la racionalización y la planificación, y que los instrumentos de ese vigilancia estarían concentrados en manos de los organismos estatales. Esta tesis implicaba que habría de ser más fácil controlar administrativamente los comportamientos individuales, subsumir en protocolos administrativos cualquier movimiento social.

Ahora bien, en la medida en que el trabajo es llevado a cabo crecientemente por profesiones del saber, que pertenecen a los grupos políticamente más activos de una sociedad, tiene que modificarse necesariamente la configuración del sistema político. Habrán de cambiar especialmente las posibilidades de reproducir las tradicionales relaciones de dependencia. En la sociedad del conocimiento, las posibilidades de acción de los individuos y los pequeños grupos de personas se han ampliado considerablemente, aunque no debe suponerse que esta ampliación de la capacidad operativa valga para todos los niveles de acción y para todos los actores. Pero, en términos generales, estos cambios conducen a una autoridad estatal más superficial y volátil. Al menos en este sentido se puede concluir que el crecimiento del saber y su progresiva expansión social crean mayor inseguridad y contingencia; no son la base para un dominio más eficiente de instituciones sociales centrales.

En las sociedades del conocimiento la fragilidad de las estructuras sociales aumenta considerablemente. La capacidad de la sociedad de actuar sobre ella misma es incomparablemente elevada. Pero las sociedades del conocimiento son políticamente frágiles no porque sean democracias liberales —como muchos conservadores quisieran sostener— sino porque son sociedades del conocimiento. Las sociedades del conocimiento incrementan el carácter democrático de las democracias liberales. En la medida en que crecen las oportunidades de muchos para participar efectivamente disminuye la capacidad del estado para imponer su voluntad. La “resistencia” de las circunstancias se ha vuelto mucho más significativa y el ejercicio del poder está más equilibrado que en las antiguas sociedades industriales. El extendido poder de disposición sobre el saber reflexivo reduce la capacidad de las instancias tradicionales de control para exigir e imponer disciplina y conformidad. Las posibilidades de ejercer una presión contraria han aumentado de manera más que proporcional.

El conocimiento científico abre unas posibilidades de actuación que continuamente se amplían y modifican. En contraposición a la imagen ortodoxa de las sociedades modernas, se hace necesario insistir en la capacidad de acción conquistada para los agentes sociales, en la flexibilidad, heterogeneidad y volatilidad de las estructuras sociales, en la posibilidad de que un mayor número de individuos o grupos puedan influir y reproducir según su criterio esas estructuras. También se ha fortalecido la capacidad del individuo de actuar en su propio interés. La ciencia se convierte en un componente de la política porque el modo científico de comprender la realidad es utilizado para definir el interés que los actores políticos articulan y defienden (Haas 1990, 11). La explicación y la imposición de intereses políticos se basa en buena parte en concepciones de la sociedad tal como son articuladas en la ciencia. Pero no debe olvidarse que la política apoyada en un saber científico también puede ser una política de oposición y resistencia. Debido a que el discurso científico moderno no tiene unas propiedades monolíticas, se convierte en un recurso de acción política para individuos, grupos y organizaciones que persiguen intereses y fines muy diversos. La ciencia no es sólo un instrumento armonizador, que aparca conflictos y modera las tensiones. El saber aumenta la capacidad de acción de todos, no únicamente de los poderosos.

En la mayor parte de los análisis de los críticos sociales se da por hecho que la sociedad moderna es una unidad de civilización que tiende a la homogeneización de todos los ámbitos de la vida y las formas de expresión. Muchas observaciones de este estilo contienen un crudo determinismo precisamente porque no aciertan a entender que el tipo de saber que configura las sociedades del conocimiento no es el saber disciplinado y exacto de las ciencias positivas sino otro más flexible y frágil desde el que no resulta fácil establecer una organización social rígida.

