Mundo árabe oculta epidemia de Aids, afirmam especialistas

[France Presse/Folha SP, 8 dez 11] Especialistas alertam para uma epidemia de Aids em crescimento no mundo árabe, dominado pelo estigma social, pela inércia do governo e por um acesso frequentemente limitado à educação.

“No Oriente Médio e no norte da África, a epidemia de HIV esteve em ascensão na última década”, afirmou Aleksandar Sasha Bodiroza, conselheiro de HIV e Aids do UNFPA (Fundo das Nações Unidas para a População).

“O número de pessoas que precisam de tratamento na região saltou de aproximadamente 45 mil em 2001 para quase 160 mil em 2010”, disse Bodiroza à agência de notícias AFP.

“Isto pôs o Oriente Médio e o norte da África como as duas principais regiões do globo onde a epidemia de HIV cresce mais rapidamente”, acrescentou.

Segundo um relatório das Nações Unidas publicado neste mês, o número de pessoas infectadas com o vírus e as mortes relacionadas com a Aids diminuíram em todo o mundo, à medida que o acesso ao tratamento se tornou mais difundido.

Mas essa tendência não se vê no mundo árabe. Ali, as taxas de portadores do HIV e de mortes relacionadas à Aids aumentaram, enquanto a conscientização pública, a resposta do governo e o acesso a serviços médicos adequados apresentam um progresso lento.

Embora haja poucos dados confiáveis no Oriente e no norte da África, as Nações Unidas calculam entre 350 mil e 570 mil o número de pessoas que vivem com o vírus HIV na região, cuja população é estimada em mais de 367 milhões de pessoas.

Um estudo publicado recentemente estabeleceu as taxas de infecção entre homens que fazem sexo com outros homens em 5,7% no Cairo, capital egípcia, e em 9,3% em Cartum, capital do Sudão.

Enquanto alguns países começaram a dar pequenos passos para enfrentar um problema crescente, mas silencioso, a vergonha e o estigma dão poucos sinais de ceder em uma região onde as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo e o sexo antes do casamento costumam ser considerados crimes.

Este estigma se tornou algo normal para um jovem de Beirute, contatado através de um grupo que oferece apoio gratuito a pessoas soropositivas e doentes de Aids.

“Se fosse resumir em uma palavra, eu diria que a minha vida é um grande segredo”, disse o rapaz de 29 anos, que soube ser soropositivo há três anos.

“Embora tenha saído do armário com a minha família muito tempo atrás, isto é algo que não compartilhei com eles. Eu nunca poderia jogar sobre eles este peso”, acrescentou.

As infecções se concentram normalmente em pessoas que pertencem a grupos de alto risco, incluindo usuários de drogas injetáveis, homens que fazem sexo com outros homens, profissionais do sexo e seus clientes.

“A vida para alguém que tem o vírus HIV é muito difícil. Eles sofrem com a incapacidade de falar sobre a doença livremente com pessoas próximas e nós temos casos em que indivíduos chegaram a ser expulsos da família”, relatou Brigitte Khoury, psicóloga clínica do Centro Médico da Universidade Americana de Beirute.

“Portanto, embora algumas famílias deem apoio, trata-se de uma vida dominada pelo segredo, pelo engano e pelo medo do pior”, emendou.

Este medo, segundo especialistas, é o que costuma afastar os soropositivos da procura de um tratamento.

“O estigma e a discriminação estão entre as razões primárias pelas quais as pessoas que vivem com HIV ou populações chave com maior risco de infecção por HIV não têm acesso a serviços essenciais para portadores de HIV”, disse Bodiroza. “Estes dois fatores também limitam a habilidade de governos e sociedade civil de fornecer serviços.”

Muitos países do mundo árabe exigem que os estrangeiros façam exames de HIV para conceder vistos ou carteiras de residência.

Recentemente, os jornais noticiaram o caso de um jornalista sul-africano, deportado do Catar após ter sido diagnosticado com HIV e demitido da emissora de TV Al-Jazeera.

A organização Section27, um grupo legal de interesse público radicado na África do Sul, pediu à delegação do país na OTI (Organização Internacional do Trabalho) para formalizar uma queixa contra o país.

Mas algumas nações mais liberais da região começaram a noticiar o problema, e Egito e Líbano lançaram uma campanha de mídia.

A campanha “Let’s Talk” (Vamos Conversar), no ar até o fim de dezembro, é organizada pelo UNFPA em parceria com os ministérios da Saúde dos dois países, e encoraja as pessoas a fazerem o exame.

A campanha, que no Líbano é estrelada por uma ex-miss e a superpopular banda Mashrou3 Leila, também disponibiliza uma lista de centros de exames gratuitos e anônimos nos dois países.

Apesar destes esforços, especialistas afirmam que os governos são menos propensos do que nunca a voltar sua atenção à epidemia crescente em uma região afetada por uma revolta política.

“O fio condutor que liga todos os países da região é o impacto do estigma e da discriminação, que estão [entre] as razões principais pelas quais as pessoas que vivem com HIV ou populações em risco não têm acesso a serviços essenciais”, afirmou Bodiroza.

“Sem uma liderança forte, é improvável que estas questões sejam atendidas completa e adequadamente”, concluiu.

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