Caça às bruxas perdura pelo século 21 adentro

Acusações de bruxaria ainda custam vidas. Processos de reabilitação na Alemanha tentam sensibilizar para atualidade do tema. Na África, caça às bruxas matou, ultimamente, mais do que durante Inquisição.

[Insa Moog, DW, 4 mar 12] Hartmut Hegeler tem uma grande meta na vida. O pastor luterano e professor de Religião aposentado se bate pela recuperação da honra de Katharina Henot, mesmo que com quase 400 anos de atraso. Antes de ser executada por estrangulamento e ter seu corpo incinerado em 1627, a comerciante de Colônia foi difamada como bruxa.

Hegeler apresentou ao conselho municipal da cidade renana uma petição pela reabilitação moral de Henot e de outros colonianos perseguidos como feiticeiros. Na época, 38 sentenças de morte foram infligidas em Colônia. Entre os executados, encontravam-se também três homens e um menino.

Há mais de uma década, a revisão de processos de bruxaria ocupa o pastor de 65 anos, natural da cidade de Unna, no noroeste alemão. Em intercâmbio estreito com iniciativas análogas em outras cidades, ele e os demais colaboradores do grupo de trabalho Hexenprozesse (processos de bruxaria) visam obter a revisão dos processos, movimentando a opinião pública.

“Quando se observa em detalhe, os problemas de então e de hoje em dia são semelhantes. Alguém conta coisas maldosas sobre outra pessoa, a submete a assédio moral. Ocorre tortura e violência”, descreve Hartmut Hegeler. Com seu grupo de trabalho, ele quer emitir um alerta em nome dos direitos humanos e da dignidade.

Da África e Ásia à América Latina

Ocorrências na África demonstram a atualidade da causa. “Justamente na virada para o século 21, houve grandes ondas de perseguição em diversas nações africanas – Congo, Nigéria, Camarões, Benim e sobretudo na Tanzânia”, explica Iris Gareis, professora de Etnologia de Frankfurt. Ela se ocupa da caça às bruxas, tanto histórica quanto contemporânea, sendo uma das editoras da sérieHexenforschung (pesquisa sobre bruxas).

Há estimativas de que mais gente morreu nos últimos anos na África em consequência da caça às bruxas, do que em toda a Europa, alguns séculos atrás. “Somente entre 1994 e 1998, foram perseguidas e mortas na Tanzânia cerca de 5 mil pessoas”, relata Gareis.

Também no século 19, houve movimentos semelhantes na África. Um indicador disso são as leis das potências coloniais, que procuravam coibir a perseguição descontrolada de feiticeiros. “Procurou-se levar a juízo os casos de bruxaria e, assim, colocar de volta nas mãos do Estado o controle sobre tais processos. Ao que tudo indica, era frequente as pessoas serem linchadas.”

A justiça de linchamento por multidões enfurecidas também se manifesta nos casos atuais. Registraram-se assassinatos de “bruxas” no final de 1990 na Indonésia, e no início de 2000 na Índia, que custaram centenas de vidas. Segundo Gareis, também no Chile há registros de casos isolados, no século 19. Porém na América Latina não houve execuções na fogueira, método que caracteriza a caça às bruxas na Europa.

Dinâmica se repete

Quer na Europa dos séculos 16 e 17, quer na África, partes da Ásia ou América Latina, em épocas mais recentes, “os mecanismos das diversas ondas de perseguição se assemelham”, constata a especialista Iris Gareis. Na crença dos perseguidores, os acusados seriam capazes de prejudicar a outros, usando seus poderes sobrenaturais, seja ao enviar doenças, matar o gado, ou dizimar colheitas. Para os supostos feiticeiros, fica quase impossível provar a própria inocência.

Mas por que motivo a suspeita sequer recai sobre essas pessoas? “Poder político ou riqueza despertam desconfiança; pode-se suspeitar que a pessoa só os alcançou através de poderes mágicos.” Da mesma forma, contudo, ocorre que mulheres pobres sejam acusadas de “mau olhado”, por inveja do bem-estar alheio, observa Gareis. E, assim, dentro do grupo que se sente vítima, forma-se o consenso de que a ameaça emana de uma determinada pessoa.

Crises coletivas, como catástrofes climáticas, epidemias e ondas de carestia, também favorecem essa dinâmica. Desse modo, não é raro a população pressionar as autoridades para fazer algo contra os supostos causadores de uma desgraça recente. Hartmut Hegeler confirmou em suas pesquisas que, ainda hoje, os albinos são perseguidos como bruxos em certos países africanos, devido a sua aparência fora do comum.

Homens também são vítimas

Uma característica da caça às bruxas na Europa, a partir da Idade Média, era a perseguição às mulheres que, segundo se procurava provar, teriam feito um pacto com o diabo. As pesquisas de Hartmut Hegeler demonstram que, até 1782 executaram-se aproximadamente 60 mil pessoas no continente, sendo 75% mulheres, 25% homens e crianças. O principal foco foi a Alemanha, com cerca de 25 mil vítimas. Houve perseguição também na Escandinávia e na Suíça, mas ela era rara na Espanha ou na Itália, apesar da presença maciça da Santa Inquisição nesses países.

Fora da Europa, o sexo da maioria das vítimas varia, de acordo com as regiões e os grupos étnicos. “Por vezes são os homens, por outras, são as mulheres as acusadas de magia maléfica”, relata a etnóloga Iris Gareis.

Para o ativista Hegeler, o mais importante é despertar o interesse internacional. Seu requerimento pela reabilitação de Katharina Henot provocou forte repercussão de mídia, houve mostras de interesse partindo dos Estados Unidos, Japão e de diversos países europeus. Desde 1993, conseguiu-se em mais de dez cidades da Alemanha a reabilitação de vítimas de persecução por bruxaria.

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