ONGs temem retrocesso na igualdade de direitos após Primavera Árabe

Nas revoluções no mundo árabe, a igualdade para mulheres foi muitas vezes deixada de lado. No Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher, muitas organizações falam de um retrocesso. Que lições se podem tirar?

[Mirjam Gehrke, DW, 25 nov 2012] Elas estavam na vanguarda na Praça Tahrir no Cairo, na Avenida Habib Bourghiba em Túnis, ou na Praça dos Mártires em Trípoli: durante a Primavera Árabe, as mulheres lutaram lado a lado com os homens em prol de um recomeço democrático – e com sucesso. No entanto, não puderam colher os frutos de seu triunfo.

“Observamos com preocupação o aumento de agressões sexuais em locais públicos, como também do uso do véu islâmico por mulheres”, disse em entrevista à Deutsche Welle Dagmar Schumacher, chefe do escritório ONU Mulheres em Bruxelas.

Ameaça de retrocesso

Desde outubro, entrou no ar no Egito o canal de TV islâmico Maria TV, no qual as mulheres só aparecem veladas da cabeça aos pés. Relatos sobre o aumento das agressões sexuais contra mulheres vêm tanto do Egito quanto da Líbia. A chefe do escritório da ONU disse temer “um retrocesso para as mulheres, em comparação com a situação antes da Primavera Árabe”.

Além disso, a Tunísia discute incluir na nova Constituição, a ser possivelmente outorgada no próximo ano, que homens e mulheres se “complementam”. A igualdade plena de direitos, tal como prescrita na lei tunisiana desde a década de 1950, estaria em perigo sob o governo do partido islâmico Ennahda.

“As blogueiras, que tanto contribuíram nos levantes da Primavera Árabe, agora estão sendo deixadas de lado”, criticou Dagmar Schumacher do ONU Mulheres, “e quando se trata de elaborar uma nova Constituição, de repente, a igualdade entre homens e mulheres não tem tanta importância. Isso leva a grandes frustrações entre as mulheres.” Milhares delas foram às ruas protestar contra a proposta de Constituição na Tunísia.

Mulheres, perdedoras na paz?

A desvantagem mulheres na reorganização de uma sociedade após guerras ou conflitos armados não é um fenômeno árabe, assinalou Heide Göttner, da organização de ajuda humanitária Amica. “Através dos conflitos, determinados padrões de gênero vêm à tona”, declarou à DW. Ou seja: as mulheres aparecem em público e assumem a responsabilidade deixada pela falta de homens, quando estão envolvidos em conflitos armados como soldados ou combatentes.

No entanto, assim que os homens retornam ao seu cotidiano civil, frequentemente, as mulheres são banidas de volta à cozinha, explicou Göttner. “Como resposta à experiência contínua de violência e à militarização da sociedade, muitas vezes, resgatam-se padrões de gênero obsoletos: as mulheres são colocadas propositalmente em relações de dependência ou forçadas a assumir padrões obsoletos.”

Na Alemanha, esse fenômeno foi observado mais claramente na década de 1950: as chamadastrümmerfrauen (mulheres dos destroços) reconstruíram o país após a Segunda Guerra, enquanto muitos homens ainda estavam prisioneiros. Nos anos do milagre econômico alemão, todavia, os homens dominaram o mundo profissional, enquanto as mulheres cuidavam da casa e das crianças.

Conhecer os direitos femininos

Em 1981, entrou em vigor a Convenção da ONU contra a Discriminação de Mulheres, ratificada por quase todos os Estados-membros das Nações Unidas. Entre eles, também os países da Primavera Árabe. Segundo a Convenção, em tais países, as mulheres gozam não somente do direito à proteção contra a discriminação estatal, por exemplo, na Justiça ou no mercado de trabalho, como também da proteção contra a violência e a violação dos direitos humanos na esfera privada.

Mas enquanto esses direitos estiverem somente no papel, eles continuam ineficazes: “A violência doméstica é um problema que não é discutido abertamente. Seguindo a mesma linha, são de negação as reações da polícia e também das autoridades”, aponta Heide Göttner da Amica.

Muitas vezes, mulheres que procuram ajuda seriam rechaçadas e mandadas de volta para casa. Por esse motivo, a ONG humanitária, fundada em 1993 em reação à violência contra as mulheres na Guerra da Bósnia, não trabalha somente com grupos femininos. “As mulheres precisam desenvolver uma relação de confiança com as autoridades. Por isso, nossos projetos também sempre incluem cursos para as pessoas em posições-chave na polícia, Justiça e órgãos sociais e de saúde”, enumera Göttner.

Dar voz às mulheres

Nesse contexto, segundo a experiência de Dagmar Schumacher, a inclusão de líderes políticos e religiosos é tão importante quanto o trabalho junto aos maridos, pais e irmãos na comunidade. “Nós realizamos no Líbano um programa que buscou especificamente o diálogo com os homens, para falar com eles sobre a igualdade de direitos.”

Posteriormente, muitos dos participantes afirmaram que antes não sabiam que homens e mulheres tinham direitos iguais. Essa percepção não mudou somente “a vida desses homens, mas também a vida das comunidades, diretamente “, conclui Dagmar Schumacher.

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