Así pues, el proceso de modernización debe ser entendido de una manera menos rígida y unívoca. Incluso los conceptos de diferenciación funcional y racionalización de la realidad social que eran considerados como el motor de las sociedades modernas deben ceder el paso a versiones más abiertas de la evolución social. Por ejemplo, el principio de fragmentación de la sociedad, en virtud del cual ésta pierde su centro y se configura en una serie de subsistemas autónomos, debe ser corregido para registrar también movimientos de sentido contrario. Concepciones de la sociedad menos deterministas hablan ya de procesos de integración y des-diferenciación (Tilly 1984, 48) que pueden a su vez modificar la tendencia dominante de las sociedades modernas en la línea de una mayor variabilidad, fragilidad y contingencia de los nexos sociales. La idea de una única tendencia evolutiva es por consiguiente muy cuestionable. Es significativo que muchos límites no cumplan su función de barrera, que haya posibilidades inéditas de tránsito entre fronteras supuestamente impermeables. El proceso de modernización no ha de entenderse como el decurso de estadios evolutivos estrictamente predeterminados sino como un proceso abierto, a menudo incluso reversible, de expansión de la acción social. La modernización sería entonces un proceso múltiple y no lineal de extensión de las posibilidades operativas.

El aumento del control social del saber es uno de esos fenómenos que contribuye a modificar el estatuto que al saber se le asigna en las críticas a la civilización tecnológica y científica. La misma existencia de este control es un indicativo de cómo la esfera del saber no se ha autonomizado absolutamente y es susceptible de control desde otros ámbitos sociales como el derecho o la política.

En un principio, la ciencia y la técnica pueden ser fácilmente puestas al servicio de cualquier decisión. El carácter exotérico, inaccesible a muchos, de la ciencia convierte al sistema científico en un recurso para simbolizar independencia y objetividad. Por eso la ciencia se ha erigido frecuentemente en una autoridad de la que puede disponerse para las decisiones controvertidas. Pero una cierta desconfianza ha acompañado siempre al desarrollo de la ciencia y la técnica, sin que parezca que en el futuro vaya a ser de otra manera. Se da una coincidencia curiosa en la sociedad contemporánea: junto a una pérdida de temor y respeto frente a la autoridad y las disposiciones de la administración estatal hay que registrar también una preocupación creciente por los efectos negativos del progreso técnico y científico. Los problemas de medio ambiente, las consecuencias del uso de determinados artefactos técnicos, la percepción de que no todos los problemas sociales pueden ser controlados racionalmente ni evitados o resueltos mediante la planificación son indicativos de que la ciencia y la técnica ya no gozan de la confianza general e incuestionada. Es como si la disminución del miedo se viera compensado por un aumento de las preocupaciones.

Mientras tanto el control social del conocimiento científico y del saber técnico ha aumentado considerablemente. En todos los países desarrollados existen complejas prescripciones y un gran número de organizaciones que se ocupan de registrar, permitir, verificar y supervisar ya sea productos farmacéuticos, el uso de tecnologías de alto riesgo, los modos de investigación, las patentes o el control de los alimentos. Ya no nos encontramos en la época de una esfera científica completamente autónoma y celosa de cualquier intervención exterior. La aplicación del conocimiento científico conduce a que el saber se convierta en parte de un contexto social externo, no científico. Una consecuencia de esta incorporación del conocimiento científico en un contexto exterior al sistema de la ciencia es que los mecanismos de control allí existentes influyen en el saber. El saber no se puede librar de los procesos de selectividad de esos contextos. Por eso actualmente la supervisión política del conocimiento ya no es lamentada como una ruptura intolerable de las normas científicas. En la medida en que el saber se convierte en un componente constitutivo de las sociedades, la producción, reproducción, distribución y realización del saber no puede sustraerse a la discusión política explícita y las disposiciones jurídicas. La producción y distribución del saber se han convertido en cuestiones habituales de la política y en objeto de decisiones económicas.

Con la sociedad del conocimiento estamos en una situación en la que ya no ocurre que unos pocos actores controlan casi todo, sino más bien que muchos controlan más bien poco. Ese saber es más disponible para todos, por lo que se reduce la capacidad de las instancias tradicionales de control para imponer su disciplina. Las capacidades de influir, ejercer resistencia y hacerse valer han aumentado de manera más que proporcional en el individuo y en los diversos grupos que configuran la sociedad civil. Al descubrir estas posibilidades se abren también nuevas formas de ejercer la libertad y pierde fuerza la pesadilla de una sutil manipulación. Con el progreso de la ciencia ha de disminuir la fe en ella: el asombro dura poco, lo que tarda en desvanecerse el fantasma que pensamos habita en la máquina hasta que conocemos su funcionamiento. Saber es saber lo precario que es el saber, lo disperso que está, su fácil acceso, su vulnerabilidad a la crítica, su debilidad para combatir la tozudez del sentido común y las costumbres inveteradas, en suma: que la vida es poco gobernable y que la última garantía de la libertad personal es la pereza de las cosas a ser manejadas.

