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Indígenas no Brasil temem o progresso a qualquer custo

Índios da tribo Yanomami: resistência pela cultura

População indígena do Brasil ainda briga para ser ouvida pelas autoridades e teme que o progresso do país acabe com a sua cultura. E a construção da usina de Belo Monte é vista como grande ameaça.

Na data em que a Organização das Nações Unidas celebra o Dia Mundial dos Povos Indígenas, nesta segunda-feira (09/08), Sônia Bone Santos Guajajara, líder dos movimentos indígenas na Amazônia, demonstra um certo pessimismo ao pensar no futuro.

Guajajara usa o nome de sua tribo como sobrenome, e confessa uma certa preocupação quanto ao progresso brasileiro: “A tendência do Brasil é crescer, é se desenvolver, isso é uma meta do Estado. Mas não estão levando em consideração a vida das populações tradicionais e dos povos indígenas. Nós vamos resistir enquanto pudermos.”

Sônia fez história ao se tornar a primeira mulher a assumir um posto de chefia na Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e ao concluir o ensino superior do curso de Letras na Universidade Estadual do Maranhão. Ela nunca se limitou às fronteiras naturais amazonenses: participou da Conferência do Clima em Copenhague e já representou o Brasil em reuniões do Fórum Permanente dos Povos Indígenas das Nações Unidas.

A terra e o progresso

Em 21 anos de história, a Coiab comemora alguns avanços, entre eles uma maior agilidade no processo de demarcação da terra. Mas os índios ainda precisam de proteção para se manter no território a eles garantido pela lei. “Os indígenas vivem ameaçados dentro das próprias terras, por conta de madeireiros, de fazendeiros, de donos do agronegócio, que vão expandindo a plantação e que fazem grande pressão sobre as terras indígenas”, conta Guajajara.

A região amazônica é marcada por interesses intrínsecos ao desenvolvimento do país. Mas os grandes projetos econômicos também trazem ameaças aos indígenas que, em muitos casos, são obrigados a mudar suas aldeias de lugar e deixar para trás heranças tradicionais.

“A proteção territorial é muito falha e ainda há terras por serem demarcadas, como no Mato Grosso do Sul e no Nordeste. Sem terras, os índios são levados à criminalização, o que é hoje uma questão muito grave para nós”, ressalta a líder.

Mas o maior desafio do movimento de resistência dos índios provoca também uma batalha nos tribunais brasileiros, tem um histórico de mais de 20 anos e, ao que tudo indica, se transformará em fato consumado: a usina hidrelétrica de Belo Monte.

A usina bilionária

“Não é que se é contra Belo Monte, ou contra todos os empreendimentos. Mas as coisas precisam ser feitas de forma legal. Há a declaração da ONU que dá a garantia de consulta livre, prévia e informada. E em Belo Monte não aconteceu nada disso. As comunidades não foram consultadas, não foram informadas”, lembra Sônia Guajajara.

Felício Pontes atua no Ministério Público Federal do Pará e acompanha a queda de braço na Justiça brasileira. O procurador federal move nove ações contra a usina e acredita que a legislação brasileira está a seu favor.

“O Brasil tem leis protetoras ambientais e indígenas muito fortes. O problema é que o governo mente sobre os efeitos que esses projetos terão, sobretudo na questão indígena. O presidente da República disse no programa Café com o Presidente que não haverá impacto nenhum sobre as comunidades indígenas. Mas haverá um impacto muito grande”, denuncia.

Dentre as funções da Procuradoria Federal, está a de defender os direitos sociais e individuais dos cidadãos perante a Justiça. Felício Pontes, que também nasceu no estado do Pará, diz que é impossível que a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, com barragens no rio Xingu, não tenha impacto sobre os povos indígenas – a região concentra a maior diversidade étnica indígena do país.

“O sistema judiciário é muito burocrático e lento. Faz com que a demora numa decisão judicial definitiva favoreça sempre a quem não tem razão. Isso explica a pressa do governo federal em que não haja uma decisão definitiva sobre o caso e a correria para que a obra seja feita”, argumenta.

A primeira ação judicial movida pelos procuradores foi ainda em 2001: ela pedia que os índios fossem ouvidos antes que Belo Monte virasse uma realidade. Mas as audiências públicas, que deveriam ser feitas no Congresso Nacional, nunca aconteceram.

Outros processos em andamento apontam erros no projeto e levantam dúvidas sobre a quantidade de energia que será gerada na usina.

O Ministério Público do Pará está acostumado a brigar pelo direito dos indígenas, já que o estado tem forte presença desses povos. Já ganhou processos contra diversas mineradoras que exploram a Amazônia – inclusive contra a gigante Vale, que foi obrigada a pagar indenização por construir uma estrada de ferro numa reserva indígena no sul do estado.

“No caso de Belo Monte, nós não estamos tendo agora resultados positivos. Mas se não tivéssemos entrado com a primeira ação em 2001, a usina hoje já estaria construída. Só não saiu do papel ainda por conta das ações que movemos desde então”, avalia o procurador federal.

A empresa Norte Energia é a responsável pela construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, estimada em 19 bilhões de reais, segundo a própria companhia. A construção ainda não foi iniciada, mas a previsão é que a usina comece a operar parcialmente em 2015.

Fonte: DW, 10 ag0 2010

Autora: Nádia Pontes
Revisão: Rodrigo Rimon