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Fonte: Daniel Innerarity
www.raison-publique.fr – 29 jun 2010

Entusiasmo e desilusão marcam processos históricos ~ Judt

Em um artigo recente, o historiador Tony Judt (pronuncia-se “jud”), 62, comentou a paixão do pai por exóticos carros franceses — ou que, ao menos, eram vistos assim no Reino Unido da década de 1960.

O Citroën DS 19 branco em que a família cruzava a Londres da época podia ser incomum, mas a relação que o motorista mantinha com a máquina já se popularizava.

Não à toa, defende Judt, a geração que chegou à maturidade no pós-Guerra, à qual pertencia seu pai, amava o automóvel.

Finalmente acessíveis à classe média, mas ainda não hegemônicos na vida urbana, os carros deram corpo e mecânica a anseios de liberdade e à prosperidade econômica recém-alcançada.

Décadas depois, boa parte do encanto desapareceu em meio a congestionamentos. Judt, como muitos de sua geração em países ricos, não nutre simpatia por carros –representantes, em sua opinião, de “separação e egoísmo nas formas mais socialmente disfuncionais”.

A crítica ao “egoísmo”, registrada no relato do historiador, é hoje algo tão raro quanto Citroëns DS 19 em Londres há cinco décadas.

Formado em instituições-símbolo da academia europeia –a Universidade de Cambridge e a Escola Normal Superior, em Paris–, Judt é provavelmente o principal intelectual social-democrata em atividade.

Vítima desde 2008 de uma doença neuromuscular que paralisa seu corpo, ele continua a publicar artigos e livros em que ataca o pensamento conservador e a crescente desigualdade econômica na Europa e nos EUA.

Ao mesmo tempo, defende as conquistas do Estado de Bem-Estar Social.

Muitos desses artigos, escritos antes do diagnóstico, estão em “Reflexões Sobre um Século Esquecido”, lançada esta semana no Brasil.

Ali se pode constatar que, assim como o carro do pai, Judt não se encaixa bem na paisagem _no caso dele, a hegemonia intelectual das últimas décadas.

LÓGICA CONTÁBIL

De família judaica, o historiador é um dos mais ferozes críticos de Israel, segundo ele, um país “imaturo”, “adolescente”. Mas os nacionalismos não o incomodam mais do que o modelo americano de divisão identitária étnica da população.

Em contraste com arautos de uma nova ordem mundial, pós-Guerra Fria e 11 de Setembro, Judt vê mais continuidade do que ruptura entre a época atual e os dilemas do século 20.

Sobretudo, é um crítico do crescente esvaziamento das perspectivas éticas e sociais nos debates políticos de décadas recentes, marcados pelo que acredita ser uma vazia lógica contábil, economicista. “Esquecemos como pensar politicamente”, escreve.

Muitos de seus textos se dedicam a desvendar os processos históricos que desaguaram na atual hegemonia conservadora, crítica do Estado-providência.

E ela é filha do “esquecimento”, defende Judt.

A geração que construiu os mecanismos distributivos das atuais sociedades europeias, que edificou eficientes sistemas de proteção social, educação e saúde públicas, havia vivido a experiência comum da Grande Depressão e da Segunda Guerra.

Seus líderes temiam as possíveis consequências de políticas que disseminassem injustiças sociais ou desigualdades econômicas.

A prosperidade que legaram aos filhos, nos países ricos, diminuiu o significado coletivo daquelas experiências traumáticas e dos temores a elas associados.

Os benefícios do Estado de Bem-Estar Social pareciam garantidos, defende Judt, ao mesmo tempo em que se abria espaço para a crítica aos seus excessos –na arrecadação de impostos e nos gastos públicos.

CICLO NATURAL

Mas a história não termina aí. “Creio que existe um ciclo natural de entusiasmo e desilusão, que se cruza com um ciclo parecido, de esquecimento e reaprendizado”, diz.

O mais recente ciclo de hegemonia ideológica, que diminuiu o papel do debate político e social, pode estar próximo do fim, afirma.

Os valores estritamente contábeis das últimas décadas já fazem sentir seus efeitos perniciosos na atual crise econômica e na crescente desigualdade das sociedades americana e britânica.

Há espaço, aposta, para um renovado apelo dos valores que ajudaram a edificar o Estado de Bem-Estar Social.

Fonte: Folha Online, 25 maio 2010